terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A prova

Não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade para me debruçar sobre um dos assuntos do momento: a prova de avaliação dos professores.
Desta vez, ao contrário do que normalmente faço, não consigo escrever de forma isenta e independente, pois como provavelmente todos os leitores destas crónicas sabem, sou professor, e como me orgulho muito da minha profissão, jamais deixaria de a defender.
Em primeiro lugar começo por questionar a insensatez com que muita gente da sociedade civil* costuma falar de educação, dos professores e da sua avaliação. Costumam eles dizer:
-Mas qual é o receio que os professores têm da avaliação? – Mas porque razão não querem ser avaliados? – Em todas as profissões as pessoas são avaliadas!
Pois bem, acreditem que os professores não têm medo nenhum da avaliação! Desde que ela seja minimamente séria. Para mim, e de certeza que para a maior parte dos meus colegas, o medo que temos da avaliação está patente na porta das nossas salas de aula, elas nunca são trancadas, apareçam quando quiseram e venham ver o que estamos a fazer! Mas cuidado, batam antes de entrar, não façam muito barulho e não perturbem aqueles que são por certo os nossos melhores avaliadores: os alunos.
Em todas as profissões as pessoas são avaliadas, acredito, mas digam-me lá em quantas é que se obriga os profissionais a repetir todos os anos um exame de acesso às mesmas?! Quantas vezes é que um motorista faz exame de código e condução? Quantas vezes é um advogado faz o exame nacional de avaliação e agregação?
Dito isto, chega a hora de atacar com todas as minhas forças, a dita prova de avaliação dos docentes.
Para começar, sinto-me muito feliz por não ser obrigado a realizá-la (pelo menos para já!), pois vou poupar cerca de 75€, entre taxas de inscrição e pedidos de consulta e reapreciação. Numa altura de crise orçamental, e com os cortes brutais que janeiro nos vai trazer, esta poupança é bem agradável. O mesmo já não podem dizer os cerca de 40000 professores contratados que não escapam à mesma. Visto noutro plano, isto parece-me uma extraordinária fonte de receitas, mas obviamente que tal ideia nunca passou pela cabeça dos teóricos criativos desta prova, não sejamos maldosos.
Depois, justifica-se a realização desta prova com a necessidade de garantir a qualidade dos docentes nas escolas. Estou de acordo, tão de acordo que até me atrevo a ir mais longe. Imagine-se que há um professor contratado que vai fazer a prova e, azar dos azares, tem nota negativa. Vamos analisar bem o passado deste professor. Tem duas licenciaturas, um mestrado, mais de dez anos de serviço, avaliações de desempenho de muito bom e excelente nos últimos anos. Há que questionar tudo isto, vamos ter de levar à justiça toda esta gente que avaliou este professor, há que investigar as universidades que o formaram, e já agora, quem é que certificou estas instituições?!
Voltando à prova, que chega às bancas no dia 18 de dezembro, o Ministério da Educação e Ciência já publicou alguns exemplos ilustrativos do tipo de itens que a mesma poderá conter. Fiquei maravilhado com o grau de exigência, especialmente da questão em que o professor terá de elaborar cálculos complicadíssimos, para saber se deve comprar uma máquina fotográfica na loja X, que custa 120€ + 10%, ou na loja Y, que custa 180€, mas tem um desconto de 30%. Conseguido isto, qualquer um está habilitado a ser professor.
Para terminar, estou absolutamente de acordo que na dita prova se descontem os erros de ortografia, morfologia e sintaxe. Já quanto às rígidas normas de pontuação, sou da opinião do escritor Valter Hugo Mãe: “A escrita convencional deita mão de tantos sinais que nos obriga a marcar uma distância permanente entre o que somos e o que o texto é.”

* Quando me refiro à sociedade civil, falo daqueles que, nada sabendo sobre a profissão docente e sobre o funcionamento das escolas, se acham no direito de tecer considerações baratas e sem fundamento. Os jornais estão cheios deste tipo de comentadores, e a blogosfera então, é o espaço de ataque primordial desta gente. Mas como eu lhes costumo dizer: - Se acham que ser professor é tão bom, porque se ganha muito e trabalha pouco, porque razão não apostam nesta carreira?! Já agora, ser professor é muito bom, muito bom mesmo, mas não é por nenhuma destas razões.

Crónica publicada na edição 239 do Notícias de Coura, 10 de dezembro de 2013.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

O novo papa-reformas.

Não resisto a partilhar com os leitores um pequeno segredo e peço-lhes para terem o cuidado de nunca o revelarem a ninguém, em especial ao diretor deste jornal, não vá ele desvendar a sorte que eu tenho na descoberta das ideias para as minhas crónicas e ficar assustado, pensando no que acontecerá, se um dia essa sorte me faltar!
Estamos no final da tarde do dia 25 de outubro, recebo um telefonema do diretor do jornal, que apesar de saber que eu nunca me esqueço de enviar a crónica dentro do prazo estabelecido, tem a simpatia de me telefonar, mais por mero descargo de consciência do que preocupação propriamente dita. Eu sabia que esta era uma das tarefas que tinha para este fim-de-semana, e só ainda não a tinha feito porque a verdade é que não fazia a mínima ideia sobre o que escrever. Então, vou dar uma volta a pé, em busca de inspiração ou de algo que me chame a atenção e justifique uma reflexão escrita. E é então, que mais uma vez, tenho uma sorte impressionante, passa por mim um papa-reformas. Quando o vejo, penso:
- Já há poucos carros destes. Houve uma altura em que via imensos, mas agora, são mesmo poucos.
Imediatamente, o meu lado mais cruel e irónico exclama:
- Claro que não vejo. Agora, com os cortes que até as reformas dos mais necessitados estão prestes a sofrer, já nem dinheiro há para carros destes.
Quase me apetece dizer que agora, o papa-reformas é o Estado, mas não o vou fazer. Vou-me limitar a falar de algumas das medidas contempladas no Orçamento de Estado para 2014, e que nos devem fazer parar, pensar, e refletir sobre a melhor forma de enfrentar o novo ano.
A primeira que merece destaque é a redução remuneratória progressiva, que dizem ser de caráter transitório, e que vai tributar os vencimentos a partir dos 600€. Eu acho que é um castigo bem merecido, quem ganha mais de 600€ pode ter uma vida bem folgada, ainda mais, num país onde os combustíveis são dos mais caros da Europa e onde a taxa de desemprego tem vindo a crescer de forma galopante. O que não me parece justo nesta medida é o seu caráter transitório, pois quase me apetece apostar que ela vai ser suspensa quando se aproximar aquela altura em que, as ruas se enchem de cartazes e o futuro se enche de promessas, aquele fenómeno verdadeiramente maravilhoso e que nos faz encher de esperança: as eleições.
Outra medida que nos deve fazer ficar felizes é o aumento da idade da reforma para os 66 anos. A razão é simples, ela justifica-se porque aumenta a esperança média de vida, logo, se vivemos mais tempo, devemos trabalhar durante mais tempo também. Aquilo que eu não acredito, é que a esperança média de vida continue a ter a ousadia de aumentar desta maneira, porque com as políticas de cortes na saúde, vai ser difícil isso acontecer. É verdade, é mesmo, não estou enganado, 2014 vai trazer para a saúde um corte de 300 milhões de euros. Coisa pouca, quando comparada com os custos com as PPP (parcerias público-privadas), nestas não há corte, os seus custos vão duplicar e atingir os 1645 milhões de euros.
Na educação, o corte é de 500 milhões de euros. Será que o Estado tem medo que as crianças aprendam demais?! Será que tem medo que a escola os faça ver o mundo como ele verdadeiramente devia ser?! Será que nos querem manter a todos na ignorância, para não nos atrevermos a contestar seja o que for?! Nada disso. Lembro-me então de ter ouvido o Ministro da Educação há dias dizer que em termos de infra-estruturas, está tudo bem na educação, e fico bem mais descansado. (Deixa-me tomar aqui uma nota para não me esquecer de lhe enviar umas fotos da escola secundária de Paredes de Coura, e de com bela e confortável ela está, especialmente agora que começou o inverno e a chuva tem sido visita constante!).
Vou terminar, já chega de falar das catástrofes que se vão abater sobre todos nós em 2014. Temos de acreditar que mais tarde ou mais cedo, as coisas vão mudar, as coisas vão ter que melhorar. Temos que acreditar na justiça. (Ah, quase me esquecia, os cortes na Justiça só serão de 95 milhões, portanto, haja esperança!).

Crónica publicada na edição 237 do Notícias de Coura, 5 de novembro de 2013.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O dia da reflexão!

Hoje é sábado, 28 de setembro, a manhã está fria, o vento abana os toldos dos feirantes e o trabalho para manter os artigos protegidos da chuva é redobrado. Sim, é verdade, acabei de dar uma volta pela feira de Paredes de Coura e achei-a mais leve. Com este tempo, quem é que ousa sair à rua senão por extrema necessidade? O dia convida-nos a ficar em casa, de pantufas ou chinelos, a ler um livro, ver televisão, fazer as arrumações típicas do fim-de-semana e passar horas e horas, fazendo mil e uma coisas no facebook, ou em qualquer outro lugar da imensidão da web! E de repente, neste meu marasmo de não saber o que fazer, aliás, de não me apetecer fazer nada, vejo que alguém comenta no seu mural, que hoje é o dia da reflexão! Ah, exclamo eu… agora sei porque razão havia poucas pessoas na feira: estão a refletir. E é nesse momento que me recordo da feira anterior, a do dia 14 de setembro! Essa estava cheia de gente, pois havia imensas pessoas que equipadas de bonés, canetas, papéis e bandeiras, ajudavam as outras a refletir. Costuma-se chamar campanha eleitoral, mas sinceramente eu acho que era mais correto chamar-lhe, ajuda à reflexão.
Os tempos que antecedem os atos eleitorais são uma fonte de recursos quase inesgotável de matérias que eu poderia aproveitar, e guardar aqui na “sombra das palavras”, para que quando me faltasse a inspiração, lhe pudesse pegar e fazer uma crónica. Mas qual seria o interesse? Daqui a duas ou três semanas já está tudo acabado e esquecido. Os vencedores já terão passado o período de euforia e certamente já estarão a tomar conta dos seus novos afazeres, e a pensar como “diabo” vão fazer para levar a bom porto tudo aquilo que enriqueceu o seu programa eleitoral. Os vencidos, esses por certo voltarão imediatamente às rotinas das suas vidas, e muitos serão aqueles que pensarão para os seus botões: - Nunca mais me meto noutra.
E os eleitores?
- Quem?!
Bem, esses provavelmente serão os esquecidos mais rapidamente. E afinal, a única coisa que eles fizeram foi votar. O voto, talvez a conquista mais significativa da democracia, é o ato pelo qual todos nós, temos o poder, mas acima de tudo o dever, de eleger os nossos representantes. E a partir desse momento, tudo o que os nossos representantes fazem, é em nosso nome, e como eles nos fazem questão de lembrar muitas vezes, com a legitimidade do voto que o povo lhes deu. E não nos adianta reclamar quando constatamos que as decisões são contrárias às medidas que nos apresentaram, e quase todos os dias que ouvimos dizer:
- Na campanha prometeram “mundos e fundos”, e agora que estão no “poleiro”, fazem exatamente o contrário.
O que resta ao povo é exprimir o seu descontentamento, manifestar-se pacificamente, aderir a greves e tentar levar a sua voz mais longe, e aguardar pelas próximas eleições. E quando elas se aproximarem, é um novo mundo que se avizinha cheio de esperança, de oportunidades para todos, de empregos, de investimento, de mais saúde e educação… é o paraíso prometido por quem provavelmente está mais interessado no seu próprio “lugar ao sol”, do que na luta pelo bem-estar daqueles de quem deseja governar.
E desta forma termino, resignado às sábias palavras de Winston Churchill, proferidas há mais de 65 anos: “A Democracia é o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros”.

Nota: esta nota justifica-se, em primeiro lugar, porque o autor gosta de fazer notas. Além disso, como se pode depreender pelo texto, o autor escreve totalmente liberto de tonalidades partidárias. Em atos eleitorais locais, o importante são as pessoas, e não a cor que elas escolhem para decorar a sua ação política. Por fim, o autor espera enganar-se profundamente na sua reflexão, e deseja que nos próximos anos, até um novo ato eleitoral, tanto os vencedores como os vencidos, oiçam o povo, e estejam ao lado do povo, da mesma forma como o fizeram nas últimas semanas.

Crónica publicada na edição 235 do Notícias de Coura, 8 de outubro de 2013.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Aquele curso CEF, quase me estragava a vida!

Não posso esquecer o que a escola “quase” me fez quando eu tinha 15 anos. Foi há muitos, muitos anos, mas esse pesadelo continua presente na minha memória, atormentando-me os dias, enchendo as minhas noites de pesadelos. Ainda hoje eu vivo com o medo de estar num sonho, e de repente acordar, e voltar a viver tudo de novo. Eu conto-vos a minha história.
Estávamos no século XXI, a escola pública dizia-se inclusiva, todos os agentes sociais se diziam preocupados em proporcionar condições de aprendizagem a todos os alunos. Os professores diversificavam as estratégias de ensino, as direções das escolas geriam as turmas com o cuidado de integrar os alunos com mais dificuldades, até os agentes políticos responsáveis norteavam a sua atuação com este cuidado. O apogeu desta preocupação teve o seu mais belo exemplo na criação de cursos orientados para atividades mais práticas. Além das tradicionais disciplinas como a Língua Portuguesa, o Inglês e a Matemática, estes cursos viam metade da sua carga letiva ser preenchida com disciplinas práticas, como manutenção de computadores, carpintaria, horticultura, entre muitas outras, de outras tantas áreas temáticas.
Não me vou desculpar com os azares do meu percurso escolar, mas com 15 anos já tinha 3 reprovações. A escola, preocupada em melhorar o meu rendimento e em assegurar condições para eu concluir a escolaridade obrigatória propôs-me a frequência de um curso de jardinagem. Seriam 2 anos, as disciplinas pelos vistos eram mais fáceis, os professores eram “porreiros” e a maior parte das aulas até seria no exterior, aulas práticas cheias de atividades integradas na natureza. Não me lembro bem qual foi a minha reação, nem sequer me lembro de me ter matriculado, o que é certo é que em Setembro eu pertencia a uma nova turma: a turma CEF.
Ao fim destes anos todos tenho alguma dificuldade em recordar o percurso de 2 anos nesta turma, lembro-me de sermos mais rapazes que raparigas, e tal como eu, todos os meus colegas já tinha reprovado algumas vezes. Uma das lembranças que tenho mais presente era a forma como a nossa turma era conhecida: - aqueles são do cef; diziam os outros alunos da escola quando nos viam juntos. Talvez por sermos tratados assim é que nos fechámos ainda mais, fomos obrigados a fortalecer o espírito de grupo para nos protegermos do isolamento a que fomos sujeitos. Ainda hoje acredito que a quantidade de faltas injustificadas que tivemos, por mau comportamento ou não cumprimento das regras se deveu a esta atitude que quase me apetece de classificar de racial, por parte de todos os que nos rodeavam. O curso não era assim tão fácil como me fizeram crer, mas consegui chegar ao fim e concluir a escolaridade obrigatória, mas não sem antes ser sujeito a mais duas tarefas que quase me apetece chamar de castigos. Então não é que no último mês do curso fui obrigado a estagiar durante 1 mês?! Sim, um mês de trabalho, trabalho a sério, de manhã e de tarde numa empresa, e apenas remunerado com uma insignificante bolsa de estágio, que nem dava para comprar tabaco, isto é apenas um exemplo para terem uma ideia do valor, pois eu não fumava. Foi duro, mas também isto eu superei. E então, chegou o derradeiro desafio, o mais humilhante de todos, ao fim de 2 anos de estudo e trabalho ainda quiseram que eu fizesse uma prova. Uma prova de aptidão final! Fiquei tão revoltado com mais isto, que nem me lembro sequer do que fiz, lembro-me sim que reprovei nessa prova, e do que me disseram que podia acontecer:
- Se reprovares na prova, ficas na mesma com a escolaridade obrigatória, a certificação escolar, só não ficas com a certificação profissional.
Foi como que uma nova luz de abrisse diante dos meus dias, fiquei tão atarantado com aquilo que questionei:
- Então assim, vou ter um certificado que não vai dizer que andei neste curso, no CEF, certo?
- Sim é isso, responderam-me.
Então a luz tornou-se ainda mais brilhante, e o meu pesadelo acabou. Consegui terminar a escolaridade obrigatória, poderia tirar a carta de trator e quem sabe tornar-me num jovem agricultor. Não teria que sofrer a humilhação de ver o meu currículo manchado pela frequência daquele curso, jamais saberiam que eu frequentei um CEF.

Nota do autor: Qualquer semelhança entre esta história e a realidade não é mera coincidência. Sócrates, o filósofo, disse um dia que “o fim último da educação era tornar as crianças inteligentes e boas”, como professor é isso que tento, embora com a consciência que nem sempre o consigo.
* CEF: curso de educação e formação.

Crónica publicada na edição 233 do Notícias de Coura, 3 de setembro de 2013.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Beethoven em Paredes de Coura!

Ilha Terceira, são 10 da manhã, hora local, a bordo do A330 da TAP ouve-se o inconfundível “hino à alegria” de Beethoven. Fico parado a ouvir até que sou interrompido por uma hospedeira que me pergunta se preciso de ajuda para arrumar a bagagem. Não preciso, obrigado, respondo sorrindo. Nesse momento não estou dentro do avião, estou no Centro Cultural de Paredes de Coura, na noite de 19 de junho.
Nessa noite, desceram às terras de Coura as partituras de Rossini, Bach e Beethoven e as estrelas adormeceram sob o embalo do talento de algumas crianças.
Nesta audição de final de ano dos alunos do Agrupamento de Escolas de Paredes de Coura que frequentam o Curso Básico de Música da responsabilidade da Academia de Música de Viana de Castelo, não foram só revisitados alguns dos mais talentosos compositores clássicos como os acima mencionados. Uma das grandes virtudes destes momentos é sempre a ousadia de aliar ao lado clássico dos instrumentos a contemporaneidade de temas recentes, especialmente algumas bandas sonoras imediatamente reconhecidas aos primeiros acordes.
Que coragem! Trabalhar com crianças de 11, 12, 13 anos, ensinar-lhes a tocar violino, violoncelo, oboé, trompete, saxofone, guitarra, entre outros, e depois trazer ao palco temas dos ColdPlay, Phil Collins, Paul McCartney, e os inconfundíveis temas das bandas sonoras do Titanic, do Pirata das Caraíbas e da Pantera Cor-de-rosa, é mais que coragem, é loucura!
Mas é deste tipo de loucura que o país precisa, é este tipo de cooperação entre as instituições que possibilita chegar mais longe, proporcionando as oportunidades que as crianças precisam e merecem. Parece que ainda foi há tão pouco tempo que este ensino da música começou, e a verdade é que já estão formados os primeiros alunos do curso básico de música.
Não posso deixar de fazer umas ligeiras comparações com esta escola, e aquela que foi a minha, há mais de 20 anos. Naquela altura, a escola traduzia-se numa mera executora do currículo nacional. Não havia atividades extra curriculares, clubes de xadrez, ou informática, ou leitura, era coisa que não tenho memória, a única música que aprendíamos era nas aulas do Professor Edmundo, Maestro da Banda Musical! Lembro-me de se fazer uma visita de estudo por ano, à Barragem dos Pisões, era sempre a mesma, e idas ao teatro ou cinema, nem em sonhos! Da única coisa que me lembro e que constituía uma oferta alternativa e motivadora era o desporto escolar, esse já existia, e proporcionava saídas bem interessantes! Este discurso não é revelador de nenhum tipo de ciúme quanto às oportunidades do presente, sinto uma grande alegria pelo facto delas existirem, e acreditem, se tivesse uma oportunidade destas, podem ter a certeza que a aproveitava!
A academia de Música de Viana de Castelo vangloria-se por “dar à luz” o fruto de cinco anos de trabalho no ensino da música. O Agrupamento de Escolas de Paredes de Coura orgulha-se de ver partir algumas destas crianças, e de ter contribuído para que possam seguir este caminho “musical”, agora ainda com mais afinco e sentido de responsabilidade.
No final da noite, somos precocemente acordados pelo som dos aplausos, os merecidos aplausos que voltam a silenciar as memórias destes antepassados compositores. E mais uma vez aquilo que sinto é que soube a pouco, soube a muito pouco. E isto acaba por ser bom, porque é com mais vontade ainda que espero ansiosamente pela próxima audição.


Crónica publicada na edição 231 do Notícias de Coura, 16 de julho de 2013.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A (os)Tentação do Poder

As “coisas” do poder sempre me fizeram alguma confusão. Quando em 1992 entrei para a Universidade, fui obrigado a dedicar-lhes algum tempo, mais por obrigação de estudante que propriamente por gosto ou interesse pessoal. Admirava de certa forma, todos quantos de forma voluntária e gratuita se dedicavam a cargos de alguma responsabilidade, quer fosse nas autarquias, quer fosse em instituições sociais e até nos clubes desportivos. É de louvar a vontade de manter a funcionar estas entidades, são elas que dão vida às povoações e que ajudam a criar a sua identidade. O que depois me começou a fazer confusão, foi a animosidade com que eram vistos todos quantos  quisessem “disputar”, de forma democrática esses lugares. Se existe vontade de ocupar um certo cargo dirigente, é porque alguém sente que consegue fazer melhor, tem novas ideias, novos projetos, vontade de mudar e melhorar o que existe. Ou não será assim?! Se olhar-mos ao passado recente do país, a verdade é mesmo essa: não é assim!
A recente lei de limitação de mandatos, que visava impedir os autarcas com 3 mandatos de se candidatarem novamente, pareceu numa primeira fase agradar a toda a gente. É claro que nalguns casos os autarcas mereciam estar mais tempo, e decerto continuariam a fazer um bom trabalho, mas a mudança costuma obrigar a novos desafios, a novas vontades de “agradar e mostrar serviço”, a mudança é na maioria das vezes, uma “lufada de ar fresco”. Há quem defenda que esta nova lei acaba por ser uma forma de limitar a democracia, e de facto, deveria ser o povo a dar o sinal que queria mudar, e não ser a lei a obrigar a isso. Infelizmente, até para a democracia funcionar, muitas vezes tem de ser a lei a suportá-la.
Mas, como seria de esperar, todos quantos estão “agarrados” ao poder, por bons, ou menos bons motivos, tentaram logo arranjar forma de dar a volta à questão. Uns, já que não podiam candidatar-se de novo à sua freguesia/autarquia de sempre, mudaram-se de armas e bagagens para a vizinhança, à conquista de outros territórios! Outros, tiveram a sorte de ver a sua freguesia agregada à vizinha, logo, ela tem agora um novo nome, e eles podem começar tudo de novo!
A verdade é que tudo isto não deixa de ser a atitude tão portuguesa de tentar sempre “dar a volta à coisa”. Somos tão ousados, que temos a “lata” de o fazer mesmo com as Leis! As Leis, que deveriam ser claras, concisas e nunca deixar dúvidas quanto à sua aplicação, dão-se ao luxo de ter várias interpretações. Fala-se no “corpo da Lei”, quando se defende que só o que está escrito é que conta, mas depois, sempre que o seu conteúdo não agrada a alguém, vamos buscar o “espírito da lei”, as circunstâncias em que o legislador fez o seu trabalho, e até naquilo que ele estava a pensar quando legislou.  Parece-me que o legislador devia ser mais cuidadoso e responsável, deveria ser tão preciso quanto possível, para que ninguém lhe possa imputar ideias ou pensamentos de acordo com as suas conveniências.
Não posso deixar de concordar com a lei, creio até que ela deveria ser mais apertada e limitar ainda mais a permanência no poder, à semelhança do que acontece com o cargo de Presidente da República. Mas não me refiro só aos cargos políticos, em muitas outras instituições isso seria benéfico. Acredito que a permanência duradoura num certo cargo leva a uma certa acomodação, um desleixo em ter novas ideias e desenvolver novos projetos. Muitos dos seres humanos têm este pequeno defeito (se calhar temos todos). Acabamos sempre por nos acomodar à vida, se calhar vencidos pelo cansaço, muitas vezes resignados ao reconhecimento que sentimos merecer, e não temos.  
Independentemente da importância e estatuto que um cargo possa ter, deverá ser o nosso trabalho, a nossa atitude e a nossa competência, a face visível do respeito e consideração que merecemos. Como li em tempos, algures nos manuais de liderança da universidade, um verdadeiro líder não tem necessidade de submeter os outros, deve ter qualidades morais que os atraiam.

Crónica publicada na edição 229 do Notícias de Coura, 18 de junho de 2013.

terça-feira, 21 de maio de 2013

O Festival, é a vossa ameaça

Agora que o sol parece estar finalmente de volta às nossas vidas, é altura de colocar algumas palavras na sombra, dando um sentido literal ao nome destas crónicas, e fazendo-o inspirado pelas muitas visitas que tenho feito nos últimos dias a um local estranhamente encantador, a praia fluvial do taboão.

Em poucas palavras: imaginem um rio de águas frias, mas límpidas, algumas pequenas quedas de água, árvores que o acompanham, pontes que o atravessam, uma imensidão de espaço verde, juntem-lhe o silêncio e o ar puro, e sejam bem-vindos ao paraíso.

Ter este espaço aqui tão perto de casa, e saboreá-lo 12 meses por ano, é uma dádiva! Ups… 12 meses não, afinal são só 11!

Há uma altura no ano em que tudo se transforma!

Por alturas do verão, começam a chegar dezenas de camiões, centenas de quilómetros de cabos elétricos, milhares de watts de som, palcos gigantes com luzes psicadélicas, são centenas de técnicos a trabalhar para preparar um festival. E depois?! Bem, depois, quando começam a chegar as pessoas, os visitantes, os festivaleiros, é que a coisa fica mesmo impossível de descrever. São aos milhares, vêm de todos os lados do mundo, a pé, de autocarro, de caravana, de mota ou bicicleta, tomam conta de todos os espaços verdes e decoram-no com as suas tendas de campismo, montam as suas próprias casas de férias e provocam um impacto visual na paisagem, absolutamente assustador.

É nesta altura que o silêncio vai de férias, e aqui para nós que “ninguém nos ouve”, o silêncio também merece um pouco de descanso.

A praia fluvial do taboão ganha um novo encanto. E Paredes de Coura, ganha um lugar de destaque no país. Sei que muitos discordam e até se zangam com a ideia mas, a verdade é que existem milhares de portugueses e mesmo estrangeiros que conhecem Paredes de Coura, graças “a um” festival de música. Eu mesmo, “qual pecador me confesso”, quando soube que vinha trabalhar para aqui, só me lembrava de ter ouvido falar disto, por causa do festival. Ainda hoje, quando longe daqui digo que estou a trabalhar em Paredes de Coura, muitos respondem: Ah, é onde há um festival, não é?

E qual é o mal disto? Perguntarão vocês! Não é nenhum, aposto que há centenas de vilas e cidades por esse país fora que davam tudo para ter uma coisa assim!

Segundo dados da organização, o festival de 2012 contou com 85000 espetadores, nos cinco dias do festival. Durante alguns dias, a vida na vila transforma-se em absoluto. Os locais para estacionar são raros, as esplanadas são poucas para tanta sede, as prateleiras dos supermercados são completamente esvaziadas, acredito que os fornos das padarias não devem parar de produzir para saciar tantas bocas ávidas de sustento. Há filas na estação dos correios, nas caixas multibanco, nas casas de banho e em todos os locais a que se queira ir. Não sei quanto dinheiro fica em Paredes de Coura, mas tenho a certeza que é uma fonte de oxigénio para muitos negócios. Ainda mais, nestes anos de crise que vivemos, e que ameaçam prolongar-se no tempo.

Perante estes números, não consigo perceber como é que existem ainda vozes críticas quando se fala em apoiar esta iniciativa! Conseguem imaginar alguma alterativa que gere esta riqueza? Conseguirão inventar uma forma de durante uma semana multiplicar por quase 10 a população residente?

Não creio.

Enquanto o silêncio ainda reina por estes lados, ouvem-se algumas ideias vindas das árvores e das plantas da praia fluvial do taboão:

Preparem-se! Eles estão quase a chegar! Não se limitem a aumentar o stock de cerveja e a encher um pouco mais as prateleiras! Saiam das vossas lojas, criem espaços de vendas pelas ruas, contratem vendedores ambulantes, levem os produtos onde os clientes vagueiam, não esperem… vão!

Lembram-se de em janeiro deste ano ter havido um acidente na auto-estrada A1 devido ao despiste de um camião que transportava animais, e da mesma ter estado cortada ao trânsito várias horas? Ouvi dizer que lá pelo meio das centenas de carros bloqueados, estava uma carrinha carregada de bolos. O motorista, transformou a ameaça de ficar com um carregamento de produtos estragados, numa oportunidade única de os vender, e assim o fez, esgotou o carregamento num ápice!

O festival de Paredes de Coura é a vossa ameaça. Os milhares que vos visitam são a vossa oportunidade!

Crónica publicada na edição 227 do Notícias de Coura, 14 de maio de 2013.

terça-feira, 23 de abril de 2013

D. Dinis em Linhares

Se no último artigo recuei 650 anos e recordei convosco as aventuras de amor de D. Pedro e D.ª Inês de Castro, desta vez vou ainda mais longe, numa longa cruzada até ao ano de 1279.
Com apenas 17 anos, subia ao trono do nosso reino D. Dinis. Dele todos se lembram do cognome “o lavrador”, e pelo mito de ter mandado plantar o pinhal de Leiria. A verdade é que este começou a ser semeado no reinado de D. Afonso III, seu pai. D. Dinis, teve o mérito de intensificar a sua expansão, contribuindo decisivamente para a importância deste pinhal, não só como uma barreira contra o avanço das areias, protegendo assim as terras agrícolas, como também sendo fonte de madeiras para a construção das embarcações que proporcionaram os descobrimentos marítimos portugueses.
Mas seria injusto recordá-lo apenas por isto. Foi um dos principais responsáveis pela criação da identidade nacional, instituiu a língua portuguesa como língua oficial da corte e criou a 1.ª universidade portuguesa, libertou as ordens militares, fundou a marinha portuguesa e tomou importantes medidas que visavam o desenvolvimento económico, redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias comunidades rurais, assim como inúmeros mercados e feiras. Um último facto curioso, pensa-se ter sido o primeiro monarca português alfabetizado.
D. Dinis é ainda hoje reconhecido como um homem de elevada capacidade governativa, tendo sido percursor de uma política proativa, não tomando as decisões ao acaso, nem reagindo às necessidades do momento. A sua ligação à terra visava a construção de sólidos alicerces para as gerações futuras.
A razão desta estranha viagem ao reinado de D. Dinis é fácil de adivinhar para os leitores, e muitos já estão decerto a ver semelhanças entre estes tempos, e os tempos que se vivem na freguesia de Linhares.
Nunca será demais escrever sobre as iniciativas, verdadeiramente inovadoras que nos últimos anos têm sido tomadas pelos responsáveis autárquicos desta freguesia. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi falar delas, nomeadamente da distribuição de pintainhos pelos habitantes. Muita gente se riu é claro, a iniciativa era engraçada e nunca se tinha ouvido falar em tal coisa. Se calhar, também eu me ri, mas fiquei atento e fui lendo nos jornais e nos blogues o que se passava nesta freguesia tão particular. O trabalho era afinal muito simples: as receitas da junta de freguesia que provinham da exploração dos baldios, quer de rendas, quer da venda de madeiras, em vez de serem gastas em obras da junta, eram redistribuídas pela população, regressavam diretamente à terra, promovendo dessa forma o desenvolvimento rural e travando o abandono da aldeia. Que coisa tão simples, pensaram de certeza muitos, mas procuram-se exemplos semelhantes por este país, e eles escasseiam.
Depois das sementes, vieram os pintainhos e há pouco tempo, os porcos. É claro que existe uma contrapartida, para receber este incentivo é necessário semear um campo de milho. A falta de equipamentos agrícolas também não é desculpa, uma vez que a freguesia dispõe de um trator comunitário que cada família pode usar. Parece que pensaram em tudo!
Mas então, nesta freguesia só se preocupam com a agricultura e com a pecuária? A resposta volta a surpreender: Não.
Nesta freguesia, os habitantes com mais de 65 anos recebem, todos os anos, um carregamento de lenha para garantir o aquecimento da casa. Os alunos são apoiados financeiramente com a aquisição de material escolar e com a existência de um centro de explicações gratuito, dois sábados por mês, com professores que ajudam os alunos a estudar, especialmente português e matemática. A sede da junta transforma-se também em consultório médico uma vez por mês, onde um médico e uma enfermeira prestam serviços de despiste e prevenção de doenças.
Não é preciso muito mais para se conseguirem vislumbrar as semelhanças entre D. Dinis e o Sr. Amândio Pinto, presidente da Junta de Freguesia de Linhares. Ambos mostram uma forte ligação à terra, uma preocupação em criar alicerces sólidos para as gerações futuras, uma assinalável capacidade governativa, em prol do povo e da terra.
Como é natural, volto a questionar: - Será isto assim tão difícil de fazer?
Se a resposta é Não, qual a razão de não existirem mais exemplos destes no país?

Fontes consultadas: página web da região de turismo Leiria – Fátima e página web do Jornal Público de 15/01/2013)

Crónica publicada na edição 225 do Notícias de Coura, 16 de abril de 2014.

terça-feira, 12 de março de 2013

Inês-de-Castro

Todos quantos andaram na escola, lembram-se certamente de um dos episódios mais tristes, mas também mais belos da história de Portugal: o amor de D. Pedro e Inês de Castro. Para os mais esquecidos, aqui fica uma breve lembrança:
Estávamos em 1340 quando Inês de Castro chegou a Portugal. Era aia de D.ª Constança que vinha para casar com D. Pedro, herdeiro do trono português. Pouco tempo depois, D. Pedro apaixona-se perdidamente por Inês, e nem o nascimento do seu 1.º filho, fruto da relação legítima com a sua mulher Constança, faz esbater este sentimento. O Rei D. Afonso IV não gosta das atitudes do filho, teme que as relações com Castela se tornem demasiado débeis, e manda exilar Inês de Castro da sua corte em 1344. Em 1345 D.ª Constança morre, D. Pedro fica viúvo e livre para fazer de Inês de Castro sua mulher, mas nada disto parece suficiente para alterar as vontades do seu pai, o Rei. Este não consegue defender-se das pressões dos seus conselheiros, e acaba por mandar matar Inês de Castro em 1355. Em 1357 D. Pedro foi aclamado Rei e pouco tempo depois anunciou que se tinha casado com Inês de Castro antes da sua morte. Os assassinos de Inês de Castro foram capturados e brutalmente executados. Conta a tradição que D. Pedro mandou desenterrar o corpo da amada, coroando-a como Rainha de Portugal, obrigando os nobres a proceder à cerimónia do beija-mão real ao cadáver. A prova deste amor é ainda visível hoje no Mosteiro de Alcobaça, onde os túmulos dos dois se encontram lado a lado, para que, “no dia do juízo final, os eternos amantes então ressuscitados, se vejam imediatamente”. D. Pedro reinou durante 10 anos e foi tão popular ao ponto da população dizer “que taes dez annos nunca ouve em Portugal”.
Estamos em 2013, passaram mais de 650 anos, e os tempos que vivemos aproximam-se de forma assustadora do final desta história, senão vejamos:
- Existe um 1.º ministro, que por coincidência, ou talvez não, também se chama Pedro, apaixonou-se pelo país e com a bênção do povo, conseguiu casar-se com ele. Entretanto, vinda de reinos mais longínquos que os de Castela chegou a Troika. Esta, não se apaixonou por Pedro, mas conseguiu convencê-lo que era a conselheira essencial para fazer perdurar o seu amor por Portugal. As suas palavras, conselhos e indicações foram de tal modo convincentes que Pedro, tudo fez e tudo deu. Algumas vezes, com receio que a nova conselheira o abandonasse, até superou as suas exigências, castigando aqueles que tinham feito mal à sua amada.
E assim se foram passando os primeiros anos, Pedro estava tão absorto na sua missão, que se esqueceu de olhar para a sua amada, de lhe falar, de a questionar sobre os seus desejos, sobre o seu estado, no fundo, de lhe perguntar: - Como te sentes?
Um dia, a conselheira vai despedir-se de Pedro e dizer-lhe: obrigado, fizeste tudo quanto te foi pedido. E então Pedro vai voltar-se para a sua amada, para o seu país, e perceber horrorizado o que aconteceu. Vai compreender que todos os que foram castigados, se calhar não o mereciam, ou pelo menos não eram eles os principais responsáveis por tudo o que de mal tinha acontecido. O povo tem alguma culpa do estado do país, se calhar até tem muita culpa, mas não pode ser ele o único visado. Pedro vai perceber, quando olhar para as metas colocadas pela Troika que cumpriu com distinção o que lhe foi pedido. O défice vai estar controlado, as contas públicas minimamente estáveis, a máquina do estado mais leve e funcional, e até as agências internacionais, aquelas que gostam de nos classificar como “lixo”, vão acreditar mais em nós. Mas vai perceber também, que estará casado com um país moribundo, pobre, desanimado e demasiado frágil para viver histórias de amor.
Gostava que Pedro acordasse a tempo de impedir uma nova história como a primeira que contei. Não gostava de o ver casado com um país morto, não gostava de daqui a 650 anos ver os seus túmulos lado a lado, não gostava de o ver durante 10 anos nos destinos do país, sob pena do povo voltar a dizer “que tais dez anos nunca houve em Portugal”.
Vejo-me obrigado a esclarecer alguns dos leitores destes meus textos, que escrevo sem qualquer disfarce cultural, sem qualquer orientação política ou preferência clubística. Quando em causa está o país, e principalmente as pessoas, tudo o resto não tem importância nenhuma.
Para estimular a vossa curiosidade, e criar em todos o desejo do ler o meu próximo texto, ficam para uma próxima crónica as interessantes semelhanças entre o Portugal do reinado de D. Dinis e a freguesia de Linhares em Paredes de Coura.

Crónica publicada na edição 223 do Notícias de Coura, 5 de março de 2013.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

As Comédias do Minho

Quando em 2006 cheguei a Paredes de Coura, uma das coisas que me surpreendeu foi a riqueza e diversidade de atividades que a agenda cultural apresentava. Depois, tive oportunidade de saber da existência de um Centro Cultural, um edifício espantoso, com uma sala de cinema, sala de exposições, e uma gigantesca sala de espetáculos. Pensei que estava perante uma coisa de difícil explicação: - Como é que um concelho pequeno, e tão distante dos grandes centros urbanos, conseguia investir desta maneira na cultura, uma das áreas que raramente é considerada prioritária nos esforços de desenvolvimento de um país?

Mas a admiração sentida por tudo isto não é comparável à que senti quando verifiquei que em Paredes de Coura existia teatro. E não estava anunciado um mero espetáculo, as atuações espalhavam-se pelas freguesias do concelho e visitavam também as freguesias dos concelhos vizinhos. Se a cultura é muitas vezes o parente pobre dos governos, o teatro então, é quase sempre o parente pobre da cultura.

- Como é que era isto possível? – Será que tinham público? – Como conseguiam sobreviver, se ainda por cima, não cobravam bilhetes?

Para que o meu espanto não ficasse por aqui, soube então que existia uma companhia de teatro sediada em Paredes de Coura, que fazia parte de um projeto de colaboração entre 5 municípios* do Vale do Minho e que, tinha como um dos propósitos da sua existência, levar o teatro às populações. Ao que parecia, este projeto não se caracterizava só pela existência desta companhia de teatro, existia também uma área de intervenção comunitária e um projeto pedagógico. Este último proporcionava ações de formação e ateliês de teatro para professores e alunos e muitos trabalhos direcionados aos alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico.

Admirável, pensei, mas ousado e com uma probabilidade de sucesso extremamente difícil.

Obviamente que comecei a assistir às peças de teatro e fiz questões de ir ver algumas apresentações às freguesias mais distantes e inóspitas do concelho. Muitas vezes, as noites estavam mais frias nas improvisadas salas de espetáculo das associações ou juntas de freguesia, que propriamente sob as estrelas da noite. E ainda assim, os atores lá estavam, com um profissionalismo de louvar, quer estivessem perante meia dúzia de espetadores, quer estivessem com uma sala cheia. Passados estes anos, muitas das salas continuam frias e até desconfortáveis, mas o público foi definitivamente conquistado, e os lugares vazios são praticamente inexistentes.

Ao longo destes anos tive oportunidade de conhecer a fundo o trabalho desta companhia e um dos seus graus de intervenção mais visíveis, o projeto comunitário, um trabalho feito com as associações e os grupos de teatro amadores dos concelhos. Uma vez por semana, os grupos trabalham com um ator da companhia, um trabalho de formação e de preparação para um espetáculo de teatro a apresentar à comunidade. (- Em quantos municípios deste país é que se poderá ter o prazer de contar com a formação gratuita de um ator profissional?)

Em 2011 nasceu o 1.º Fitavale, festival itinerante de teatro do Vale do Minho. O objetivo era permitir aos grupos amadores conhecerem o trabalho dos outros, durante 3 dias, todos os grupos atuam num concelho que não é o seu, e atrás deles viajam os amigos, e os atores das outras companhias. O público do Fitavale cresce a olhos vistos, acompanhado do público que já se tornou fiel do trabalho das Comédias do Minho. Depois do que vimos na 2.ª edição, há uma enorme expetativa para a 3.ª edição. Alguns, já acham necessário prolongar este festival no tempo, pois 3 dias é muito pouco! Os mais ousados já não o conseguem ver preso nas fronteiras do país!

O sucesso deste projeto deve-se a muita gente, todos eles sabem quem são, pelo que não é necessário citar nenhum nome. Mas mais que os nomes, são as intenções e a capacidade de trabalho de todos. Se tivesse que referir um nome, obviamente referia aquele que mais vezes é citado nas reuniões, nas entrevistas e nas publicações: “Comunidade”. O trabalho das Comédias do Minho é feito para a comunidade, mas principalmente, com a comunidade. Daí advém muito do seu sucesso, daí advém a responsabilidade que a comunidade tem na sustentabilidade deste projeto. A influência do trabalho das Comédias do Minho já se sente nas populações, especialmente nas camadas mais jovens, o seu trabalho ficará eternamente marcado nesta geração. Será isso que fica para o futuro, e a crer nas palavras da escritora sueca, Selma Lagerlöf, talvez fique o melhor, porque “a cultura, é tudo o que resta depois de se ter esquecido, tudo o que se aprendeu.” 

* Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.

Crónica publicada na edição 221 do Notícias de Coura, 5 de fevereiro de 2013.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O mundo em 2012

Quando os leitores estiverem a ler este artigo, já estaremos em 2013. Avizinha-se um ano difícil, não pelo facto do número 13 trazer uma pontinha de superstição, mesmo para aqueles que não acreditam em tais devaneios, mas especialmente, por tudo o que aconteceu em 2012. E aquilo que aconteceu, foi tanto que não me atrevo a enumera-lo, sob pena de ficar tão preocupado com o que aí vem, que teria de parar de escrever, desligar o computador e apagar as luzes, para adiar um futuro incerto, e já agora poupar uns tostões na conta da eletricidade.
O nosso pequeno país vive momentos tensos, as sucessivas promessas de austeridade e adiamentos da recuperação económica aliadas ao aumento do desemprego e dos impostos, trouxeram uma agitação social há algum tempo esquecida das nossas mentes e desaparecida das nossas ruas. O povo está descontente e tem razões que a razão conhece muito bem. Mais do procurar culpados, pois todos sabemos muito bem quem eles são, há que procurar, e encontrar soluções. A crise económica não deve trazer associada uma crise de valores, está na altura de sermos sérios, trabalharmos honestamente, trabalharmos ainda mais e talvez a luz ao fundo do túnel possa começar a brilhar, ainda que muito levemente. Talvez possamos ir buscar um bocadinho desta luz à cidade de Guimarães, que foi durante um ano a Capital Europeia da Cultura e que presenteou todos quantos a visitaram, com excelentes e variados espetáculos. Mais uma vez mostrámos que quando queremos, somos grandes, somos extraordinários, e provámos a importância de apostar na cultura. O nosso ano de 2012 foi de facto diferente, mas por esse mundo fora a situação não foi assim tão diferente do que costuma ser, tirando o caso da Grécia, do qual, Deus nos livre, senão vejamos:
- Os homens continuam em guerra. Este ano a Síria foi talvez a recordista de notícias, sem contar com a permanente tensão entre Palestinianos e Israelitas, estes infelizmente, condenados a ser notícia ano após ano.
- Nos Estados Unidos o cenário é sempre o mesmo, furacões devastadores, massacres em centros comerciais, escolas e universidades; já não basta a sentença implacável da natureza, e os homens ainda são castigados pela loucura dos seus semelhantes.
- Ainda nos Estados Unidos, a NASA foi notícia pela chegada a Marte do robô Curiosity, um verdadeiro “feito tecnológico sem precedentes”, segundo palavras do presidente Obama. Espero bem que o robô vá equipado com um potente telescópio que permita observar o nosso planeta, e ter consciência do tanto que ainda há cá por fazer.
- Do Congo e do Iémen vêm notícias de pobreza e fome, somos assim acordados para este problema, pelas fotografias chocantes de crianças subnutridas. Estamos no século XXI, o avanço tecnológico é imparável, mas incapaz de acabar com a necessidade mais básica do ser humano.
- O Tibete continua a sua cruzada, talvez inglória, contra o domínio chinês, este ano marcado pelas dezenas de imolações de jovens tibetanos que dão a vida, na incessante busca da libertação do seu povo.
No momento em que termino de escrever este artigo, são quase 23 horas do dia 31 de dezembro de 2012, e entre os milhares de mensagens e fotografias que se publicam e partilham no facebook, entre desejos de amor e paz, saúde, felicidade e dinheiro, alguém escreve: 12 meses se passaram… E o que realmente valeu a pena?
A resposta mais simples que me atrevo a dar é: TUDO. Quando se chega a um determinado destino é porque se fez um caminho para lá chegar. Com o tempo, é a mesma coisa. Um dos provérbios chineses mais conhecidos é aquele que por muitos é considerado como o ensinamento de uma vida, diz-nos que, “O passado é história, o futuro é desconhecido e o hoje é uma dádiva (é por isso que se chama presente!). Por isso, tudo valeu a pena, porque tudo o que se fez teve uma razão, um propósito e uma consequência, e se não tivesse sido dessa maneira, seria decerto de uma outra qualquer, e o resultado, impossível de prever, e aqui é que está a magia da vida!
Por fim, resta-me exprimir os desejos para 2013! Como os desejos ainda não são tributados, vou dar-me ao luxo de desejar muitas coisas e partilhar com os leitores duas delas. Espero bem, estar daqui a um ano a escrever outro artigo para o Notícias de Coura, será sinal de saúde e paciência dos leitores, e de força e imaginação de mim próprio. Espero também não ter vontade de fazer um balanço de dificuldades e preocupações, e olhar para o país e não ver fome e miséria, para que nunca mais ninguém nos venha dizer que “não tivemos o Natal que merecíamos”, mas que teremos o Natal que merecemos.

Crónica publicada na edição 219 do Notícias de Coura, 8 de janeiro de 2013.