terça-feira, 26 de dezembro de 2017

As fitas de Natal

Chegou o Natal. A época dos inúmeros jantares, da procura da felicidade nos centros comerciais, a época em que os mais desfavorecidos são por momentos lembrados… enfim, a mim parece-me que é tudo uma desculpa para o ser humano mostrar que é bonzinho… quando na verdade, não é. 
Nesta altura, iluminam-se as árvores e as ruas, decoram-se as casas e contribui-se para que os lucros da EDP sejam mais significativos! 
E por falar em decoração de ruas, acabei por me safar mais uma vez e encontrei na minha um assunto para escrever esta crónica. E graças a quem?! À Ana. A tempestade que ontem à noite passou por aqui. (Estou a escrever isto na manhã de segunda-feira, dia 11). Tenho a rua cheia de plásticos dourados… de onde terão vindo eles? Ohhhh lá se foi a decoração de Natal da Rua principal da Vila. Ainda lá não passei, mas por aquilo que vejo pela “estrada fora” … as decorações devem estar bastante danificadas. 
Sobre as decorações, muito se tem escrito no Facebook: “Não tem graça nenhuma; Que tristeza, temos de meter uma máscara; Rua muito escura; É bonita para a fotografia; Rua barulhenta; Não tem nada a ver com o Natal; Deus que é Deus não agrada a todos.” 
Como se pode ver, há muita gente que não gosta, mas também há muita que gosta e que se pronuncia a favor das mesmas: “Está lindo, eu gosto; Nunca estão contentes com nada; Então os Courenses não gostam de modernices?” 
Enfim… uma coisa é certa, que deu que falar, deu. Que a imagem brilhante que projeta à noite é bonita, é. Que torna a rua sombria e barulhenta, torna. Mas que raio… então onde está o “Espírito de Natal”? Quer se goste ou não… deixem-se lá de discussões que não levam a lado nenhum. E quem tiver melhores ideias, apresente-as… estou certo que os responsáveis não vão deixar de vos ouvir. 
Como por certo estarão alguns a pensar, “lá escreveu ele meia dúzia de linhas sobre as fitas de Natal, e safou-se com mais uma crónica escrita e enviada a horas”, e estão mesmo certos… mais uma vez, fui salvo por um acaso! E nada melhor do que terminar com a frase que a criadora* da decoração publicou na sua página de Facebook, juntamente com a fotografia da Rua Conselheiro Miguel Dantas já decorada: “Felicidade é quando aquilo que construímos, brilha mais do que aquilo que projectamos!” 

* Madalena Martins é a artista criadora das instalações que nos últimos anos têm decorado a vila de Paredes de Coura.

Crónica publicada na edição 382 do Notícias de Coura, 19 de dezembro de 2017.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

O jantar

Terminou há uns dias a Web Summit 2017. Paddy Cosgrave, mentor do evento, fez um balanço claramente positivo do evento, assinalando os mais de 59 mil assistentes de cerca de meia centena de países. Assinalou ainda a presença de 35% de mulheres na categoria de “bons speakers”. Para rematar, classificou de “muito interessantes” as delegações de Angola ou Moçambique. Num mundo que se quer pacífico e tolerante, é estranho continuar a existir esta necessidade de assinalar a percentagem de mulheres num evento, e de dar um elogio à presença de países mais “pobres”, normalmente do continente africano. Tirando estas, e outras tiradas, o evento foi um sucesso, consegue trazer milhares de pessoas ao nosso país, fica cá algum dinheiro (mais de 200 milhões segundo as previsões do Ministro da Economia), e dá uma enorme visibilidade ao país. Pena é o astronómico preço dos bilhetes… preços mínimos de 700 € para visitantes! Embora tenha sido lançada uma campanha para jovens com preços de 7,5€, este é um evento que definitivamente não é para todos, muito menos para os portugueses. 
O Web Summit acabou. De que é que se tem falado?! … Do jantar! 
Pois é. A organização do evento teve a “infeliz” ideia de alugar o Panteão Nacional para um jantar de gala. Desde 2014 que é possível alugar espaços públicos para eventos (e eu acho muito bem que o país saiba rentabilizar os seus monumentos, embora pense que alguns deviam estar de fora). Nesse despacho, aprovado pelo anterior governo, está bem explícito que “todas as actividades e eventos a desenvolver terão que respeitar o posicionamento associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido". Perante isto, o primeiro-ministro António Costa considerou “absolutamente indigna a utilização do Panteão Nacional para um jantar inserido na Web Summit”. E tem razão. O que ele se parece esquecer, ou finge esquecer, é que alguém teve de dar autorização para esse jantar, e não me parece que neste aspeto possa apontar o dedo ao anterior governo. Entretanto, a diretora do Panteão já veio dizer que “a autorização para o jantar foi dada por quem tem que autorizar, ou seja, a Direção Geral do Património Cultural”. Ponto final. 
Isto de jantar no Panteão não é de agora. Pelos vistos, já em 2013 a Associação de Turismo de Lisboa lá realizou um evento do género, para dar visibilidade ao fado. Nessa altura, António Costa era o Presidente da Câmara de Lisboa e liderava por inerência a dita associação, mas não teve conhecimento. A mim parece-me que foi indigno realizarem um jantar e não convidarem o seu líder e presidente da autarquia. Mas eles lá sabem. 
Para terminar, o governo já garantiu que vai mudar a lei. Fazem muito bem. Façam-no depressa. Não vá alguém lembrar-se de alugar o Panteão para o Festival da Canção.

Crónica publicada na edição 329 do Notícias de Coura, 21 de novembro de 2017.

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Eleições, o que (me) fica de mais um ato eleitoral?

A grande vantagem dos atos eleitorais, além da óbvia faculdade dos cidadãos escolherem quem os governa, é a fonte quase inesgotável de notícias para os órgãos de comunicação social. Destas eleições, ficam-me 3 coisas: 

1. A nível nacional aconteceu o que estava mais ou menos previsto: o PS ganhou, ganhou mesmo, não é necessário modelar o discurso. Os outros partidos também ganharam! O PCP perdeu 10 câmaras, mas pelo discurso do seu líder continua a mostrar a sua força na defesa dos direitos dos trabalhadores! (Isto de apoiar uma solução governativa do PS tem custos!) O BE não perdeu nenhuma câmara, mas também não tinha nenhuma! Conseguiu eleger um vereador em Lisboa… que vitória! O CDS mostrou ao país a sua força e representatividade ao ficar em 2.º lugar… em Lisboa! Queres ver que o resto é paisagem?! Então e o PSD? Bem, desta vez alguém perdeu mesmo. Tal como ele em tempos anunciou, chegou o “Diabo”, e a Passos Coelho não lhe restou outra alternativa que entregar o partido a outros. (E Santana Lopes está de regresso… mais probabilidades de se arranjar assunto para escrever uma crónica!) 

2. Em Paredes de Coura… “Furacão Vítor Paulo”, como noticiou este jornal na sua última edição. Obter mais de 76% dos votos e ocupar os 5 mandatos da Câmara Municipal só é surpresa para quem não conhece a realidade local. E se assim continuarem… não me admirarei nada que daqui a 4 anos venham ainda a obter uma maior percentagem de votos. (E julgo que nem precisa da vantagem de ter um PSD que desaparece durante quase 4 anos, e se apresenta a eleições com um candidato… desconhecido*.) 

3. Preocupado com as habituais elevadas taxas de abstenção, o Governo está decidido a impedir a realização de jogos de futebol em dias de eleições. Eis que de repente me quer parecer que o voto, esse instrumento conquistado a pulso pelos nossos antepassados, deixa de ser um direito e um dever cívico para se tornar numa obrigação. Aliás, pior do que se tornar uma obrigação é transformar-se num fator limitativo da liberdade de cada um. E já agora?! Só se vão impedir a realização e jogos de futebol? Então e todas as outras manifestações culturais, religiosas, sociais, que têm a capacidade de movimentar milhares de pessoas para longe das suas residências? Imaginem só se tal medida já estivesse em vigor nestas últimas eleições autárquicas? O ex-Presidente Cavaco Silva não poderia ter ido à Escócia a um casamento de um familiar! Um aborrecimento. 

* O autor usou a palavra desconhecido propositadamente. Apesar de não conhecer o Sr. Venâncio Fernandes, ouvi dizer que é natural do concelho e certamente conhecido de muita gente. Mas nestas coisas das autárquicas, ser conhecido é estar presente na terra, aparecer nos eventos, ter um papel interventivo nos órgãos e dar-se a conhecer. E não é na campanha, é durante 4 ou 8 anos. Quando os cartazes são colocados, não pode haver ninguém que exclame: “Quem é este?”

Crónica publicada na edição 327 do Notícias de Coura, 24 de outubro de 2017.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

16 anos depois

São seis da manhã do dia 11 de setembro de 2017. Saio da cama sem sono, lá fora uma chuva miudinha refresca o jardim, o nevoeiro torna a paisagem misteriosa. Já que não tenho sono, vou aproveitar para trabalhar. A população em geral não imagina que antes das aulas começarem os professores têm dezenas de reuniões de trabalho, mas não vou falar de escola, chega. 
Vamos lá trabalhar então... ups... esqueci-me de escrever a crónica para o Notícias de Coura. Hoje é o último dia do prazo, é um prazo que não é imposto, mas que eu gosto de cumprir, e se até agora nunca falhei, não é hoje que isso vai acontecer. Como estou sem ideias, o que já não é novidade nenhuma, vou espreitar a Internet à procura de notícias sobre Paredes de Coura. Festival foi um sucesso (lógico); assembleia municipal com acusações de pressões e mudanças de cores politicas (não me interessa); Casa Grande Romarigães vai ser alvo de um projeto de recuperação (acho muito bem); congresso sobre alimentação vegetariana (excelente iniciativa); ... e volto ao mesmo, não encontro nada que me sirva de inspiração. 
Mas como sempre me tem acontecido, algo acontece que me ajuda. Perante a minha preocupação e angústia, a minha cara metade, acordada pelo meu súbito desaparecimento, lembra-me que “Hoje é 11 de setembro... podias escrever tanta coisa sobre isso!*”. E assim se recuam 16 anos, parece que foi ontem... lembro-me tão bem de estar a ouvir as notícias, e depois ver a tragédia em direto... 
Entrar em grandes considerações sobre as consequências dos atentados seria cansativo, o mundo mudou radicalmente desde esse dia. O dia em que a América percebeu que afinal, somos todos vulneráveis, quando há alguém disposto a fazer-nos mal. Infelizmente, continuam a existir cada vez mais “loucos” dispostos a morrer, para matar em nome de um “Deus” ou de uma causa qualquer. A Europa tem sido fustigada por atentados, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha... nenhuma grande potência parece escapar. Como em muitas outras coisas, Portugal continua a ser um cantinho sossegado e esquecido. Será que devemos ter medo? Evitar grandes concentrações e espaços públicos? Na verdade, passamos tanto tempo “sozinhos”, agarrados às redes sociais, que a probabilidade de nos apanharem na rua tem diminuído drasticamente. Será que o 11 de setembro nos tornou mais isolados? Sem dúvida. Será que nos fez sentir mais medo? Claro que sim. Será que alguma coisa mudou para melhor? Não creio... desencadeou-se uma guerra global aos grupos terroristas e muitos foram apanhados e mortos, mas ainda assim, não me parece que quase três mil mortos tenham sido um preço justo a pagar pelo que quer que seja. 

* Obrigado Graça Silva. Já sabes que se daqui a mais ou menos um mês eu sair da cama de madrugada, talvez precise de ajuda para escrever mais uma crónica!

Crónica publicada na edição 325 do Notícias de Coura, 19 de setembro de 2017.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Um país a arder

1.º) A arder por causa dos incêndios 
No passado mês de junho Portugal viveu uma das mais dramáticas tragédias dos últimos anos. Um incêndio no concelho de Pedrógão Grande fez 64 mortos e mais de 200 feridos. Já passou mais de um mês. Conclusões até agora são muito poucas. Responsáveis? Já sabemos muito bem como acabam estas coisas em Portugal, responsáveis não há, por certo ninguém será acusado ou culpado. Mais uma vez, desgraçados dos que morreram e dos que cá ficam a sofrer a sua ausência. 
Logo nas primeiras horas alguém afirmou que o incêndio foi provocado por um raio, e até já tinham identificado a árvore atingida. Pelos vistos, tudo mentira, as trovoadas secas ocorreram horas depois do início do fogo. Pouco depois, a Sr.ª Ministra da Administração Interna lamentava a falha do SIRESP, pois “ardeu-nos a fibra”, disse ela. Sabe porque razão ardeu a fibra Sr.ª Ministra? Porque estava colocada por via aérea, em postes de madeira pelo meio da floresta. Sabe que a fibra já está a ser reposta Sr.ª Ministra? E sabe como? Pois é verdade, estão a colocar novos postes e vão voltar a colocá-la por via aérea, pelo meio da floresta. Mas agora já ardeu tudo não é? Já não há problema. Obviamente que não é a demissão de uma Ministra que vai resolver o problema, é preciso tomar medidas, e perguntar a quem sabe, a quem está no terreno. E pelos vistos isso não está a ser feito. Mais, nos últimos dias temos ouvido falar na lei da rolha, “Os comandantes de bombeiros estão proibidos de dar informações sobre os incêndios.” Quem vai dar os esclarecimentos é a Proteção Civil, pois afinal são eles que percebem de incêndios, os bombeiros não percebem nada disso. Talvez até se justifique esta decisão, talvez se ninguém falar de incêndios eles desapareçam. 

2.º) A arder por causa das armas 
Entretanto, a base militar de Tancos foi notícia por terem sido assaltados os seus paióis e roubado algum material de guerra. Mas neste caso houve logo consequências, cinco militares com responsabilidade na segurança foram logo exonerados. Entretanto já foram reconduzidos de novo às suas funções, isto apesar de sabermos que na altura do roubo não havia militares a vigiar as instalações e o sistema de videovigilância estar avariado há cinco anos. Segundo o Sr. Ministro da Defesa a situação não é para alarme, pois roubos destes, diz ele, são frequentes, e o valor é de apenas cerca de 34 mil euros, alem de que muitas das armas estariam obsoletas. Alguém avise os ladrões, não se vão eles aleijar e exigir uma indemnização ao Estado Português. 

3.º) A arder por causa dos ciganos 
André Ventura, candidato autárquico a Loures, apoiado pelo PSD e pelo CDS/PP retratou os ciganos como vivendo "acima da lei" e "quase exclusivamente dos subsídios do Estado". O país ficou chocado, as redes sociais inundaram-se de violentos ataques, o CDS/PP retirou o apoio ao candidato e a esquerda em peso insurgiu-se perante tão injustas e deploráveis declarações. Eu até compreendo alguma desta exaltação. Aquilo que me custa a ouvir é o tom de superioridade moral do PCP, um partido que defende ditaduras responsáveis por milhares de mortos e que há bem pouco tempo declarou estar solidário com o regime da Venezuela, apoiando Nicolas Maduro e condenando a "criminosa campanha de ingerência e de desestabilização do imperialismo e das forças da reação interna", isto é, o povo. Tenham vergonha meus senhores, tenham vergonha. 

4.º) A arder por causa dos festivais 
Para acabar com algo positivo, estão aí (aqui) os festivais de verão, de norte a sul, do interior ao litoral, os festivais enchem-se de jovens de todas as idades, de artistas de todas as origens e fazem mexer as terras, estimulam a economia, melhoram o “astral” do povo. O melhor de todos é de 16 a 19 de agosto, numa praia bem perto de vocês! 

NOTA: Apesar de lhe apetecer, o autor não usou pontos de exclamação nas três primeiras partes desta crónica, por respeito às vítimas dos incêndios. Quem ler, saberá muito bem identificar as ironias presentes naquilo que foi escrito. 

Crónica publicada na edição 382 do Notícias de Coura, 01 de agosto de 2017.


terça-feira, 11 de julho de 2017

O rio que passa em Serpa

No ano letivo anterior, os alunos que frequentavam o 4.º ano de escolaridade safaram-se de realizar exames nacionais de português e matemática. Talvez por isso a taxa de retenções tenha sido tão baixa, talvez por isso as notas atuais de muitos deles sejam tão baixas, talvez por isso os professores do 5.º ano se queixem que muitos deles não deviam ter transitado com tantas competências por atingir. Talvez... ou talvez não. Mas este ano não se safaram... foram sujeitos a uma prova de aferição de história e geografia de Portugal, catorze páginas de questões entre mapas, imagens, ilustrações e muitos quadradinhos, provavelmente para colocar cruzinhas! 
Uma das questões da prova debruçava-se sobre os rios. Fez-me lembrar aquilo que as crianças aprendiam no Estado Novo, tinham de “decorar” os rios, as províncias, as estações de caminho de ferro, da metrópole e das colónias, coisas verdadeiramente importantes! Importa salientar que eu não sou desse tempo, mas ouvi falar, e acredito nas pessoas que me contaram. Eu já sou do pós 25 de Abril, aprendíamos, quer dizer, “tínhamos de decorar” coisas muito mais interessantes, como por exemplo a constituição do granito, quartzo, feldspato e mica! Estão a ver?! Ainda hoje sei! E tem sido extremamente útil na minha vida! 
Voltando à prova, e aos rios, confesso que uma das questões me deixou com dúvidas... embora suspeitasse que era o Guadiana que desaguava em Vila Real de Santo António, não sabia que passava por Serpa! De Serpa, sei que fica no Alentejo, que tem bom queijo (provavelmente bom vinho), e que deve muita da sua expansão ao saudoso Nicolau Breyner. 
E agora pergunto? É importante saber que o Guadiana passa em Serpa? Será assim tão importante saber que desagua em Vila Real de Santo António? E depois... fiquei irritado pois os alunos de Serpa safaram-se todos nesta questão (espero bem que sim!), e os alunos de Coura não tiveram a oportunidade de ter uma questão onde se safassem também, por exemplo: - Qual o rio que passa em Paredes de Coura e desagua na margem esquerda do Rio Minho, em Caminha? Escuta lá, dirão vocês incrédulos: - Isso são conteúdos que eles aprenderam, tinham de saber? Então deixem-me que vos diga: são este tipo de conteúdos que as escolas deveriam ter a possibilidade de escolher para os seus alunos: É muito mais útil aos alunos de Coura conhecer meia dúzia de coisas da sua terra, do que saber os nomes dos rios portugueses, “por aí abaixo”! E lembrei-me ainda dos alunos das regiões autónomas, sabem lá eles onde fica Serpa! O que sei é que, se uma das questões mandasse enumerar por exemplo os nomes das 9 ilhas do Arquipélago dos Açores, mais de 95% dos alunos do continente não atinava nem com dois ou três, quanto mais com nove! 
Outra curiosidade desta prova de aferição está nos critérios de correção. Está nesta e estará certamente em todas as outras. Exemplificando: Se numa questão de escolha múltipla for dada a instrução de colocar uma cruz (X) na resposta correta, e o aluno colocar por exemplo um círculo (O), desde que assinalado na resposta correta, a questão tem a cotação máxima. Eu compreendo que o aluno provavelmente até saberá a resposta, mas se lhe é indicado para colocar uma cruz e ele coloca um círculo, ou está a gozar ou então... (vocês sabem, não vale a pena escrever.) Isto seria o mesmo que numa prova de dança ser dada a ordem de dançar uma valsa, mas ser dançado um corridinho! Desde que dance, está correto! 
Em entrevista ao jornal Público de 18 de Junho, o Ministro da Educação referiu a propósito das provas de aferição que elas são “um instrumento que permite a cada estudante mostrar a si mesmo e aos seus professores como sistematizam e como expressam o que aprenderam em cada área do saber e como o relacionam com o que cada pergunta os interpela.“ Sinceramente Sr. Ministro, não me parece que os alunos vejam na prova alguma coisa que lhes permita aferir do seu desempenho, ainda mais quando sabemos que os resultados da avaliação serão qualitativos (não há nota, mas sim uma descrição do desempenho). Quanto a esta, estou muito curioso em saber o que vai devolver a cada aluno a folha Excel! Também não me parece, e não me parece mesmo nada que depois de 8 meses de aulas os professores ainda precisem desta prova para perceber como os seus alunos sistematizam o que aprenderam ou deixaram de aprender! 
Mas enfim, trata-se da primeira prova de aferição, certamente haverá coisas a melhorar, e no fundo, a verdade é que isto não conta para nada! 

Crónica publicada na edição 321 do Notícias de Coura, 04 de julho de 2017.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Outras coisas que me irritam

Foi em maio de 2014 que me aventurei a escrever uma crónica sobre esta temática. Embora as mesmas me continuem a irritar, a sua frequência tem diminuído. As pipocas no cinema não me têm irritado (mas a verdade é que não tenho ido ao cinema); o choro dos bebés nos espetáculos de teatro também tem diminuído (provavelmente as crianças cresceram e já lá não vão); os flashes das máquinas fotográficas nos espetáculos de teatro… permanecem (e das duas uma, ou os infratores são surdos, ou é mesmo uma questão de educação). 
Para assinalar os 3 anos desta crónica (na verdade é porque não sei mesmo o que escrever), resolvi voltar ao tema. Há imensas coisas que me irritam, provavelmente é porque eu sou facilmente irritável, se calhar sou eu que estou errado, se calhar eu é que sou tão irritante que tudo me parece insuportável. O que mais me irrita são as pessoas, algumas pessoas. Escrever sobre elas seria dar-lhes demasiada importância, e pior, não teria interesse nenhum para os leitores, a não ser para elas pelo que, fica para outra ocasião! (Nesta altura olho para cima e vejo escritos já 2 parágrafos, suspiro de alívio e penso: estou quase salvo, mais uma crónica quase pronta). Vamos lá então a algumas irritações: 

1. Gemidos no ginásio.
Não é bem que me irritem, na verdade provocam-me de tal maneira vontade de rir que tenho medo de um dia destes alguém julgar que estou de alguma maneira a gozar com a tonalidade dos sons produzidos ou pior, com os músculos salientes e invejáveis do “cantor”. Não consigo reproduzir por escrito tais sons, mas, já todos vocês devem ter visto uma cena parecida, alguém que em frente a um espelho, levanta objetos pesados, “gemendo” ao ritmo do levantar dos braços, do baixar do corpo, do esticar das pernas. Nunca percebi se a produção do som ajuda na concretização do exercício, se calhar ajuda. (Quando nos magoamos também gritamos e choramos, pois isso alivia a dor… acho eu!) Espero bem que “estes” frequentadores do ginásio não sejam leitores dos meus textos, senão quando me encher de coragem para lá voltar ainda vou ouvir: “Tu tens é inveja, fraquinho!” 

2. Condutores da faixa do meio na autoestrada.
O assunto tem sido muito noticiado nalguns órgãos de comunicação social, e mesmo assim há quem insista em conduzir na faixa do meio. Poderão pensar que a faixa da direita é para os lentos mas, quando vão só eles na estrada, são eles os lentos. Irrita-me viajar na faixa da direita, ser obrigado a cruzar duas faixas para ultrapassar e depois voltar à direita. Nem me atrevo a apitar ou a fazer algum sinal e gritar “Vai prá direita ò condutor!”, provavelmente teria uma resposta inaudível, face à velocidade das viaturas. A solução é eliminar as três faixas, pois com apenas duas a probabilidade de circular na do meio é… reduzida. 

3. Condutores que me apitam por parar no STOP.
Nesta altura os leitores deverão estar a pensar: “A ti irritam-te todos os condutores, deves pensar que és o melhor condutor do mundo!”. Não penso. Até porque o mundo é muito grande! Eu até entendo que por vezes parar é aborrecido, eu até vejo muitas vezes que não vem nenhum carro de nenhum dos lados mas, ensinaram-me que o sinal de STOP é mesmo para parar, e eu paro. Tenho este mau hábito, que é que querem? Peço-vos que mais ninguém me grite: “Para que é que paraste ò burro… não vês que não vem ninguém!” 
“E pronto, é isto”, como diz o outro! E com três irritações apenas, se escreve a crónica deste mês. Entretanto, agora que o texto termina, batem-me à porta outros temas interessantes: o fantástico fim de semana em que Portugal recebeu o Papa Francisco e em que Salvador Sobral ganhou a Eurovisão (não refiro o Benfica campeão porque… sou adepto do Chaves); as “surreais” provas de aferição de expressões a que as crianças do 2.º ano de escolaridade foram sujeitas; o desempenho sempre surpreendente do Presidente Trump… enfim, tantos assuntos interessantes e fui escrever sobre as minhas irritações. Desculpem-me desta vez. “Não se irritem com o autor, ele anda assim por causa dos medicamentos!”

Crónica publicada na edição 319 do Notícias de Coura, 06 de junho de 2017.

terça-feira, 16 de maio de 2017

A baleia azul

Nas últimas semanas temos assistido a inúmeras notícias sobre um estranho jogo chamado baleia azul. Consiste em 50 desafios diários que são propostos pelos denominados “curadores” ou “administradores”, aos incautos adolescentes que se deixam envolver em tal aventura. Na maioria dos casos, os jogadores são jovens adolescentes com problemas depressivos e que dessa forma se deixam levar por tais desafios, inicialmente fáceis e aparentemente pouco perigosos, mas que depressa envolvem automutilações e, o último de todos, chamado “Tira a tua própria vida”, leva ao suicídio. 
Acredita-se que este fenómeno tenha surgido na Rússia através de uma rede social e estimam-se cerca de 130 suicídios provocados ou relacionados com ele. O jogo já chegou a Portugal e já terá originado uma vítima, uma jovem que ficou ferida ao atirar-se de um viaduto para a linha férrea, em Albufeira. 
Dos 50 desafios muitos envolvem fazer cortes nos braços, escrever mensagens com navalhas na mão, acordar às 4 da manhã e assistir a filmes de terror, subir a telhados ou visitar linhas de comboio. Todos eles têm de ser comprovados através do envio de fotografias para os “curadores” ou de publicações na rede social.
Apetecia-me tanto escrever: “Como é possível tal estupidez?!” mas, não o vou fazer. Envolvendo crianças perturbadas e com sintomas de depressão a situação não é assim tão fácil de explicar. Aliás, se assim não fosse, nenhuma criança na plenitude das suas faculdades se deixaria levar pelos desafios propostos pelos, esses sim estúpidos, curadores. Já agora, chamar curador a semelhantes criaturas é desde logo uma ofensa e uma falta de gosto tremenda, um curador é alguém responsável por alguma coisa, e não me parece que neste caso se possa considerar responsável, alguém que no limite, incentiva ao suicídio. 
As redes sociais têm as suas responsabilidades nestas coisas, mas fartei-me de procurar na mais conhecida (o facebook), e não encontrei ninguém que mostrasse sinais de estar envolvido neste desafio. Ufa, ainda bem. Encontrei sim, 50 desafios muito mais interessantes para adolescentes, e que não resisto a partilhar alguns: Fazer a cama ao acordar sem que ninguém precise mandar; Conseguir dobrar e arrumar a própria roupa nas gavetas; Enviar mensagens sem erros ortográficos; Obedecer no mínimo a 70% das ordens dos Pais; Ouvir música sem incomodar quem mora na mesma casa; Respeitar os professores; Passar um dia sem dizer as palavras “LOL”, “TIPO” e “TOP”; Dizer “Obrigado”, “Bom dia” e “Com licença”; entre muitas outras, deliciosas e que me fazem lembrar os comportamentos de outros tempos.
Também divertido, foi o desafio da baleia azul proposto na página “Chorei de Rir” do facebook: Etapa 1: Chame sua esposa de baleia azul. Fim do jogo. 
Também nesta página do facebook encontrei um texto bastante esclarecedor, do qual não posso deixar alguns excertos e com o qual termino mais esta crónica:

“A baleia azul não tem culpa! Lamento informar aos pais, mas não vai adiantar acabar com a "baleia azul". Se acabarmos com a baleia, pode vir o "elefante roxo", o "tigre amarelo", o "pica-pau cor-de-rosa" e outros. O que de fato está faltando é a "cor" nas famílias. (…) Sabe porque essa geração de filhos não sai do celular, do computador, dá internet, do isolamento? Porque vocês os empurram pra esse mundo virtual. (…) Se você não tiver tempo para seus filhos, os bichos do mundo terão.”

Crónica publicada na edição 319 do Notícias de Coura, 09 de maio de 2017.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Fé dispendiosa

Em maio de 2015, a minha crónica intitulou-se “Será justo questionar a fé?”. Nessa altura, não coloquei em causa a fé dos que caminham dias e dias por estradas movimentadas e perigosas, lamentei o destino dos que foram mortos num acidente de viação, provocado por um jovem cheio de problemas que nem vale a pena recordar. 
Daqui a uns dias as estradas vão começar a encher-se novamente de peregrinos. Este ano, muitos dos visitantes da Cova da Iria viajam com uma motivação adicional: ver o Papa Francisco. 
Esta visita do Papa veio por à prova a capacidade da região em receber milhares de pessoas, de lhes proporcionar um alojamento condigno e condições para uma estadia confortável. Empresários e particulares não se fizeram rogados. Depressa começaram a ficar esgotadas todos os lugares disponíveis, dos quais não consigo deixar de destacar alguns: 
- Uma noite para 2 adultos em quarto duplo económico, com estada em saco-cama, por 922€; 
- Um quarto para 2 pessoas com casa de banho partilhada por 1.192€; 
- Uma cama em dormitório de 6 pessoas, com casa de banho partilhada por 500€; 
- Um quarto para 2 adultos por 2.000€, mas com frigorífico e micro-ondas; 
- Um alojamento numa quinta para 12 pessoas, duas noites com pequeno-almoço, por 40.000€; 
Embora o Reitor do Santuário tenha apelado para não haver especulação, os preços aumentaram mais de 50 vezes para o fim de semana da visita Papal. Muito poderia ser escrito sobre a honestidade de todos estes negócios. A justificação está no mercado, quando há muita procura, e quando essa mesma procura está disposta a pagar qualquer preço, o vendedor pode exigir o que bem entender. Isto é o mesmo que vender garrafas de água fresca no deserto, podemos exigir um preço elevadíssimo que os “desgraçados” que estiverem a morrer de sede vão por certo comprar! 
O que se poderia talvez discutir seria a ética, isto é, aquilo que pertence ao caráter. Infelizmente (talvez), nenhum individuo ou organização pode ser obrigado a cumprir determinadas normas éticas. Já quanto aos deveres de cidadania, a discussão poderia também ser interessante mas, nem me vou atrever a escolher tal caminho. Não vou condenar estes “oportunistas”, peço desculpa, empresários inteligentes que aproveitam uma oportunidade de negócio, vou ser mais “louco” ainda, vou condenar, aliás, provocar, aqueles que sustentam estas práticas. Eu sei que a fé e os sacrifícios andam muitas vezes de mãos dadas, mas acham mesmo que vale a pena alimentar estes negócios de ocasião? Acham mesmo que ir a Fátima nesta altura e ver o Papa Francisco é um sinal de fé superior ao de ir a Fátima noutra ocasião qualquer? Não me parece sinal de fé sacrificar uns milhares de euros para ir a Fátima nesta ocasião. 
Pergunto-me: E se por um motivo qualquer ninguém fosse a Fátima nestes dias, e todos os hotéis, pousadas e albergarias ficassem vazios? Não tenho dúvidas que muitos pensariam: “Temos de ter fé que o negócio irá melhorar.” 

“A fé é a firme confiança de que virá o que se espera, a demonstração clara de realidades não vistas.” (Hebreus 11:1)

Crónica publicada na edição 317 do Notícias de Coura, 11 de abril de 2017.

terça-feira, 21 de março de 2017

O Autocarro

Que é aquilo!? 
Um autocarro?! 
Mas… parece estar cheio de … desenhos, são desenhos sim, olha bem, parece que foi atacado por imensas crianças, que munidos de lápis de cor fizeram dele um desenho gigante, e vivo! 
Assim está o novo autocarro da autarquia de Paredes de Coura. Não me admira. Não me admira mesmo nada que até com um autocarro sejam capazes de inovar e de marcar pela diferença. Eu nunca tinha visto nada assim. Dá vontade de andar à volta dele e imaginar a história que cada desenho pode contar, dá vontade de explicar o significado de cada um. O autocarro vai ser durante muitos anos um catálogo itinerante do melhor que se faz por Coura. Quase me apetece dizer que se continuam a inovar e a diversificar desta maneira, bem podem arranjar forma de comprar mais um ou dois autocarros! Mas vamos aos desenhos! 
O primeiro que me saltou à vista, por culpa do teatro, foi uma raposa, a salta-pocinhas! Tinha de lá estar a raposa matreira, fagueira e lambisqueira, imortalizada no “Romance da raposa” de Aquilino Ribeiro. Essa raposa habita ainda hoje os bosques mágicos da paisagem protegida de Corno de Bico. Outro desenho mostra um soldado e uma vaca, com luzes nos cornos! Ah, pois claro, são os Combates da Travanca! Ainda hoje o exército espanhol se assusta quando de noite olha para os lados de Cerdeira na freguesia de Cunha e vê aquelas imensas luzes em movimento. Peças de Lego, imensas e coloridas! A referência ao Arte em Peças não podia faltar. Este é um evento que já tem marca em Coura, e já não falo só da exposição, já há encontros de fãs, formações e workshops. Em 2016, e pela primeira vez fora da Dinamarca, realizou-se por cá o Lego Fun Event. Uma nuvem ao contrário! Não podiam faltar referências ao Mundo ao Contrário, esse evento extraordinário que no verão toma conta da vila com artistas de todo o mundo e de todas as áreas artísticas e delicia toda a gente, especialmente as crianças! Um livro de poemas! Pois claro, porque não? Lembram-se do Realizar Poesia? Têm de se lembrar, ainda hoje permanecem na vila muitos despojos daquilo que foi um mês de abril de 2016 recheado de eventos e linguagens poéticas diversas. Uma mão, dois dedos em riste: ROCK! Mau seria que este autocarro não estivesse carimbado de referências ao evento, esse sim, o evento de Coura, aquele que leva o nome de Coura a todo o mundo, o festival Rock! Beringelas, cenouras, nabos! Então porquê? Será Coura um concelho exportador destes legumes?! Ah… agora percebo! A alimentação vegetariana. Aqui por Coura há pratos vegetarianos nos restaurantes, há grupos de jantares vegetarianos, há pessoas que se juntam para cozinhar, há fins de semana com conferências e eventos temáticos. (Lembrei-me agora dos cogumelos… não me lembro de ter visto cogumelos no autocarro, mas também ainda só vi meia-dúzia de fotografias). Um Príncipe! E porquê um Príncipe? Porque, “Queremos ser príncipes, ingénuos, infantis e sempre dispostos a mudar.” 1 
A viagem inaugural foi no dia três de março. O autocarro levou os alunos do 5.º ano numa viagem de estudo ao Museu da Geira em Terras de Bouro, e a Braga ao Planetário. Até aqui consigo ver sinais curiosos! Os primeiros a viajar nesta máquina foram as crianças, afinal, são eles o futuro! E foram ao planetário! Enfim, viajaram num autocarro do outro mundo, foram ver outros mundos para quem sabe, fazerem deste nosso mundo um lugar melhor! 

1) Palavras do Presidente do Município, Vítor Paulo Pereira, à Rádio Vale do Minho, 20 de julho de 2015. 


Nota: Obrigado professora Cecília Pereira pela publicação das fotografias do autocarro no facebook, no grupo Paredes de Coura Terra Amada. Mais uma vez o acaso fez das suas, o universo mexeu-se e arranjou-me assunto para mais uma crónica, a número 50!


Crónica publicada na edição 317 do Notícias de Coura, 09 de maio de 2017.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

A Universidade Invisível


Isso não existe! Alguma vez se viu uma universidade invisível!? 
Foram estas as palavras de alguém quando lhe disse que iria frequentar esta universidade. Pois bem, na verdade isso nunca se viu, e provavelmente nunca se irá ver, mas existe e sente-se, o que é bem mais importante! 
A Universidade Invisível é mais um projeto (ou criação ou loucura, ou que lhe quiserem chamar) das Comédias do Minho. Essa companhia de teatro que insiste em levar o teatro às aldeias, cria agora uma universidade que leva aos “seus” cinco municípios do Vale do Minho. Durante um ano, e num fim de semana de cada vez, a universidade viaja, leva consigo alunos e professores e organiza-se em torno de vários géneros artísticos: artes visuais, teatro, dança, música, cinema e performance. 
Nesta universidade não há aulas nem exames. A abordagem teórica aos temas faz-se através de conferências ou palestras, momentos de puro prazer de quem transmite e de permanente intervenção de quem assiste, nunca se sabe o destino de tais conversas e as portas abertas ao longo das conversas são tantas e tão interessantes, que temos vontade de lá ficar, entrar em todas elas e explorar as tantas curiosidades trazidas à conversa. 
Na primeira sessão de trabalho, e após uma manhã deliciosa sobre “Isto é arte?”, somos contemplados com um intervalo para almoço. E o que é que isto tem afinal de diferente? É que para sobremesa, temos a possibilidade de assistir a uma peça de teatro(1)! Esqueçam lá as dietas, sobremesas destas, muitas! 
Nesta universidade as sessões de trabalho/discussão/debate são cheias de livros, de citações inquietantes, de imagens perturbadoras, de autores sem fim que mais do que esclarecer, abrem-nos dúvidas e desejos de aprofundar alguns temas. Para fechar o dia, temos a oportunidade de assistir a mais uma peça de teatro(2) e de conversar no final com os atores. 
O dia foi cansativo, o temporal que assolou a região do Minho neste fim de semana convidava a ficar em casa mas, ainda bem que temos a coragem de sair. Estar rodeado da “malta do teatro” é muito enriquecedor, não só pelo que aprendemos e pelo que nos é dado a conhecer mas também, porque é uma forma de aprender com aqueles que já são nossos amigos, e isso torna tudo mais fácil. 
As Comédias do Minho continuam assim a fazer a história de um território, depois de levarem o teatro às aldeias, de criarem um festival itinerante de teatro amador, de levarem os grupos de teatro amadores às “capitais do Império”, de levarem as crianças para o palco, de fazerem das crianças autores de guiões, criam agora esta universidade invisível e itinerante, que aparece sem avisar e desaparece deixando o rasto apenas nos espíritos de quem a frequenta. 
Que mais nos irão trazer as Comédias do Minho? 
Sei lá, nem me interessa para já. Estou ansioso por dizer novamente: - Neste fim de semana estou ocupado, tenho de ir para a Universidade! 

(1) Utopia, de Gonçalo Fonseca, Comédias do Minho. 
(2) Philatélie, de Jorge Andrade, Mala Voadora.

Crónica publicada na edição 311 do Notícias de Coura, 14 de fevereiro de 2017.


terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Obrigado Sr. Presidente

Esta crónica foi escrita no primeiro dia deste novo ano. Nesse dia, Mário Soares estava ainda internado no Hospital da Cruz Vermelha, em “coma profundo e com prognóstico muito reservado”. Quando estas palavras chegarem aos leitores é provável que já lá não esteja, é bastante provável até que já esteja onde todos nós, mais tarde ou mais cedo, também iremos parar. Se porventura tal não acontecer também não fico muito admirado, Mário Soares foi sempre um lutador, quem combateu a ditadura durante tantos anos é bem capaz de combater a morte durante muitos dias. 
O nome de Mário Soares entrou para as minhas memórias no longínquo ano de 1986, era eu uma criança de 11 anos e lembro-me da alegria com o que o meu Pai entrou em casa, vindo do café e gritando: - Ganhou o Soares, o Mário Soares ganhou! Em 1991 lembro-me de andar a gritar “Soares é fixe”, nessa altura tinha apenas 16 anos e ainda não podia votar. Em 2005 Mário Soares candidatou-se novamente à Presidência da República. Todos sabemos porquê, o erro monumental do PS em não apoiar Manuel Alegre custou-nos dez anos com Cavaco Silva na Presidência. Mas adiante. Essa candidatura deu-me a possibilidade de poder votar nele para Presidente, e assim o fiz, embora tivesse que fazer mais de 700 km num só dia para me deslocar à minha secção de voto, o agradecimento estava finalmente feito. 
Mário Soares lutou pela liberdade de Portugal como poucos, não só antes do 25 de abril como depois. Não fosse a sua coragem em enfrentar o PCP no verão quente de 75 e simplesmente Portugal teria passado de um regime ditatorial para outro de sinal contrário, o nosso país ter-se-ia transformado sem dúvida numa espécie de Cuba da Europa. A ele lhe devemos também a entrada em 1986 na CEE, atual União Europeia, Portugal é hoje o que é em termos de infraestruturas rodoviárias, ferroviárias, empresarias, etc. graças aos fundos comunitários que caem nos cofres do país todos os dias, muitas vezes mal aplicados é certo, mas isso também é outra conversa. Importante também foi a sua decisão de ter chamado o FMI por duas vezes para nos salvar da bancarrota, quando o país vive com dinheiro alheio não se pode dar ao luxo de fazer festas e não pagar as dívidas. (Também José Sócrates foi sensato quando o fez em 2011, pena ter sido tão teimoso e esperado tempo demais, mas isto também são outras conversas). 
Mário Soares é muitas vezes condenado pela condução do processo que levou à descolonização. Acusam-no de não se ter preocupado com a situação de mais de 1 milhão de Portugueses que teve de regressar à metrópole. Talvez tenha sido descuidado, apesar de também a minha família de lá ter vindo, eu com poucos meses depois de ter nascido em Angola, não lhe guardo rancor, aquilo que ele fez foi devolver as colónias aos seus povos. Houve muitas guerras depois disso é certo, alguns ainda hoje são o que sabemos, mas isto de existirem países colonizadores não faz sentido nenhum, cada país deve pertencer aos seus. 
Todos temos defeitos e virtudes, e Mário Soares é certamente um exemplo disso, mas por tudo o que foi, por tudo o que fez por Portugal, é sem dúvida uma das maiores figuras da história, e assim será para sempre. 

Para mim, o Dr. Mário Soares será sempre o meu Presidente.

Crónica publicada na edição 309 do Notícias de Coura, 10 de janeiro de 2017.