terça-feira, 27 de outubro de 2020

Coisas de outono

Estão-se a acabar os dias grandes, já não conseguimos dormir completamente destapados, já sabe bem colocar uma manta ou um cobertor na cama. Dentro de poucos dias mudará a hora, os dias ficarão mais tristes, e para quem trabalha de tarde o regresso a casa já será feito na escuridão. Nas terras frias apetece ficar em casa, e nas outras, mesmo que não apeteça, será isso o mais sensato. Estamos em plena segunda vaga de uma pandemia que nunca julgámos viver, e ela veio mais forte que nunca, e dificilmente abrandará. Escrevo-vos esta crónica com Portugal a apresentar mais de mil casos diários de covid-19. Temo bem que os números que se avizinham não sejam nada agradáveis, provavelmente daqui a um mês estaremos na casa dos dois mil e daí em diante, por mim, era bem melhor nem se fazerem as contas. Não acredito que a vacina chegue tão cedo, e mesmo que ela chegasse nos próximos tempos não me vejo com coragem para a tomar, acredito como muitas outras pessoas que poucos de nós escaparão, mais tarde ou mais cedo o vírus vai-nos apanhar. Até lá, não nos devemos descuidar, continuar a respeitar as regras de etiqueta respiratória e distanciamento social é mais do que um dever, é uma obrigação. Quantos de nós escaparam de apanhar o sarampo ou a varicela? Poucos… provavelmente daqui a uns anos vamos recordar esta pandemia como algo do qual poucos escaparam. Esperemos recordar. Será um bom sinal. Esta é mais uma crónica escrita em cima da hora, na falta de um assunto que me ajude a ocupar página e meia, aqui ficam três coisas que se repetem quase sempre, por esta altura do ano: 

1. Chegam as gripes e constipações. 

Começa o frio, os resfriados e as mudanças súbitas de temperatura, entre o carro onde viajamos, a empresa onde trabalhamos que não tem dinheiro para o aquecimento e a nossa casa, onde com mais ou menos calor, nos sentimos sempre melhor. O corpo tem dificuldade em suportar tamanhas diferenças e adoece. Este ano, para piorar, temos a companhia do corona vírus, aquele que o Presidente americano Donald Trump insiste em chamar de “vírus chinês”. 

2. A aprovação do Orçamento de Estado (OE). 

Enquanto escrevo esta crónica, os jornalistas esperam à porta da Assembleia da República pelo Ministro das Finanças, e pela entrega do OE para 2021. O governo tem gasto horas e horas em duras negociações com o Bloco de Esquerda (BE). Este último mostra-se inflexível na questão de não aceitar que o Estado Português injete mais dinheiro no Novo Banco. Mas todos sabemos que vai ter mesmo de injetar, esta coisa do Estado salvar os bancos em detrimento dos contribuintes já não é nova. Nem é de agora. António Costa decerto arranjará forma de “tapar os olhos” aos partidos da antiga geringonça. Aliás, até estranho esta inflexibilidade do BE, durante os anos em que apoiou o governo o Estado fartou-se de meter dinheiro nos bancos. Obviamente que quando chegar a hora da votação o orçamento passará, a oposição não existe e como o único partido que tiraria dividendos de eleições antecipadas seria o Chega, nenhum dos partidos do sistema se atreverá a correr semelhantes riscos. 

3. A surpresa do Nobel. 

Depois de em 2016 a Academia Sueca ter surpreendido com a atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan, desta vez surpreende pelo facto de galardoar a poetisa americana Louise Glück, pela “sua inconfundível voz poética que com austera beleza torna universal a existência individual”. Uma verdadeira surpresa para mais de meio mundo que nunca dela ouviu falar, mas acima de tudo para as casas de apostas! Imagine-se lá, que o seu nome não constava em nenhuma delas. Se em 2016 a Academia foi acusada de ter “politizado” a atribuição do Nobel, num claro sinal de discordância com a administração Trump, ela agora vem mostrar que está a tudo imune, e até é capaz de dar o prémio a alguém praticamente desconhecido. Fico à espera de poder ler, em português, alguma coisa desta escritora cujos poemas são capazes de dar sentido à existência humana. Mais poderia dizer destas pressões que a Academia sofre, ainda este ano li algures que o prémio deveria ir para uma mulher do continente africano… enfim, nada contra nem a favor, ficaria mais feliz se o prémio fosse sempre atribuído a quem o merece, e os galardoados também, decerto ficariam mais felizes se soubessem que ganharam por talento e mérito, e não por serem de um determinado sexo ou continente. 


Crónica publicada na edição 396 do Notícias de Coura, 20 de outubro de 2020.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Tu és o quê!? Influencer!?

Mas isso é lá profissão!? Influencer!? Mas quem afinal influencias tu com os teus vídeos de 10 segundos sobre perfumes, suplementos alimentares e roupas!? 

Já andava para escrever sobre este tema há uns tempos. Numa primeira fase até pensei em usá-lo para uma daquelas minhas crónicas intituladas “Coisas que me irritam”, mas este tema tem tanto para dizer que merece uma crónica inteira. 

Têm surgido aos milhares na rede social Instagram. Denominam-se influencers, em português, influenciadores digitais. O que fazem é simples, juntam uns milhares de seguidores e vão publicando vídeos onde fazem publicidade “positiva” de vários tipos de produtos, roupas, calçado, suplementos alimentares e perfumes são talvez os mais vistos, mas já se vê de tudo, material escolar, hotéis e até comida para animais! 

Quando os influencers se dedicam apenas a algumas marcas ou tipos de produtos até lhe podemos dar alguma credibilidade, agora quando começam a aconselhar e a “dar a cara” por centenas de produtos e de todo e qualquer tipo, não me parece que influenciem quem quer seja. Pelo menos, quem seja minimamente inteligente para perceber aquilo em que deve acreditar. Por esta razão, algumas marcas já não se interessam pelos utilizadores que mais seguidores têm, nestes casos a ligação com o público perde-se, perde-se o lado intimista e verdadeiro. Tudo isto faz-me lembrar um bocadinho as pequenas mercearias de bairro, a oferta é muito menor, mas a relação que se estabelece com quem nos serve é por vezes compensadora, e os preços, nem sempre são assim tão diferentes. Algumas pessoas ficariam absurdamente impressionadas se comparassem os preços de alguns produtos na pequena mercearia, com os preços dos grandes hipermercados. 

Não tenho nenhum tipo de inveja contra esta nova “espécie humana”, aliás, conheço até algumas destas personagens que graças a uma cara e um corpo bonito, somam e seguem nas redes sociais. E fazem muito bem! Aproveitem esta oportunidade enquanto ela existe. Já não me merecem tanta consideração as outras “personagens”, adultos responsáveis que “administram” os perfis das suas crianças, pequenos influenciadores digitais que têm a sua imagem a circular por esse mundo fora, quem sabem por onde, quem sabe entre quem. Faz-me lembrar uma piada que costumava ouvir a um professor, meu colega e amigo, que em jeito de brincadeira dizia: “Os meus filhos nunca mais fazem 18 anos… estou farto de viver à custa dos meus Pais, está na altura de viver à custa dos meus filhos”! 

Na verdade, o tema Influencer não me irrita nada, já quando se dizem produtores de conteúdo, aí sim, despertam em mim uma personagem revoltada. Mas onde está o conteúdo de um vídeo onde se ouve: - “Olhem que giras estas sapatilhas da Adi&#$ que eu recebi, são super fofas e super confortáveis, e têm cordões que dão para ajustar e eu posso até trocar os cordões por estes de outra cor!”. Perdoem-me lá mas, conteúdo zero. Este tipo de conversa até pode ser gira para algumas pessoas, mas daí até ser conteúdo… vai uma grande distância. Conteúdo é um vídeo com a análise por exemplo de um computador, onde o mesmo é testado e as suas caraterísticas são descritas e comparadas; conteúdo é uma vídeo-aula de alguém a explicar o Teorema de Pitágoras; conteúdo é um documento de opinião sobre por exemplo a interrupção voluntária da gravidez; conteúdo é uma infografia sobre por exemplo a Paisagem Protegida de Corno de Bico; conteúdo é um podcast do poema “A casa em que nasci, Marianinha” de Aquilino Ribeiro… conteúdo requer trabalho, investigação, pensamento, opinião… Eu sei aquilo em que estão a pensar, e é verdade… provavelmente o poema vai ter 30 visualizações e o vídeo das sapatilhas 30000… tenhamos esperança que um dia a nossa sociedade não possa ser qualificada por este tipo de comportamentos. 

Sejam influenciadores digitais, e continuem a aproveitar essa oportunidade, mas não se digam produtores de conteúdo. Por respeito a vós mesmos. Não se achem aquilo que não são.


Crónica publicada na edição 395 do Notícias de Coura, 6 de outubro de 2020.