terça-feira, 11 de novembro de 2014

Já chega de Português e Matemática.

Confesso mais uma vez aos leitores a dificuldade que tive em começar a escrever esta crónica. São 21 horas do dia 27 de outubro, e a crónica é para ser enviada hoje. Tenho 3 horas, e tenho de me apressar, pois tenho mais coisas para fazer. Esta minha mania de deixar as coisas para o fim, de trabalhar no fio da navalha, um dia vai correr mal. A verdade é que me começam a faltar os temas, não que eu não consiga escrever sobre mil e uma coisas, questiono-me é sempre sobre o interesse que elas poderiam ter para os leitores, e não o faço. Aproveito, para vos desafiar a sugerirem-me temas, assuntos que gostavam de ver tratados, prometo fazer o meu melhor para dar resposta às vossas sugestões. (Este meu desafio é uma forma disfarçada de vos pedir ajuda, mas isso, já vocês perceberam.) 
Entretanto, e como hoje tenho de ser eu a safar-me, vou mais uma vez falar, um bocadinho, sobre educação. Na semana passada, no programa prós e contras da RTP 1, falou-se sobre educação, a vida agitada das escolas, o confuso processo de colocação de professores, a autonomia das escolas, a qualidade do ensino, enfim, um infindável número de questões para as quais, confesso, tenho vindo a perder a paciência. Não vi o programa, apenas o ouvi, e só me ficou parte das declarações de um interveniente justificando a necessidade de apostar em mais horas nas disciplinas de português e matemática. E eu pergunto: MAIS?! Eu sei que estas disciplinas são importantes, é claro que a língua materna é fundamental e sem a qual se torna mais difícil (não impossível), progredir noutras áreas, mas, mais horas no curriculo? Mais horas de matemática?! Então e as restantes áreas? São menos importantes?! A matemática é importante, claro que é, e o teatro não é? E a dança? E a música? E a pintura? 
Para que não me chamem exagerado, aqui fica um exemplo concreto: no 9.º ano de escolaridade os alunos têm 39 aulas por semana, 13 das quais são das disciplinas de português e matemática, ou seja: 33%. As restantes 26 horas estão distribuídas pelas restantes 10 disciplinas. Existem vários estudos internacionais que comprovam a importância das disciplinas artísticas na formação das crianças, no desenvolvimento da sua capacidade de relacionamento, na sua sensibilidade, na sua consciência crítica, tornando-os indivíduos criativos e dinâmicos, capazes de ver mais do que aquilo que lhes colocam à frente. As crianças são dotadas de criatividade, possuem a capacidade de aprender e ensinar, não têm medo de errar, condição essencial para a originalidade.[1] O nosso país que tanto gosta de copiar alguns exemplos vindos do estrangeiro, bem podia ter isto em consideração, e deixar de menosprezar as disciplinas artísticas, tornando-as “momentos de repouso” das outras disciplinas consideradas mais importantes. 
Aqui por Paredes de Coura, os mais pequenos ainda vão tendo sorte. Desde o pré-escolar que têm contacto com a música clássica, o teatro, os contos, os jogos, as experiências, a pintura, as artes criativas, as artes plásticas, entre outros. Não são muitas horas, se calhar são as possíveis. Pena que há medida que avançam na escolaridade elas se tornem cada vez menos. Ainda assim, e apesar de estarmos longe de um grande centro urbano, podemos dizer que ainda há uma razoável oferta de atividades às quais os jovens se podem dedicar. Ouvi dizer que há por aí um clube de natação e cultura onde se pode fazer patinagem, há associações onde se aprende a cantar e a dançar, até há algures um grupo de teatro juvenil! 
Tudo isto para justificar a importância do teatro, dirão vocês que se riram quando leram a última parte da frase anterior. É verdade. O teatro, assim como todas as outras formas de expressão artística, justifica-se quando proporciona momentos de criatividade e talento vindos das crianças e jovens. O responsável[2] pelo “Sopros de Voz”, grupo de teatro juvenil do TAC – Teatro Amador Courense, confidenciou-me que no último ensaio desafiou os “seus” atores a construírem uma cena. Deu-lhes um papel com 3 palavras, partes de um texto e algumas regras rígidas que teriam que cumprir. – Agora têm 20 minutos para criar uma cena de 3 minutos, disse. E deixou-os à solta... Quando lhe apresentaram o resultado, alertou-os: - Não se esqueçam disto. A voz autoritária disfaraçava a emoção que estava a sentir por pensar: - Como foram eles capazes de fazer isto? Há quem diga que é isto o processo criativo, e com as crianças torna-se fácil, pois basta deixar as portas abertas entre o mundo moldado pelos adultos, e o mundo que elas estão a construir. 

[1] Ken Robinson – How schools kill creativity 
[2] O resposável pelo “Sopros de Voz” é o autor destas crónicas!

Crónica publicada na edição 259 do Notícias de Coura, 4 de novembro de 2014.