terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Tramado pelo filho

Os casos e casinhos políticos no nosso país aparecem que nem cogumelos numa floresta húmida e sombria. Depois da crise política desencadeada pela demissão de António Costa e óbvia marcação de eleições antecipadas, e enquanto o PS anda em lutas internas, o PSD sente a possibilidade de chegar ao poder, mas faltam-lhe ideias e o Chega rejubila com as sondagens, eis que entra em cena o Senhor Presidente da República, e por motivos no mínimo muito mal explicados. Vou fazer como ultimamente tem sido hábito nas confusões políticas a que temos assistido, e criar a minha própria linha do tempo!

1. Há uma estranha coincidência de datas, no dia em que a procuradora-geral da República foi chamada a Belém por causa da Operação Influencer que levou à demissão de António Costa, o Ministério Público começou a investigar o tratamento médico milionário dado a duas meninas brasileiras. Investigar o 1.º Ministro poderá dar chatice, vamos também investigar qualquer coisa relacionada com o Presidente da República para ninguém se ficar a rir!

2. A atitude dos pais das crianças é legítima, em toda esta história ninguém coloca em causa o tratamento feito às crianças, mas sim a forma como o processo decorreu. A obrigação dos pais é tudo fazer pela saúde dos filhos, estes tinham a sorte de conhecer o Doutor Nuno Rebelo de Sousa, por acaso filho do Presidente da República de Portugal, onde o tratamento era possível embora com custos astronómicos. Meteram a cunha, óbvio. Quem não o faria que se chegue à frente e assuma.

3. O Doutor Nuno Rebelo de Sousa, um ser humano decerto bondoso mandou logo um e-mail ao seu Pai, esquecendo-se que dessa forma estava a colocar em apuros não o Pai, mas o Presidente. Foi tonto, óbvio.

4. O Presidente da República ao ler o email do filho foi descuidado ao dar-lhe seguimento. Mandava a mensagem imediatamente para o spam e logo que tivesse oportunidade dava um valente puxão de orelhas, não ao Doutor Nuno Rebelo de Sousa, mas ao seu filho Nuno.

5. Obviamente que a partir daqui ficou tudo descontrolado, não foi preciso o Presidente da República pedir nada, bastava as entidades saberem de onde vinham as coisas para serem mãos largas, não todos, mas quase.

6. As crianças obtiveram a nacionalidade portuguesa num tempo recorde, segundo informação do Ministério da Justiça, foram catorze dias, um processo que normalmente demora de dois a quatro meses.

7. Ficou registado pelos médicos que a consulta destinada à decisão de administrar a vacina milionária foi marcada a pedido, ou por indicação de um secretário de estado da saúde. Lacerda Sales negou-o em absoluto nos primeiros dias, confrontado depois com as provas disse não se lembrar e que mandou recolher toda a informação.

8. A autorização para a administração da vacina foi dada num período de dois dias, num processo que demora em média duas a três semanas. Além disso, o procedimento foi aceite num sábado, uma prática estranha pois o Infarmed encontra-se encerrado ao fim-de-semana. O medicamento custa dois milhões de euros por paciente, mas isso é o menos grave, num país que gasta tantos milhões em negócios duvidosos, gastar na saúde devia ser prática comum, e já agora, com todos os pacientes, não apenas aqueles que têm a sorte de conhecer as pessoas certas. Certas não, pessoas com influência.

9. Ao que parece, está também provado que o Dr. Nuno Rebelo de Sousa teve várias reuniões com o Secretário de Estado da Saúde Lacerda Machado. Teria este assim tanto tempo livre para reunir com cidadãos comuns? Ou este não seria um cidadão comum?

10. Para terminar, o PS fez uso da sua maioria absoluta para não deixar ouvir pelos deputados a Ex-Ministra da Saúde Marta Temido e o Ex-Secretário de Estado da Saúde Lacerda Machado. Admite apenas ouvir o atual Ministro da Saúde. Para quê? Obviamente que vai dizer que na altura não estava no governo e que já mandou abrir processos de investigação e que estão sobre segredo de justiça.

Mais do que as vigarices e estratagemas que esta gente faz, e que se calhar é mesmo uma caraterística do povo português e todos vamos fazendo os nossos jeitos e metendo as nossas cunhas, na medida óbvia da nossa importância ou insignificância, o que me irrita é esta gente fazer do povo estúpido, dizerem que não se lembram, que não pediram nada a ninguém, que não influenciaram nenhuma decisão. Haja paciência. É por coisas destas que ainda não sei o que vou fazer no dia 10 de março. Começo a ter medo de fazer uma estupidez.

Bom Natal a todos!

Crónica publicada na edição 469 do Notícias de Coura, 19 de dezembro de 2023


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Política, 25 de novembro e Argentina

Numa altura em que estive a atualizar o blog onde partilho estas crónicas, e faço-o sempre apenas uma semana depois das mesmas serem publicadas em papel, verifiquei que me tenho centrado essencialmente em temas políticos. Ora, a culpa não é minha! As últimas semanas têm sido ricas em assuntos que chegavam para dois ou três anos de textos. Tantas vezes ando aflito à procura de assunto, e agora os assuntos são tantos que o que custa é escolher. Assim sendo, deixo pequenos apontamentos sobre estas e outras coisas na ordem do dia:

Confusões políticas: são tantas e tão diversas que nem vou fazer grandes considerações, limito-me a enumerá-las: a crise política depois da demissão de António Costa (que me aprece estar arrependido); as eleições no PS e a difícil missão que Pedro Nuno Santos tem nas mãos (como vai ele convencer os eleitores que é diferente, quanto esteve no governo até há tão pouco tempo e foi igual aos outros!?); as promessas eleitoralistas do PSD que tanto parecem prometer (não voltarão a fazer como Pedro Passos Coelho e ir além daquilo que já era doloroso!?); o estranho acalmar de André Ventura que parece estar tão pacífico e adormecido (ninguém o quer para coligações, mas ele sabe que os seus votos serão decisivos para virar as coisas à direita, ou não!); os estranhos valores das sondagens que continuam a dar o PS como vencedor, PS e PSD a perderem votos, e o Chega sempre a subir; os recuos em determinadas propostas do Orçamento de Estado para 2024 que me “cheiram” já a campanha eleitoral. Enfim, com campanhas eleitorais, eleições e formação de um novo governo, não me faltará assunto até meados de 2024! (Assim tenham os leitores do Notícias de Coura paciência para ler as minhas considerações).

25 de novembro: A Câmara Municipal de Lisboa assinalou este ano o 25 de novembro com um diversificado conjunto de iniciativas na cidade. Segundo a autarquia, “Há datas que temos a obrigação ética e social de não esquecer, a bem da democracia, da liberdade e das novas gerações.” Julgo que esteve muito bem, e não me parece de modo nenhum que isto menorize ou tire significado à revolução de abril. O 25 de abril libertou-nos da ditadura, mas só o 25 de novembro consolidou definitivamente a nossa democracia, por isso se ouve às vezes dizer que “não fosse o 25 de novembro, e Portugal seria a Cuba da Europa!” Escreveu Mário Soares em 2010 num artigo de opinião na revista Visão, “O 25 de Novembro de 1975 é uma data tão importante, para a afirmação da democracia pluralista, pluripartidária e civilista que hoje temos, como a Revolução dos Cravos." E que não venham algumas “virgens ofendidas” apregoar que esta é uma data fraturante, o 25 de dezembro também o é para os portugueses muçulmanos, ateus ou agnósticos, e ninguém se ofende.

Argentina: O país vive uma grave crise social, uma taxa de inflação superior a 100%, elevados níveis de pobreza, sobrevalorização do dólar e uma dívida pública elevada. Foi neste quadro que a Argentina elegeu como Presidente Javier Milei, um político autodenominado anarcocapitalista e que propõe o encerramento do Banco Central Argentino, a legalização da venda de órgãos e o fim da educação obrigatória. Ao mesmo tempo que nega o aquecimento global, pretende criminalizar o aborto, mas defende o casamento gay. Depois da sua vitória, Donald Trump diz-se orgulhoso e vai viajar até Buenos Aires para reunir com ele, um encontro facilitado pelo filho de Bolsonaro. Os malfeitores conhecem-se todos uns aos outros, com esta gente toda junta é caso para dizer, “só se estraga uma casa!” Não se avizinham tempos fáceis para a Argentina.


Crónica publicada na edição 468 do Notícias de Coura, 5 de dezembro de 2023

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Obviamente, demito-me.

Nunca imaginei quando escrevi a última crónica que tal pudesse acontecer. António Costa apresentar a demissão era coisa que não me passava pela cabeça, nem a mim, nem provavelmente a ninguém.

O país acordou sobressaltado no passado dia 7 com as notícias de buscas da PSP na residência oficial de António Costa, nos Ministérios do Ambiente e Infraestruturas e com a detenção do chefe de gabinete do 1.º ministro, de um consultor próximo, do Presidente da Câmara de Sines e de dois executivos empresariais. Em causa estavam (e estarão provavelmente), os negócio do lítio, do hidrogénio e da construção de um centro de dados. Ao mesmo tempo, sabe-se que os ministros João Galamba e Duarte Cordeiro e o ex-ministro João Matos Fernandes serão constituídos arguidos. Um verdadeiro terramoto político, e as réplicas sucedem-se. Depois de saber que corre no Supremo Tribunal de Justiça um inquérito de investigação sobre si, António Costa, obviamente, demite-se. Na minha opinião, fez muito bem, era a única coisa que lhe restava. Ainda que não lhe “pese na consciência nenhum ato ilícito praticado”, ter dois ministros constituídos arguidos e o chefe de gabinete preso, eram condições suficientes para o fazer, ética e politicamente só lhe fica bem. As horas e os dias vão passando e mais coisas se vão sabendo, o chefe de gabinete tinha setenta e cinco mil euros escondidos em livros e caixas de vinho, o ministro Galamba tinha droga em casa, enfim… mais casos e casinhos para dar enredo à novela.

António Costa, aquele que muitos apelidam, e bem, do melhor político da sua geração, e talvez de muitas gerações, tem o problema de ser muito teimoso, e além disso, descuidado. Escolher para chefe de gabinete Vítor Escária, um homem que se move nos corredores do poder há muitos anos, apelidam-no de desbloqueador de situações, foi assessor de Sócrates, administrador de empresas que lucraram com os fundos europeus que ele próprio geriu, que já se tinha demitido por causa do caso Galpgate, enfim, um assessor que podia ter muitos talentos, mas com um currículo perigoso. António Costa afirmou dias depois que “um 1.º ministro não tem amigos”, pena não o saber antes de chamar para junto de si pessoas deste calibre. Depois deste descuido, António Costa mostrou ser teimoso quando há alguns meses insistiu em manter no governo João Galamba, comprando uma “guerra” com o Presidente da República. Pior que isto, foi escolher João Galamba para encerrar o debate do Orçamento de Estado e onde este, numa atitude de verdadeira provocação, citou palavras de Marcelo Rebelo de Sousa. A teimosia e a provocação são perigosas, na política, e quando estão envolvidos os mais altos magistrados da nação, é pura má educação. Custou-lhe caro. Mas muito pior ainda, foi António Costa ter demorado quase uma semana a demitir João Galamba, aliás, e nem sequer foi ele a demiti-lo, foi Galamba que se demitiu. Antes disso, João Galamba ainda esteve na Assembleia da República a explicar propostas da sua tutela no Orçamento de Estado e afirmando que não tencionava demitir-se. Às vezes chego a pensar que alguma coisa faz com que Galamba tenha na mão António Costa.

Para ajudar à festa, Mário Centeno dá uma entrevista ao Finantial Times onde afirma ter sido convidado por António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa para liderar o governo. Algumas horas mais tarde teve de se retratar, depois de desmentido pelo Presidente da República. Mais uma ideia tonta e pouco pensada de António Costa, depois de colocar Centeno no Banco de Portugal, ia agora buscá-lo para chefiar um governo. Convocadas eleições antecipadas, como não poderia deixar de ser, começam a sair das tocas todos aqueles que sentem cheiro a poder. Vou-me referir apenas a Pedro Nuno Santos, um político que aprecio e que vai provavelmente ganhar o PS e talvez, pois já nada me surpreende, o país. A apresentação da sua candidatura a Secretário-Geral do PS foi um momento único de televisão, parecia que tinha chegado o salvador da pátria, qual Dom Sebastião perdido em batalhas longínquas. Centenas de apoiantes, aplausos constantes e sorrisos contagiantes! (Estariam mesmo felizes, ou estariam a pensar: - Deixa-me cá mostrar-me ao Pedro Nuno, que é daqui que pode vir poder!). Não tenho dúvidas que é um excelente político, mas a campanha não lhe vai ser fácil, como disse o jornalista Pedro Cruz na CNN Portugal, “No último ano e meio, Pedro Nuno não tem currículo, tem cadastro.”

Termino esta crónica sabendo que tenho aqui “pano para mangas” para muitas outras, consciente da necessidade de eleições, ciente de que dificilmente ficaremos melhor, mas recordando o slogan do Tiririca, palhaço brasileiro que foi candidato a Presidente: “Vota Tiririca, pior que tá, não fica!”


Crónica publicada na edição 467 do Notícias de Coura, 21 de novembro de 2023

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Medina, Costa e Guterres.

Na impossibilidade de arranjar um assunto que me motive a escrever uma crónica inteira, escolho três personalidades que têm estado em destaque nas últimas semanas. Curiosamente, são todos socialistas, dois já ocuparam o cargo de 1.º Ministro, o outro desconfio que tem essa aspiração, mas também desconfio que dificilmente o conseguirá.

Fernando Medina: Foi apresentado o Orçamento de Estado para 2024. O Ministro das Finanças defendeu a aposta no reforço do rendimento dos portugueses e na poupança do excedente para proteger o futuro, adivinha-se uma recessão económica, fruto não só da subida das taxas de juro e da inflação, mas sobretudo pela instabilidade que se vive devido à guerra na Ucrânia e aos recentes desenvolvimentos no médio-oriente. Com tanta coisa para se discutir, só se ouviu falar no aumento do IUC para os carros anteriores a 2007, como desculpa por serem muito poluidores. Quem tiver um Opel Corsa de 1995 paga mais IUC do que quem comprar um Tesla de cem mil euros! Mas já nas autoestradas há coisas curiosas, há monovolumes de setenta ou oitenta mil euros a pagar menos que carrinhas comerciais do mesmo género. Coisas portuguesas. Seja como for, nunca houve um Ministro das Finanças com contas tão certas, e tão agarrado ao dinheiro como este, se tudo der certo, este será o melhor saldo orçamental em democracia.

António Costa: Defendeu bem o Orçamento de Estado (OE) para 2024. A subida do salário mínimo e a atualização das pensões, aliada a uma solução que permita limitar o aumento das rendas sem prejudicar os senhorios, foram os trunfos do 1.º Ministro. Ficou claro que não vai dar aos Professores aquilo que eles querem, diz Costa que não pode dar uma classe e não dar às outras. Vou ficar à espera daquilo que vai dar aos Médicos! Olhando para alguns números do OE há dois que achei curiosos, 113 milhões para viagens e 426 milhões para promover a igualdade de género! Perante a falta de oposição que argumenta ser este um orçamento eleitoralista, António Costa ainda tem a graça de brincar com a oposição, afirmando que já deram por perdidas as eleições de 2026 e estão apenas a concentrar-se para 2030! Estará Costa com ideias de ficar no cargo até ao final da década? Se olharmos bem para a oposição, e até para a oposição no próprio PS, não me admirava nada que o conseguisse.

António Guterres: O ataque do grupo militante palestino Hamas no passado dia 7 de outubro contra Israel foi um ato de terrorismo. É um facto. O conflito Israel-Palestina não é de agora, tem mais de um século. Não há espaço para uma grande dissertação sobre as várias guerras travadas, o certo é que há mais de 50 anos que Israel invadiu e ocupou até hoje os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, esta última controlada há 15 anos pelo Hamas. Com o ataque de dia 7 o Hamas deu carta verde a Israel para entrar e destruir tudo, e se o Hamas é cobarde por se esconder atrás da população civil, não menos o será Israel com aquilo que se adivinha que irá acontecer. António Guterres tem sido nos últimos dias atacado por ter dito aquilo que todos sabem, mas que poucos dizem, “que os ataques do Hamas não aconteceram do nada.” E assumir isso não é de forma nenhuma desculpar ou minimizar a gravidade do ataque. Nos últimos anos as posições da comunidade internacional têm sido de defesa da criação de dois estados, a defesa da Palestina, mas em momento algum se condenou, como devia ser, Israel. E com isto se abrem e fecham noticiários, se mostra ao mundo o sofrimento de uma das populações mais pobres do mundo.



Crónica publicada na edição 466 do Notícias de Coura, 7 de novembro de 2023

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Ambientalistas precisam-se, mas deste tipo não.

A Organização das Nações Unidas alertou há algumas semanas para o facto de um grande número de países em desenvolvimento terem aumentado as emissões de gases poluentes nos últimos três anos. Esta estratégia de recuperação económica associada ao aumento da produção não esteve associada à melhoria das condições de vida da população, e pior, os níveis de pobreza aumentaram na maioria destes países. Os países mais poluidores continuam a ser sem surpresa, os Estados Unidos da América, a China e a Índia. Portugal tem vindo a melhorar, embora timidamente. Em vários relatórios e rankings que consultei, encontrei a Dinamarca como o melhor país para viver.

Os leitores do Notícias de Coura estarão a perguntar-se nesta altura porque diabo estou a escrever sobre problemas ambientais. Não se trata apenas da necessidade de escrever sobre alguma coisa, mas de não poder deixar de registar a minha indignação sobre as ações que alguns jovens idiotas (apetece-me chamar-lhe marginais mas não vale a pena), têm feito nos últimos dias tendo como pretexto a defesa do ambiente e a condenação das empresas poluidoras.

Começaram por, numa conferência organizada pela CNN Portugal sobre o tema da energia verde, lançar tinta verde sobre o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro. Justificaram a ação pelo facto de o governante estar num evento patrocinado pela EDP e pela Galp. O Sr. Ministro manteve-se calmo e sereno e decidiu não apresentar queixa. A meu ver fez mal, apenas contribuiu para que se acentue o clima de impunidade que muitos jovens sabem que se vive no nosso país. Ações destas têm de ter consequências. Ainda gostava que alguém perguntasse a estes jovens se lá em casa são clientes da EDP ou da Galp, ou se ainda se iluminam à luz de vela e andam todos de bicicleta.

Alguns dias depois, dois ativistas ambientais atiraram tinta vermelha sobre um quadro de Picasso no Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Felizmente, a obra não sofreu danos porque estava totalmente protegida com um acrílico. Justificaram a ação afirmando que “não há arte num planeta morto”. Neste argumento têm obviamente razão, aliás, num planeta morto não haverá arte nem qualquer outra coisa. Ao mesmo tempo um dos ativistas afirmou que “as ações do grupo são pacíficas, apenas pretendem chamar a atenção para que o planeta não continue a ser danificado”. Parvoíce, digo eu. Não se combatem estes problemas danificando seja o que for ou atacando seja quem for, pelo menos desta forma absurda. E a prova é aquilo que seis outros jovens portugueses fizeram ao acusar 32 países por inação climática no Tribunal Europeu. Suportados por cerca de 20 advogados da Global Legal Action Network, os jovens apresentaram uma queixa alegando que os países visados violaram os direitos humanos ao não tomarem medidas em matéria de alterações climáticas, exigindo-lhes uma redução de 65% das emissões poluentes até 2030. Estes jovens merecem um aplauso, os outros não. Li algures uma coisa engraçada numa rede social: “Se olharem para as sapatilhas de um destes jovens que atacou com tinta o quadro de Picasso, conseguem ver umas Adidas, que custam mais de 100€, sapatilhas que são fabricadas no Bangladesh com um custo aproximado de 1€, por crianças que ganham cerca de 10€ por mês.” Eu era capaz de apostar que às tantas, estes jovens foram capazes de ter sido deixados à porta do Museu pelo BMW a gasolina do Avô e de terem registado a sua façanha no seu iPhone 15, enquanto vestiam roupas de alguma dessas marcas normalmente associadas à exploração de trabalho infantil, mas não o vou fazer, eu não percebo quase nada de roupa.

Entretanto, outros jovens ambientalistas têm mostrado a sua indignação cortando estradas, interferindo dessa forma com quem anda a trabalhar, ou tem simplesmente o direito de circular nas mesmas. Um dia destes alguém se vai aleijar.

Ambientalistas precisam-se e há uma coisa que todos podem começar por fazer. Há coisas bem simples que estão ao alcance de todos. Eu já o faço há alguns anos, e embora more num prédio com mais apartamentos e não seja minha obrigação, à minha porta eu limpo, é do meu interesse e contribui para o meu bem-estar. “Se cada um limpar à porta de sua casa, não é preciso estarem à espera que seja a junta ou a câmara a fazê-lo” *. Se cada um de nós o fizesse, o país e o mundo estavam bem melhores.



* Eu penso ter ouvido este desabafo de um Presidente de Câmara que vocês bem conhecem, mas não tenho a certeza. Mas se o não disse, podia muito bem tê-lo dito.



Crónica publicada na edição 465 do Notícias de Coura, 24 de outubro de 2023

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Crise na habitação

A crise da habitação é talvez o mais grave problema que o nosso país atravessa. Terminada a pandemia, nascem nos grandes centros urbanos na periferia da capital milhares de apartamentos a preços atrativos. Comprar um T2 por 400 mil euros no Montijo é um excelente negócio, em Lisboa custa quase um milhão. A diferença chega perfeitamente para a portagem na Ponte Vasco da Gama. Parece ironia, mas não é, como diria Ricardo Araújo Pereira: “Isto é mesmo assim, fui eu que ouvi, ninguém me contou.” No último ano, a subida constante das taxas de juro tem sido o xeque-mate na vida de muitas famílias. Muitas tiveram de vender as casas, outras aumentaram o prazo de pagamento e muitas outras apagaram de vez o sonho de ter casa própria. Os salários e as pensões até têm subido, mas em valores tremendamente inferiores ao custo de vida.

Famílias a viver em tendas

Um casal que vivia num T1 em Lisboa e pagava oitocentos euros de renda, não viu o seu contrato renovado. Obviamente que o senhorio sabe que pode alugar por um preço bem mais alto… ou transformar a casa em alojamento local. Foram viver para uma tenda, num pinhal, a Quinta dos Ingleses. (Ouvir alguém dizer que mora na Quinta dos Ingleses, já não provoca inveja.) Para o banho, penduram um garrafão numa árvore. A cada dia que passa têm mais vizinhos. Pessoas que preferem morar em tendas a pagar trezentos ou quatrocentos euros por um quarto partilhado. Aqui perto de mim, no Pinhal Novo, há pessoas a viver há anos num parque de campismo. Pagam aproximadamente trezentos euros por mês, com despesas incluídas, o que não deixa de ser um preço muito atrativo.

O Professor da carrinha

Um exemplo triste* da vida de professor foi há dias conhecido através de uma notícia televisiva que nos mostrou o T0 (zero) de Rui Garcia. Professor de Educação Física de 57 anos, residente em S. Pedro de Arcos, Ponte de Lima, está a dar aulas em Elvas, a 430 km da sua residência. Não conseguindo suportar as despesas de alugar outra casa, o Professor dorme numa carrinha, toma banho e faz as refeições na escola. Ao fim-de-semana ocupa o tempo nos centros comerciais. Quando confrontado com a situação por uma repórter de um canal televisivo, o Sr. Ministro da Educação não comentou, mas não conseguiu esconder um riso. Seria uma expressão de gozo? A mim pareceu-me simplesmente desprezo. De gozo foi a atitude da DGAE (Direção-Geral da Administração Escolar) que depois de tomar conhecimento da situação ofereceu ao docente um T4 em Portimão, partilhado, a 360 km da escola onde leciona. Isto é mesmo, “gozar com quem trabalha”. Este ano o Sr. Ministro da Educação vangloriou-se que iriam ser disponibilizadas casas para professores. Havia 388 candidatos, foram selecionados 15. Entristece-me esta situação e temo que um dia destes, este meu colega Professor ainda seja multado por pernoitar em zona proibida, ou pior, assaltado.

Universitários que desistem de o ser

Depois da alegria de entrarem para a Universidade e para o curso que tanto ambicionaram, muitos jovens têm de desistir. Nalguns casos, apesar dos preços proibitivos, pior é mesmo não haver oferta. Embora este ano letivo alguns alunos tenham visto ser-lhe atribuída a bolsa de estudo ao mesmo tempo da colocação, o problema é ainda demasiado preocupante, e as medidas são ainda insuficientes. Se o Estado recuperasse os inúmeros imóveis fechados e devolutos que lhe pertencem, talvez não resolvesse totalmente este problema, mas minimizava-o quase em absoluto.

E assim vai o país. Este país que em tempos “deu mundos ao mundo”, um país que que mora no ponto mais estratégico da europa e que insiste em ser pequeno, demasiado pequeno. O Sr. Presidente da República disse já mais de uma vez que os portugueses são "os melhores dos melhores do mundo". Alguns até são. Pena que não sejam esses os que nos governam.

* Chamo-lhe triste porque tal não devia acontecer, mas de forma nenhuma é indigna. Aliás, eu era bem capaz de fazer o mesmo e não me sentiria de forma nenhuma envergonhado.



Crónica publicada na edição 464 do Notícias de Coura, 10 de outubro de 2023

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Conselho de Estalo!

O Conselho de Estado é o órgão supremo de aconselhamento do Presidente da República, ou pelo menos era-o até há uns dias. Reunido no final de julho, parece que foram horas a ouvir Marcelo Rebelo de Sousa e outros a “malhar”* no governo. Parece, pois às atas dos Conselhos de Estado só teremos acesso daqui a 30 anos. Quando chegou o momento de se defender, António Costa falou apenas por dois minutos, pois tinha de apanhar um avião rumo à Nova Zelândia onde ia assistir ao jogo inaugural da seleção feminina de futebol. Marcelo Rebelo de Sousa resolve então decretar um intervalo no Conselho de Estado, agendando para depois das férias a segunda parte. Pelo que se ouviu dizer, e agora que tinha tempo para se defender, António Costa decide abdicar do uso da palavra, dizendo que o que tinha a dizer já tinha dito ao Presidente da República. Mais do que uma bofetada de luva branca, foi um verdadeiro estalo. Não estou a defender a posição de António Costa, mas perante esta banalização do órgão, bem como das constantes declarações do Presidente da República fazendo comentários sobre a ação governativa, fez muito bem. Já não há paciência para a postura do Senhor Presidente da República, eu que até sou bastante crítico deste governo, começo a acreditar que muitas das posições extremadas e inflexíveis do governo se devem à postura de quem lhe faz oposição, que ao que parece, é apenas Marcelo Rebelo de Sousa. Se quer “correr” com o governo é simples, dissolva a Assembleia da República. Obviamente que só não o faz porque sabe que os resultados de novas eleições não lhe iriam agradar.

Entretanto, no país real, vai tudo bem:

Cavaco Silva lança um livro sobre as boas práticas para se ser 1.º Ministro. Haja paciência para tamanha presunção, Cavaco julga-se um Deus, o dono supremo da arte de saber governar, um homem que transpira ainda a raiva de ter sido “obrigado” a indigitar António Costa como 1.º Ministro. Quando Cavaco Silva aparece a direita agita-se a anima-se, mas na verdade é a esquerda que se une. Contra Cavaco, socialistas, bloquistas e comunistas, formam uma só força.

João Ribeiro, Secretário-geral da Defesa, foi em agosto constituído arguido pelos crimes de abuso de poder e de falsidade informática, no âmbito do processo "Tempestade Perfeita". Não deve ser nada de grave pois continua em funções. Ouvi dizer que em 2022 houve pessoas que ficaram fora das listas de deputados do PS pois estavam constituídas arguidas. O mesmo devia ser para membros do governo, e até era fácil fazê-lo, bastava dizer que era para sua própria proteção! Mas enfim… às tantas isto é só para fazer “pirraça” ao Presidente da República, deixando bem claro quem manda no governo.

Clóvis Abreu, que se encontrava fugido à justiça há um ano e meio depois de alegadamente ser um dos autores da morte de um agente da PSP, entregou-se à justiça. Recebido como um herói pela família à porta do tribunal, é-lhe dado tempo de antena para dizer à família do agente que, alegadamente ajudou a matar, “não me chateiem”. Percebo a importância do trabalho da comunicação social, mas gente desta não merece tempo de antena, nem ele nem o seu advogado Aníbal Pinto, que consegue ser ainda pior a comentar a inocência dos bandidos que defende do que quando comenta os lances de futebol em que o F.C. do Porto é beneficiado. Sobre o bandido, André Ventura já disse tudo sobre a impunidade que certa comunidade tem no nosso país.

O Chega apresenta hoje uma moção de censura ao governo. Obviamente que o resultado vai ser o chumbo. Na prática André Ventura tem tempo de antena para criticar o governo, António Costa tempo e espaço para se defender, e toda a oposição fica atrapalhada pois tem de criticar o governo, mas ao mesmo tempo atacar o Chega.

E como diz o outro, “era só isto, até à próxima”!

* Expressão popularizada por Augusto Santos Silva em 2009 quando era Ministro dos Assuntos Parlamentares do governo de José Sócrates e afirmou gostar de “malhar na direita”. Atualmente Augusto Santos Silva é Presidente da Assembleia da República, mas já só malha em André Ventura, que é o único deputado que “malha” verdadeiramente em toda a gente.




Crónica publicada na edição 463 do Notícias de Coura, 26 de setembro de 2023

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Regresso ao trabalho

Agosto já lá vai. Os emigrantes já regressaram aos seus países (seus pois é neles que governam a vida), o algarve já está transitável, os professores regressam aos poucos às escolas e em breve os alunos voltarão às ruas para irem aprender, ou pelo menos, para irem para a escola. Eu também já voltei ao trabalho, não o da escola que esse por agora é pouco, mas sim o de cumprir a minha obrigação de escrever a minha crónica a tempo e horas. Para variar, não está fácil. Além de estar com alguns sintomas de gripe e sem vontade de fazer seja o que for, luto para não chamar a esta crónica “O beijo espanhol”, onde não seria difícil encher uma página de considerações sobre o beijo na boca que o Presidente da Federação Espanhola de Futebol deu a uma jogadora aquando da entrega do troféu de campeãs do mundo. Acho que este assunto não merece mais do que o muito protagonismo que já lhe foi dado. (Pois, mas eu acabei por lhe dar mais 4 linhas…)

Assim, não me resta outra alternativa que não seja a de enunciar aqui dois ou três assuntos, que estão na ordem do dia e que podem em breve ser objeto de reflexão mais profunda, ou seja, capazes de me ocupar uma crónica inteira.

Espanha: (Outra vez Espanha? Sim, mas agora não é para falar do beijo!) Houve eleições no país vizinho. O PP ganhou as eleições, mas nem que se coligue com o VOX (um partido de extrema-direita, perigoso, uma espécie de Chega, mas sem André Ventura), não vai conseguir formar governo. O PSOE ficou em segundo lugar, mas à boa maneira portuguesa, e democrática obviamente, está mais perto de formar uma coligação de governo, nem que para isso seja preciso negociar com Puigdemont, o líder independentista catalão que está fugido da justiça desde 2017. Pedro Sánchez acusa o líder do PP, Alberto Núñez Feijóo de fazer perder tempo à Espanha ao insistir numa investidura “fake”, mas esquece-se que quem levou Espanha para esta situação foi ele próprio, ao convocar eleições antecipadas. Não sopram bons ventos de Espanha, não acredito que esta solução dure muito, em menos de dois anos Espanha terá de novo eleições.

Educação: A falta de Professores é um assunto preocupante. Desde a descredibilização da classe docente promovida por Maria de Lurdes Rodrigues que nunca mais se viveram tempos pacíficos. No tempo de Passos Coelho mandaram-nos emigrar e agora sofrem-se as consequências. Acho inacreditável como tanta gente com responsabilidades não se deu conta que por volta do ano 2030 metade dos Professores estaria reformado. Ninguém fez nada para atrair jovens para a profissão, e pior, nada de concreto continua a ser feito. Tenho saudades do PS de Guterres, pelo menos dizia que a educação era uma paixão. Para este PS, tudo o que diga respeito aos Professores é para varrer para debaixo do tapete. António Costa irrita-se sempre que o assunto são os Professores… se a esposa em vez de ser professora trabalhasse na TAP, teria António Costa também estas irritações!? 

Inflação: O Banco Central Europeu continua na sua senda de subir taxas de juro e mesmo assim não há meio de a inflação estagnar ou começar a descer. As famílias com crédito à habitação desesperam e as empresas transportadoras tremem sempre que os preços dos combustíveis sobem. No dia em que escrevo esta crónica vai-se reunir o Conselho de Estado. Seria bom que se discutissem a sério medidas económicas e fiscais urgentes para fazer face a tudo isto. O Senhor Presidente da República disse há dias que "há mais vida para além do défice e agora temos folga para essa vida", há, pois, que passar das palavras aos atos.


Crónica publicada na edição 462 do Notícias de Coura, 12 de setembro de 2023

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Boas férias!

Está na hora de escrever a minha crónica antes das férias de verão. Férias minhas e do jornal Notícias de Coura que tem também o seu merecido descanso. Voltará em setembro, e nessa altura já será demasiado tarde para falar das Jornadas Mundiais da Juventude, cuja abertura oficial será amanhã, dia 1 de agosto! Será tarde em setembro e será também tarde quando esta edução do jornal chegar às mãos dos leitores, e por aquilo que alguém me disse, o jornal aí em Coura chega ainda mais tarde que aqui à margem sul.

Apesar de tantas polémicas e tanta gente a insistir na crítica fácil às jornadas, falando apenas nos custos, não tenho dúvida nenhuma que será um grande evento, inesquecível para aqueles que irão participar, e o retorno económico será imenso. (Obviamente que poderemos criticar se um Estado que se diz laico se deveria meter nestas coisas; se terá o país todo de pagar um evento que trará benefícios essencialmente a três municípios, que provavelmente daqui a uns tempos ainda se vão descobrir algumas trafulhices nos muitos ajustes diretos feitos à última hora, mas para já, devemo-nos focar no presente e fazer figas para que tudo seja um sucesso.) Ainda assim, não posso deixar aqui escritas algumas coisas engraçadas, nem que seja para memória futura!

Desaparecimento de peregrinos: cento e seis peregrinos de Angola e Cabo Verde, que tinham vindo às jornadas e estavam acolhidos em três paróquias da diocese Leiria-Fátima, desapareceram. Nada disto é de admirar, neste tipo de eventos há sempre seres humanos que tentam a sua sorte para fugir à miséria e à fome dos seus países. Diz-se por vezes que Deus nunca fecha uma porta sem abrir uma janela, talvez seja esta a forma de abrir um caminho de esperança aos mais necessitados.

O Tapete da vergonha: Bordalo II, um artista português que faz esculturas e pinturas usando muitas vezes lixo, criou um grande tapete com o desenho de notas de quinhentos euros, entrou no Altar palco e estendeu-o nas escadas. Fez umas quantas fotos, partilhou-as e mexeu com as redes sociais. Entrevistado depois, mostrou-se indignado com o gasto de dinheiros públicos na tour da “multinacional italiana”, quando tanta gente luta por ter trabalho e ter casa. Até podia ter a sorte de ser visto como alguém preocupado, mas pouco depois alguém lhe descobriu a “careca”! Este artista, recebeu mais de setecentos mil euros em ajustes diretos com entidades públicas nos últimos quatro anos, dinheiro público também! Se calhar desta vez não foi convidado e ficou zangado. Haja decência Sr. Bordalo II.

Transportes à farta: O plano de mobilidade das jornadas trará um reforço de mais de trezentos e cinquenta mil lugares nos dias um a quatro de agosto, nos dias cinco e seis o reforço será de quase oitocentos mil lugares. Nos dias seguintes, a população da área metropolitana de Lisboa, aqueles que usam os transportes públicos para trabalhar, voltará a apertar-se nos comboios, voltará a ficar apeada nas estações por falta de autocarros, voltará ao desespero habitual vivido no resto do ano. A justificação era sempre que não havia autocarros nem motoristas, mas se nestes dias vai ser possível o reforço dos transportes públicos, no resto do ano também o é, assim haja vontade política.

Cuidado com a justiça: O Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, anunciou que a obra de requalificação no Passeio Marítimo de Algés para receber o Papa Francisco e milhares de voluntários aumentou de um milhão para mais de três milhões de euros. Acredito que esta diferença está relacionada com a inflação e com a especulação dos empreiteiros sabendo da necessidade e urgência do cumprimento do prazo da obra. Custa-me acreditar que o Sr. Presidente da Câmara se tenha esquecido das razões que o levaram a estar preso durante dois anos por fraude fiscal e branqueamento de capitais.

Boas férias, e bom festival!


Crónica publicada na edição 461 do Notícias de Coura, 15 de agosto de 2023

segunda-feira, 31 de julho de 2023

Vaga de calor.

A Europa está a enfrentar uma intensa vaga de calor. A Organização Meteorológica Mundial anunciou que este ano podem ser ultrapassados os 48,8 graus centígrados atingidos na Sicília em 2021. Para já, Portugal está a passar um bocadinho ao lado desta vaga, o que é uma boa notícia, especialmente para os bombeiros que todos os anos sofrem imenso com os incêndios. Ainda assim, não faltam casos e casinhos que aquecem a vida dos portugueses e dão motivos para aquecer as conversas de café!

Política: Fomos surpreendidos na semana passada com a imagem de Rui Rio, ex-líder do PSD, na varanda de sua casa a dizer aos jornalistas que agora é que iam descobrir todos os crimes que tinha cometido. O Ministério Público procedia a buscas relacionadas com a utilização do dinheiro que o partido recebe para financiar a sua atividade parlamentar. Pinto Moreira, atual deputado do PSD, recusa-se a abandonar o seu lugar na Assembleia da República mesmo já não tendo a confiança política do partido. Foi acusado por corrupção e tráfico de influências. “Por cada démarche que faça quero 25 mil euros.”, foi a escuta que o tramou, e era assim que o deputado mexia os cordelinhos para aprovar alguns projetos imobiliários. Como percebo muito pouco de francês até imaginei, por momentos, que fosse alguma ação de caridade ou beneficência, mas depois pensei: “Ui, isto vindo de um político não deve ser coisa boa, os políticos são quase todos iguais!” Estas notícias vieram dar imenso jeito ao governo, não pelo seu conteúdo, mas pela altura em que aconteceram. É que dias antes, o governo tinha sofrido mais uma baixa, António Costa tinha recebido de Marco Capitão Ferreira, Secretário de Estado da Defesa, uma mensagem de telemóvel que, num país normal, seria grave: “Sou arguido por corrupção, tenho de me demitir.” Corrupção no Ministério de Defesa? Onde é que isto irá parar!?

Educação: Podia falar da falta de Professores e nas medidas de remediação que o Ministério da Educação tomou para as minimizar, mas não o vou fazer, até porque no meu tempo de estudante, fartei-me de ter Professores sem habilitação, e muitos deles foram bem melhores que outros que tinham as competências todas, aliás, muitos deles eram bem mais profissionais naquela altura que muitos dos que tenho conhecido ao longo desta vida de Professor. Podia falar dos resultados dos exames e das provas nacionais, mas ia voltar ao mesmo, a matemática continua a ter resultados desastrosos e culpa-se o português e as dificuldades de interpretação dos alunos. Atualmente as escolas vivem preocupadas com as aprendizagens significativas e o ensino centrado no aluno e nos seus interesses. Saber ler, escrever e contar eram as competências básicas do ensino no tempo dos nossos avós e dos nossos pais, e até do nosso tempo (pessoas com meio século de vida). Ainda me lembro das cartas que a minha avó escrevia, só tinha a quarta classe, mas não dava erros ortográficos daqueles que hoje se encontram nos exames nacionais. Podia falar de tantas outras coisas…

Desporto: A pré-época futebolística está muito pobrezinha, os únicos que têm dinheiro à farta são os árabes que podem comprar os jogadores que quiserem, se o dinheiro faltar faz-se mais um buraco no jardim e vendem-se mais uns litros de petróleo! João Félix continua sem clube, Cristiano Ronaldo está quase a comprar o grupo Cofina, que integra o Correio da Manhã e a CMTV, Lionel Messi (esse jogador cheio de títulos individuais), foi jogar para o Inter de Miami, equipa americana que está em último lugar no seu campeonato. Em termos desportivos a única coisa interessante neste verão é mesmo a Volta a França em bicicleta.
 
Jornadas Mundiais da Juventude: É sem dúvida o maior evento jamais realizado no nosso país. Ninguém sabe se estarão por Lisboa um, ou dois ou três milhões de pessoas. Se não se viver um caos, é mais uma prova de que os milagres existem e que existem forças superiores atentas. Gostava imenso de ver o Papa Francisco, mas ainda não sei se cometerei a loucura de atravessar o rio.


Crónica publicada na edição 460 do Notícias de Coura, 25 de julho de 2023.

terça-feira, 18 de julho de 2023

França e Pedrógão a arder.

França volta a estar na ordem do dia pelos piores motivos. Um jovem de dezassete anos foi morto pela polícia depois de ter fugido a uma operação stop por não ter documentos, em Nanterre, nos arredores de Paris. O polícia já foi preso e mostrou-se arrependido, mas nada disso travou uma onda de indignação e revolta que se alastrou pelo país. Já foram presas mais de mil pessoas, a sua maioria jovens com menos de 18 anos, mais de mil veículos foram incendiados, centenas de edifícios danificados, lojas pilhadas e milhares de incêndios na via pública. A casa do presidente da Câmara Municipal de L’Haÿ-les-Roses, foi invadida e vandalizada, vários polícias já ficaram feridos nos confrontos e um bombeiro morreu no combate a um incêndio ateado num parque de estacionamento. É um país em estado de sítio. Nahel, o jovem morto pela polícia, vivia com a mãe na periferia de Paris, onde abunda a pobreza e a exclusão social. A morte de Nahel foi o detonador que fez explodir o vandalismo. Por mais que nos indigne a morte deste jovem, a motivação destes milhares de manifestantes é apenas destruir e roubar. Assiste-se em direto à impotência da polícia em deter estes bandos organizados de criminosos, enquanto uns se deslocam para um lado para atrair a atenção da polícia, outros grupos destroem e roubam em pontos opostos. Assaltam-se lojas de telemóveis e computadores, lojas de roupa e calçado de luxo, e partilha-se tudo nas redes sociais. Os bandidos registam as suas conquistas. E ao mesmo tempo que roubam o “grande capital”, destroem e vandalizam edifícios públicos, esquadras, escolas, mercados. A extrema-direita francesa denuncia uma guerra de civilizações, num país aberto ao mundo, mas que se tem mostrado incapaz de responder à crescente segregação social e discriminação que se instalou na periferia das grandes cidades. Estes sinais em França são mais do que preocupantes, são assustadores. França é um terreno fértil para este tipo de incêndios, incêndios que podem alastrar a outros países europeus. Ouvi há dias uma amiga dizer: “França já não é o país para onde os meus avós emigraram para trabalhar, naquele tempo os emigrantes fugiam de Portugal para trabalhar, e ajudaram a França a prosperar.” Os emigrantes portugueses das décadas de setenta e oitenta “comeram o pão que o diabo amassou”, mas serão sempre um exemplo daquilo que a emigração devia ser, a procura de melhores condições de vida, de mais dinheiro, em troca de trabalho honesto. Custa-me escrever isto, se calhar estou a ser influenciado pelo discurso radical da extrema-direita quando fala em controlar as fronteiras. Só espero que nada de parecido aconteça no meu país.

Em Portugal ainda não começaram os já habituais incêndios de verão. Pelo menos à data em que escrevo esta crónica e em que o país atravessa uma vaga de calor insuportável, num fim-de-semana em que tive a triste ideia de ir passear até ao Alentejo. Outro incêndio me indigna, o de Pedrógão. E não é o incêndio de 2017 que matou 66 pessoas. Foi aberto há dias, sem qualquer cerimónia pública, o memorial às vítimas dos incêndios florestais de 2017. E assim devia ter ficado. Não havia nenhuma necessidade de dias depois alguns membros do governo e o Presidente da República lá terem estado. Não conseguem desta forma esconder o sentimento de culpa que têm de ter, por terem esquecido rapidamente as terras e as gentes de Pedrógão. O que sobrou de Pedrógão foi a vergonha de dezenas de casos suspeitos de gente que se aproveitou para ver casas reconstruídas, casas onde nunca morou e onde os incêndios apenas queimaram paredes velhas. Pedrógão foi esquecido e segundo especialistas, está em ponto de combustão, tal como outras zonas do país. Ordenar o território e a floresta continuam a ser palavras de circunstância. Como dizia uma das personagens interpretadas pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, “Eles falam, falam, falam, falam, falam, mas eu não os vejo a fazer nada.”


Crónica publicada na edição 459 do Notícias de Coura, 11 de julho de 2023.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Racismo ou provocação?

Escolher a cidade da Régua para as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades foi uma excelente escolha, mas mais um exemplo de uma escolha “para Inglês ver”, por vezes lembram-se de fazer estas comemorações no interior do país, mas depressa se esquecem, por muitos e muitos meses. Gosto imenso da cidade da Régua, lembro-me de ver as águas do Douro inundar a marginal no Inverno e de passar lá nas tardes de calor tórrido de Verão, quando tinha um carro sem ar condicionado. Passei na Régua durante vários meses, quando era professor em Mesão Frio e morava em Montalegre, cruzava o distrito de Vila Real diariamente, 300 km por dia, 5 dias por semana, 50.000 km num ano letivo duro, mas dos mais gratificantes profissionalmente. Hoje era incapaz de tal façanha… a idade tem destas coisas!

Voltemos então ao 10 de junho e à justificação do título desta crónica.

António Costa indignou-se com alguns cartazes que estranhamente só agora viu. Os cartazes onde o 1.º Ministro aparecia com lápis espetados nos olhos e um nariz de porco já não são novos. Podemos discutir o bom gosto dos mesmos, mas cartoons são isso mesmo, exagerar e ridicularizar. António Costa, visivelmente chateado, apelidou os cartazes de racistas. Já fiz uma recolha de algumas das dezenas de significados da palavra racismo e ainda não consegui perceber onde é que o Sr. 1.º Ministro vê racismo: que representem uma atitude hostil em relação a ele ou ao governo até aceito, agora que isso seja com base na sua origem étnica ou racial é que me parece patético. O descontentamento é com as políticas e com o reconhecimento, não com a raça ou etnia dos governantes. Obviamente que nestas coisas há sempre quem ofenda, mas não são as árvores isoladas que fazem a floresta! E por falar em floresta, eis que, curiosamente, o Sr. Presidente da República fala no seu discurso da necessidade de “cortar ramos mortos que atingem a árvore toda.” Tenho esta imagem bem presente na figueira centenária que existia na quinta dos meus Pais em Trás-os-Montes. A minha mãe, teimosa, nunca nos deixou podar devidamente aquela figueira gigante, era a última árvore viva e que tinha sido plantada pelo meu avô, e ela achava que se fosse demasiado limpa podia secar. Acabou por morrer no ano passado, os ramos velhos e mortos deram cabo dela. Vejo naquela árvore António Costa, teimoso como só ele sabe ser, insiste em manter alguns ramos velhos e mortos, corre o risco sério de fazer secar a árvore.

Não acredito que tudo isto tenha sido um mero acaso, um mero descuido da comitiva ao passar pelo meio dos manifestantes. Foi uma jogada do 1.º Ministro em fazer-se passar por vítima de alguns professores mal-educados. E se calhar até resultou. Os comentadores andaram dias a opinar sobre se os cartazes eram ou não racistas. Momentos antes, e quando o povo apupava o Ministro João Galamba, uma corneta do exército ou da marinha começava a tocar! Por duas vezes as cornetas se sobrepuseram ao som dos apupos. Acham mesmo que foi uma coincidência?

Ver o Ministro João Galamba nas cerimónias oficiais foi uma óbvia provocação de António Costa ao Presidente da República. António Costa continua a mostrar-se um político difícil de bater, continua a surpreender, mas as jogadas já foram mais limpas. Está a entrar no jogo da oposição, da pior oposição que se possa imaginar, e isso é assustador. O Estado tem os cofres cheios, défice quase zero, crescimento económico muito positivo… de que está à espera António Costa para fazer bem ao povo? Ao menos que injetasse no povo tantos milhões quantos injetou na TAP. Ou será que o POVO não é estratégico para a economia, para o desenvolvimento do país e para a coesão territorial?


Crónica publicada na edição 458 do Notícias de Coura, 27 de junho de 2023.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Benfica campeão!

Aqui está um título que prende logo seis milhões de portugueses!

Terminou neste sábado o campeonato nacional de futebol da primeira divisão. O Benfica sagrou-se campeão nacional pela trigésima oitava vez no seu historial. Seja qual for a nossa cor clubística devemos fazer um esforço por ser isentos e ter a capacidade de reconhecer que foi um justo campeão. E ficar felizes, afinal, decerto todos temos familiares ou amigos benfiquistas, fiquemos então felizes por eles!

O Benfica esteve na frente do campeonato do princípio ao fim, chegou a ter dez pontos de avanço sobre o segundo classificado, e não fosse ter perdido por momentos a humildade e se calhar até podia ter festejado mais cedo. Além disso, foi o melhor ataque e a melhor defesa, mas nem tal era necessário, o campeão é sempre justo, é a equipa que tem mais pontos e isso é o suficiente. O Presidente Rui Costa ganhou em apostar num treinador alemão, e até sem grande currículo. Na primeira volta do campeonato o Benfica praticou um futebol ofensivo e de grande pressão sobre os adversários, e fez excelentes exibições, não só internamente, mas especialmente na Liga dos Campeões. Perto do fim da época sentiu-se um certo cansaço da equipa, os adversários também fizeram o seu trabalho e perceberam como não deixar o Benfica jogar e ter sucesso. Os pontos perdidos acabaram por fazer animar o campeonato até à última jornada, e isso é sempre positivo em termos desportivos. Pessoalmente, fiquei muito feliz quando o Benfica perdeu com o “meu” Chaves, especialmente porque dessa forma o Chaves garantiu a permanência na primeira divisão.

Deste campeonato fica também a irritação e revolta do treinador do Porto, Sérgio Conceição, especialmente quando as coisas não lhe correram bem. Criticar os árbitros é sempre fácil, mas irrita-me imenso quando são aqueles que mais beneficiados são que o fazem, no campeonato dos erros dos árbitros, os clubes grandes continuam a ser os mais beneficiados, umas vezes uns, outras vezes outros, mas nunca ficam a perder. Sérgio Conceição tem o direito de se revoltar contra a estrutura do clube por talvez não lhe dar as condições para fazer melhor. O que é certo é que ele é o bem mais precioso do Porto, nenhum treinador faria o que ele tem feito pelo Porto nos últimos anos.

Ruben Amorim continua igual a si próprio e diferente daquilo que habitualmente se vê cá por Portugal, direto e humilde no discurso, deu ao Sporting algo inesquecível há dois anos, merece ter condições para voltar a fazer com que as coisas corram bem, não lhe podem é estar a vender sempre os melhores jogadores!

Quanto ao meu Chaves, estava de regresso à primeira divisão. Mesmo depois de ter subido a equipa na época passada, não acreditava muito no treinador Vítor Campelos, mas tenho de reconhecer que fez um excelente trabalho, ficou em sétimo lugar e fez três resultados fantásticos, foi ganhar fora ao Sporting e ao Braga e ganhou em casa ao Benfica! Espero que na próxima época faça uma época tranquila e se mantenha entre os grandes do futebol.

Para terminar, algo verdadeiramente estranho e que só mesmo em Portugal se podia passar. O Vilafranquense, clube da segunda divisão, vai deixar de jogar com esse nome, a Sociedade Anónima Desportiva que o detém resolveu alugar o estádio do Desportivo das Aves e passar a jogar com o nome do Aves, no norte do país. Os jogadores com contrato viajam para o norte, os adeptos de Vila Franca de Xira… ficam sem clube. Mais uma prova de que no futebol é o dinheiro quem mais ordena.

Crónica publicada na edição 457 do Notícias de Coura, 6 de junho de 2023.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

O meu TAC continua a encantar-me!

Decorreu no fim-de-semana de 5 a 7 de maio o 13.º Fitavale, Festival Itinerante de Teatro de Amadores do Vale do Minho. Iniciativa das Comédias do Minho, este festival leva à cena 5 peças de teatro encenadas por atores das Comédias com os grupos de teatro de amadores de Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira, com a particularidade de cada grupo estrear fora do seu concelho.

O Mais Teatro Amador Courense (TAC) de Paredes de Coura, subiu ao palco do Cineteatro de Vila Nova de Cerveira na noite de sábado. Encenados pelo Luís Filipe Silva, apresentaram a obra “A Visita da Velha Senhora”, de Friedrich Dürrenmatt, uma peça que mostra como a tentação do dinheiro pode corromper os valores morais de uma sociedade, e onde os interesses pessoais de cada personagem emergem perante a oferta tentadora de uma velha senhora que regressa à terra para vingar o passado.

Quando soube das datas do Fitavale deste ano tratei logo de planear a minha vida. Não eram os 450 km de distância que me iriam impedir de estar na estreia do TAC, do meu TAC! (Já em 2022 fui a Monção, Cerveira fica bem mais perto!)

Quando cheguei ao Cine Teatro, uns vinte minutos antes da hora do espetáculo, fiquei feliz por ver tanta gente conhecida, e tanta gente que comigo fez parte do TAC durante tantos anos. Lá fomos conversando da vida, mas acima de tudo de teatro, e do que estava para vir, e “confesso que fiquei um pouco preocupado”. O TAC tinha estado a ensaiar durante tarde, os trabalhos tinham-se arrastado dificilmente na última semana, e ver o encenador de um lado para o outro era sinal de preocupação. Entre nós fomos dizendo, “mas isto é o TAC, sempre foi assim”, só fiquei mais preocupado quando alguém me disse: “Oh Mandinho, olha que até eles estão assustados com a estreia.” Confesso que fiquei pensativo e nervoso, mas ao mesmo tempo não pude deixar de recordar tantas e tantas coisas que jamais esquecerei e que sempre fez de nós, um grupo de teatro especial:

- Combinar datas sempre foi um dos “calcanhares de Aquiles” do TAC, havia sempre alguém que tinha um casamento ou um batizado, e arranjar uma data para apresentar a peça em Coura era um desespero!

- Decorar os textos era outra das coisas que nos tornava únicos, era normal haver atores com o texto escondido atrás das cortinas durante as apresentações, eu próprio fui alguma vez espreitar aos meus apontamentos;

- Havia um ator, e sobre o qual tenho um carinho especial, que mesmo só quando tinha duas frases para decorar, insistia em dizê-las de forma diferente a cada ensaio;

- Um dia, já o público entrava na sala e nós atrás das cortinas a tremer, ouve-se um telefone tocar, pior… o destinatário (nosso ator) atende e diz à neta que agora não pode falar pois está numa peça de teatro, e tudo isto em francês! O avô fazia anos e a neta não podia ter escolhido melhor hora para lhe dar os parabéns! Ainda hoje nos fartamos de rir quando o recordamos, jamais o vamos esquecer!

Podia estar aqui durante páginas e páginas a recordar momentos inesquecíveis que vivi com o TAC, no palco e fora dele. Hoje, vejo o meu TAC da plateia, continuo a sentir-me nervoso e ansioso por eles, vejo-os a representar e imagino-me lá, não sei em que papel nem isso interessa, vejo-me no meio deles, e confesso que sinto saudades! Em Vila Nova Cerveira vi o melhor de muitos deles, vi uma encenação fabulosa com ideias daqueles que não “lembram ao diabo”, só podem mesmo vir de atores das Comédias, vi uma história que não conhecia e que adorei e que fiquei com vontade de ler, e fiquei mesmo com vontade de voltar a ver em palco. Eu sei que eles vão andar aos papéis para arranjar uma data para apresentar esta peça em Coura, mas vão fazê-lo, e eu vou fazer tudo por tudo para os voltar a ver!

Crónica publicada na edição 456 do Notícias de Coura, 23 de maio de 2023.

terça-feira, 16 de maio de 2023

O 25 de abril fez-se também para isto

Nunca fui apologista de que não devemos trabalhar nos feriados ou aos domingos. Se há trabalho que precisa ser feito, e alguma vontade, faça-se. Da mesma forma defendo que devemos descansar ou dormir quando nos apetece, desde que isso não ponha em causa a nossa segurança e o cumprimentos dos nossos deveres profissionais. Pensei em escrever este texto na sexta-feira (28/04), ficava logo despachado e libertava-me da obrigação no fim-de-semana. Depois pensei que talvez fosse melhor esperar, os casos e casinhos continuam a fazer parte da agenda política e, se esperasse, talvez viesse por aí alguma bomba. Acabei por esperar, mas pela simples razão de me ter deitado no sofá e ter dormido toda a tarde. Chegou assim o feriado (1 de maio, Dia do Trabalhador) e, como trabalhador exemplar, vou cumprir a minha tarefa.

A última semana foi marcada por alguns acontecimentos políticos dignos de filme, trapalhadas e mentiras que nem sei se dariam um filme cómico, se dariam uma novela. Descobriu-se que afinal não existia papel nenhum. O parecer que supostamente servia de alicerce jurídico para a demissão da CEO e do Chairman da TAP, não existia. O tal papel foi invocado aquando da demissão dos mesmos em conferência de imprensa, existia quando foi pedido pela Comissão Parlamentar de Inquérito, mas a sua entrega negada pelo Governo alegando a “defesa do interesse público”, só quando os deputados ameaçaram com uma queixa à Procuradoria-Geral da República é que se fez luz. Afinal, não há papel nenhum. Mais engraçado ainda é, descobrir-se também agora que o Governo só recorreu ao apoio jurídico do Estado no dia seguinte ao da demissão da CEO da TAP. (O Governo deixou-se influenciar um bocadinho pela disciplina militar da convivência com o Vice-Almirante Gouveia e Melo, primeiro cumpre-se a missão, e depois logo se vê!) Para completar o ramalhete, Mariana Vieira da Silva veio afirmar que toda esta polémica é uma “questão de semântica”. Senhora Ministra da Presidência: - Não faça de nós estúpidos, argumentos deste tipo são ofensivos do respeito que o povo merece. Lembre-se do cargo que ocupa. Não queira envergonhar as Instituições, como sempre fazem questão de apontar a outros à sua direita.

Se a coisa tem ficado por aqui, o governo tinha tido uma semana positiva, com a inflação a baixar (embora estranhamente os preços estejam iguais!) e o PIB a registar valores dignos de alguma esperança, mas, eis senão quando, regressa ao país João Galamba. Demite o seu adjunto alegando que o mesmo não queria partilhar as notas da reunião entre deputados do PS e a CEO da TAP, aquela reunião em que supostamente se prepararam as perguntas e respostas que iam ser dadas na Comissão Parlamentar de Inquérito. Zangado pela demissão, acusando de ser João Galamba quem não queria que as notas fossem divulgadas, Frederico Pinheiro desloca-se ao Ministério e rouba o computador, atira uma bicicleta contra um vidro, obriga as funcionárias a esconderem-se na casa-de-banho e tem de chamar a polícia pois alguém lhe fechou as portas do Ministério! No dia seguinte, agentes secretos do SIS, Serviço de Informações e Segurança, foram incumbidos da missão de recuperar o computador, missão que cumpriram com sucesso e relativa facilidade. Daria vontade de rir se tudo isto fosse entre pessoas como nós, gente do povo. Mas isto passa-se com a gente que nos governa, com aqueles que tomam decisões, com aqueles que, de uma forma mais ou menos direta, traçam o futuro do país e do povo. É demasiado mau para ser tolerado. E para descer os últimos degraus na escada da dignidade política, não posso deixar de fazer referência à triste figura dos deputados do Chega na Assembleia da República na receção ao Presidente Lula da Silva e da tão, ou mais triste figura, do Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, na mesma sessão, e nos comentários e piadas proferidas cá fora na presença do Presidente da República, e que para grande azar dos mesmos, foram filmadas e transmitidas em direto. Santos Silva e Marcelo Rebelo de Sousa pareciam dois amigos, no café da aldeia, a mandar piadas e a rir sobre os vizinhos pelos quais não tem respeito nem consideração. Quando os mais altos magistrados da nação se prestam a isto, já não é de admirar que a democracia esteja como está. Afinal a revolução de abril fez-se para que tudo, ou quase tudo, se pudesse fazer e dizer.


Crónica publicada na edição 455 do Notícias de Coura, 9 de maio de 2023.

terça-feira, 2 de maio de 2023

Os políticos não são todos iguais.

Andei afastado da minha residência por uns dias, fruto de uma semana de pausa letiva que como professor tive direito! Eu, e muitos milhares por esse país fora. Nestas alturas de pausa letiva só estão normalmente na escola alguns professores que fazem parte das direções. A carreira docente é mal paga, é pouco reconhecida, mas ainda tem muitas coisas que eu aprecio, e esta é uma delas, ter uns dias de pausa na altura do Natal, outros na Páscoa… no verão a história já é outra, pelo menos no que me diz respeito. Chegado à casa, e perdoem-me esta acentuação, mas foi uma das coisas que me ficou de Coura, lá encontrei o nosso jornal no meio de tantas encomendas e correspondência. Já o esperava, ele chega sempre dois dias antes da mensagem da Gorete a alertar para o prazo de envio da minha crónica, e a mensagem já me tinha sido entregue! Como é costume, só comecei a pensar num assunto quando o prazo de envio se aproximou e desta vez fui salvo pelo próprio Notícias de Coura, que trazia uma notícia “Via Verde de Vítor”, sobre a qual não posso deixar de escrever algumas coisas.

Melhor do ler a entrevista ao Presidente Vítor Paulo, é conseguir ouvir a sua voz em todas as palavras, e mais, se tirassem da entrevista todas as referências geográficas, políticas e pessoais, quem o conhece não teria dificuldade em reconhecer as suas palavras. O Vítor é mais do que o Presidente da Câmara de Coura, é um Courense, apaixonado pela terra, que está no lugar de Presidente, e isso faz toda a diferença. Muito antes de ir para Coura, e sem saber muito bem onde ficava, já tinha ouvido falar da terra, por causa do Festival. Hoje, que já lá não estou, continuo a ouvir referências ao festival, mas ainda há dias ouvi uma pessoa dizer “não é lá que fizeram uma fábrica de vacinas?”. Por vezes, lá vemos ou ouvimos os responsáveis autárquicos Courenses num programa de televisão ou rádio a promover os eventos e os produtos da terra. A gestão política atual da autarquia não precisa de discursos nem de apoios escritos, à população basta olhar à sua volta, ver e sentir para perceber se está ou não bem entregue, e a nível local o povo normalmente vota nas pessoas e não nos partidos. E tem votado bem, muito bem.

Falar de obra nesta altura é muito mais do que falar da inauguração recente da ligação à autoestrada A3. Ela vai ser útil sobretudo aos parques empresariais. Quem vai a Coura ao festival rock, ao mundo ao contrário, à feira mostra, à feira da truta e até ao Fitavale, não vai deixar de ir só pelo facto de não ter autoestrada. Acredito que em Coura não aconteça o que se passa em muitas outras terras do nosso país, chega a autoestrada, e em vez das pessoas virem, vão embora.

Diz Vítor Paulo ao filho que “O mundo não pertence aos fortes, mas aos fracos com capacidade de adaptação e que lutam sempre”, e tem sido este espírito que tem levado Coura a um patamar atingido por muito poucos. Há terras com orçamentos dezenas de vezes superiores e que não têm uma escola como a que já foi minha, não têm um Centro Cultural, não têm uma agenda cultural diversificada e permanente ao longo do ano e, acima de tudo, não têm gente que ame tão fervorosamente a sua terra como os Courenses.

Coura tem a sorte de ter um Vítor Paulo genuíno, e uma equipa autárquica capaz de dirigir a terra com ousadia, com esperança, e sobretudo com amor. É por eles que posso dar o título que dei a esta crónica.

Sobre os Courenses, termino com uma frase que ouvi ao Senhor Janeca numa noite, no Centro Cultural, “Eles podem-nos comer, mas não nos vão conseguir c@g@r!”

Crónica publicada na edição 454 do Notícias de Coura, 25 de abril de 2023.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

IVA a 0, habitação a 1000.

Pressionado pela oposição e por uma insatisfação popular de que não há memória, o governo decidiu tomar algumas medidas de apoio às difíceis condições de vida que cada vez mais portugueses enfrentam. Algumas famílias vão receber mais alguns apoios sociais sob a forma de subsídios, dinheiro vivo para gastar. Só por aqui a coisa não funciona, as consumidores terão mais dinheiro, quem vende terá a tentação de subir os preços ou, na pior das hipóteses, de os manter. Nunca os irá baixar. Os funcionários públicos terão um aumento de 1% e o subsídio de alimentação subirá para 6€/dia. (Sobre estas medidas não me pronuncio pois sou parte diretamente interessada, e já não tenho paciência para as queixas dos Professores.) A diminuição da taxa do IVA para 0% num cabaz de produtos considerados essenciais é que parece ser a medida mais impactante, mas também não acredito que venha a ter efeitos significativos. Bens com taxa de IVA de 6% passarem a ter 0% significa que por exemplo uma carcaça que eu compro a 0,22€ passará a custar 0,21€ aproximadamente. Se eu comer 5 carcaças por dia vou poupar no mês 1,5€. É pouco certamente, mas associado a outros bens alimentares até sou capaz de poupar 20€ por mês. Até outubro pode significar uma poupança de 120€. Muito bom, melhor que nada. Se isto fosse acontecer seriam boas notícias, mas obviamente que não vai. Aliás, dois ou três dias depois do anúncio desta medida já havia produtos mais caros alguns cêntimos, ainda até sem se saber quais seriam os produtos abrangidos. O Governo diz ter feito um “acordo de cavalheiros” com os revendedores para que esta baixa de preços chegasse efetivamente aos consumidores, e até diz que vai contratar uma empresa privada para fiscalizar. Não acredito. Daqui a 2 meses vou perder uns minutos a comparar alguns talões de compras e analisar a diferença entre alguns produtos. Já imagino bem os resultados que vou obter.

Se nos bens essenciais a taxa de IVA caminha para zero, já na habitação aprece caminhar para mil. Há milhares de portugueses com créditos à habitação que viram as suas prestações mensais subir 100€, 200€ e quem sabe mais. Há o risco de em 2024 as instituições bancárias ficarem com milhares de casas em carteira por falta de pagamento das prestações. Quem não perde esta oportunidade são os chamados “proprietários”, um grupo de investidores individuais que vende e aluga casas a preços proibitivos (há até quem lhes chame pornográficos). Vale tudo, aqui perto da minha residência, apartamentos que se compravam a 80 ou 90 mil euros há 3 anos, estão agora a 150 ou 160 mil euros. Apartamentos novos entre os 200 e os 300 mil são quase todos vendidos ainda antes das obras começaram. E se formos falar em arrendamentos, a exploração atinge níveis completamente absurdos, fruto da falta de oferta e da enorme procura, especialmente das dezenas de imigrantes que chegam ao nosso país. Mas sobre isto nem vale a pena escrever mais nada. A manifestação do passado fim-de-semana em Lisboa foi elucidativa da crise imobiliária que o país atravessa e das dificuldades que atravessam todos quantos têm de arranjar casa.

Dizem que é a bolha imobiliária, um fenómeno causado pelo aumento indiscriminado dos preços durante um certo período, seguido de uma desvalorização. A mim parece-me que esta bolha está a encher demais, quando rebentar vai ser caso para dizer “Ca p#t@ de estouro!”, expressão protagonizada pelo Zeca Estacionâncio no filme sete pecados rurais, depois de morrer num acidente de mota e ter chegado ao céu.

Crónica publicada na edição 453 do Notícias de Coura, 11 de abril de 2023.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Regressos inoportunos

Gouveia e Melo 

Treze militares da Marinha Portuguesa recusaram-se há uns dias a partir numa missão de acompanhamento de um navio russo que passou na Madeira. Pelo que se apurou, os militares afirmaram que se a missão fosse salvar vidas não se teriam recusado a embarcar, não sendo esse o caso, e alegando inúmeras limitações técnicas do navio, manifestaram a sua recusa perante o comandante. A missão não foi assim cumprida. Não sabemos se o navio russo cometeu alguma ilegalidade quando passou ao largo de Porto Santo, mas por certo não teve a ousadia de pescar alguma espécie protegida, os interesses russos são outros, como infelizmente bem sabemos. O caso tornou-se um problema nacional, e ao ouvir as declarações de algumas entidades, nomeadamente do chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, e do senhor Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, Marcelo Rebelo de Sousa, estamos perante um dos casos mais graves de insubordinação do nosso país. Eu não percebo muito desta coisa da disciplina militar, nem devo tecer grandes considerações pois fui considerado inapto para o serviço militar e ainda me atrevi a escrever numa revista nacional que as 36 horas que passei na inspeção militar foram das horas mais inúteis da minha vida mas, haja paciência… quando ouvi um militar a dizer que “nas Forças Armadas primeiro faz-se a missão, e depois é que se reclama”, também eu pensei: - Olha que grande parvoíce, era o que mais faltava. Imagino logo uma cena de humor engraçada para qualquer comediante:

General: - Soldado, atire-se já deste 30.º andar para apanhar aquele inimigo.
Soldado: - Meu General, sem para-quedas sou capaz de me aleijar.
General: - Cumpra a missão soldado, reclama depois.

O que aconteceu é que os 13 militares vão ser alvo de um inquérito criminal, e não sei se os problemas de falta de segurança que alegam que o navio tinha lhe vão ser suficientes para os desculpabilizar do não respeito pelas ordens militares. Tudo lamentável, mas o pior foi a atitude prepotente de Gouveia e Melo, quando ao vivo e a cores, isto é, pela televisão, apontou o dedo aos militares e julgando-os publicamente, falando em insubordinação, desobediência e indisciplina. Em nenhum momento pareceu preocupar-se com a segurança dos seus homens, apenas em fazer ver que quem manda é ele, e que não vai tolerar nada que coloque isso em causa. Como cidadão deste país gosto que haja este tipo de autoridade, mas em sede própria, em privado. Em público vi isto como uma forma do senhor Almirante se mostrar aos portugueses. Já lhe dediquei palavras de louvor pela responsabilidade única que teve no combate à pandemia. Devia deixar que os portugueses o recordassem por isso. Se pensa em algo mais, está no seu direito, mas há pelo menos uma pessoa que não lhe dará o voto.

Cavaco Silva

Não gosto nada de falar de Cavaco Silva, mas não posso perder a oportunidade de dar mais uma alfinetada no PSD e também no PS. Convidado pelo Presidente da Câmara de Lisboa para falar do seu programa de erradicação das barracas de há 30 anos, Cavaco Silva, destilou ódio e raiva no atual governo e nas suas políticas de habitação. Como dizia Herman José, “Não havia necessidade!” As políticas atuais no setor da habitação são fracas já por si, dificilmente terão algum sucesso. E as de Cavaco tiveram sucesso pela pressão do então Presidente da República Mário Soares, não fosse a sua atuação e o governo de Cavaco Silva pouco ou nada tinha feito nessa altura. Ao destilar ódio pelo atual governo, Cavaco Silva faz mal em primeiro lugar ao seu partido, se o atual PSD já entusiasma pouco o país, imaginá-lo à semelhança de Cavaco só piora a situação. E a culpa também é do PS, não fossem as lutas internas que levaram o PS a não apoiar Manuel Alegre, Cavaco nunca teria sido Presidente da República, e não teria atualmente o tempo de antena que lhe insistem em dar.

Donald Trump

Apareceu há dias a incitar, mais uma vez, os seus apoiantes à revolta. Afirma que vai ser preso na terça-feira, dia 21 de março. A mim parece-me um excelente dia para tal, prender o ex-Presidente americano será sempre uma boa notícia, e não faltam certamente motivos para o justificar. Embora seja um excelente tópico para uma crónica, não vou esperar até amanhã. Deixo esta crónica por aqui, são quase nove e meia da noite do dia 20 de março, segunda-feira. Hora de enviar esta crónica com destino a Coura.


Crónica publicada na edição 452 do Notícias de Coura, 28 de março de 2023.

segunda-feira, 20 de março de 2023

TAP: Trapalhadas Antigas e Permanentes

Salvo mais uma vez pelos acontecimentos! Estou a começar a escrever este texto pelas oito da noite de segunda-feira, dia 6 de março. Durante o dia de ontem andei à procura de um assunto suficientemente interessante e nada encontrei. Cheguei a pensar em voz alta: - Ou acontece algo verdadeiramente relevante ou vou mesmo ter de escrever sobre a posição da Igreja Católica perante o relatório da Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica. Confesso que não me apetecia nada escrever sobre isto, é demasiado vergonhoso e lamentável, deixa-me irritado, embora não coloque em causa a minha fé, essa é em Deus, não nos seus “representantes” na Terra. Ainda assim, não posso deixar de dizer que tive a sorte de conhecer alguns deles, e só me ajudaram a crer que de facto, temos mesmo de acreditar que há alguém superior a nós, alguém que insista em acreditar na boa-fé dos homens. (Deus insiste em colocar-nos à prova, em obrigar à dor todos os seus amigos… não admira que tenha tão poucos.) 1

Mas, mais uma vez tive sorte! Quando saí do trabalho ouvi na rádio as declarações do Sr. Ministro das Finanças anunciando a demissão da CEO da TAP! O azar dos outros é muitas vezes a sorte de alguém. Salvei-me! Vou escrever sobre a TAP. Depois do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a saída de Alexandra Reis da TAP, não restava outra alternativa ao Governo que não fosse a exoneração da Administração. Confesso que me surpreendeu, cheguei a pensar que seriam inventadas meia dúzia de coisas para que a culpa morresse solteira. Assim não foi. Institucionalmente é fácil perceber que a administração tinha de ser responsabilizada pelo que aconteceu, politicamente a história já é outra. Fernando Medina é salvo pelas datas, uma vez que não fazia parte do governo à data dos factos, e João Galamba só tem a tutela da companhia agora, o seu antecessor, Pedro Nuno Santos já se demitiu. Com esta tomada de posição o Governo ganha tempo, e se, entretanto, tiver sorte com a reprivatização da companhia, talvez daqui a um ano ou dois a TAP já não seja assunto corrente. No entanto, e porque há sempre um “outro lado”, muitas questões já estão em cima da mesa:

- Alexandra Reis, e que segundo o relatório da IGF terá de devolver parte da indeminização indevidamente recebida, já declarou que o irá fazer, embora não concorde com o conteúdo do relatório. Resta saber se depois, não irá contrapor algum tipo de recurso relativo à cessação de funções.

- Christine Ourmières-Widener, a agora exonerada CEO da TAP já afirmou estar perplexa com o “comportamento discriminatório da IGF” por ter sido a “a única pessoa que não foi ouvida pessoalmente no âmbito da auditoria.” Manifestou já a intenção de “retirar todas as consequências legais” deste comportamento da IGF. Adivinha-se mais um processo a ocupar os Tribunais durante uns anos.

- Os partidos da oposição já vieram afirmar que tudo isto é pouco, que falta retirar consequências políticas, querem saber quem irá agora pagar as novas indemnizações, e um sem número de outras questões que nunca colocaram quando estiveram no governo, neste caso o PSD, e quando não estando no governo o apoiaram, o PCP e o BE.

Como português, contribuinte, e que não tem margem de manobra para poder fugir aos impostos, continuo a achar que a TAP já está há anos demais a “sugar” os nossos impostos, a “sugar” o nosso dinheiro. E não me venham com a história de ser estratégica para o país, há milhares e milhares de portugueses que nunca usufruíram nem irão usufruir, dos ganhos que insistem em dizer que a TAP dá ao país. Perdoem-me a frieza com que o digo e escrevo: a TAP já devia ter ido ao fundo há muitos e muitos anos. Talvez o negócio da privatização feita à pressa pelo PSD tenha sido uma trapalhada (não vou escrever vigarice), mas a atitude deste governo em reverter essa privatização, injetar mais de três mil milhões de euros dos contribuintes, e agora voltar a privatizar é ainda mais condenável.

Pior que tudo isto, é eu acreditar que isto não fica por aqui. Parece que chegou o último episódio, mas logo depois é lançada a segunda série, e assim continuará. À semelhança do “Novo Aeroporto de Lisboa” a TAP será um dos assuntos sobre o qual daqui a muitos anos alguém dirá: “- Já no tempo dos teus avós se falava de um novo aeroporto em Lisboa… nesse tempo já a TAP dava problemas…”

1) Desabafo de Santa Teresa quando morria de tuberculose e se queixava a Deus do sofrimento. No Livro Encontros no Limite, de Stephen Levine.


Crónica publicada na edição 451 do Notícias de Coura, 14 de março de 2023.