Escolher o tema para a presente crónica foi relativamente fácil.
Ainda estive para falar no desalento de Vitalino Canas, que depois de afirmar
estar a preparar-se há 40 anos para ir para o Tribunal Constitucional, viu o
seu nome ser chumbado pela Assembleia da República, e pior, nem sequer teve os
votos dos deputados do seu partido. Também me ocorreu falar da “tragédia” que
se abateu sobre as equipas portuguesas de futebol na Liga Europa, quatro
equipas em competição, todas eliminadas. Assim se vê o “tamanho” do nosso
futebol na europa, cá dentro é que todos lhe dão demasiada importância. Descartados
estes dois temas, resta-me falar do Aeroporto.
Há anos que se fala na necessidade de Lisboa ver alargada a
sua capacidade em receber voos de todo o mundo. O Aeroporto Humberto Delgado
está há anos esgotado, embora esteja quase sempre em obras de alargamento não
consegue responder às necessidades turísticas que o país enfrenta. (Digo o país
mas, é Lisboa e pouco mais). Já se fizeram muitos estudos sobre a localização
ideal de um novo aeroporto que possa servir de apoio à capital, os interesses
envolvidos são imensos, e cada um, quer seja município, empresa, político,
apresenta os argumentos que bem entende para defender a sua posição.
A opção do Montijo foi “obra” lançada pelo governo de Pedro
Passos Coelho. Nessa altura, houve a preocupação de tentar chegar a um acordo
com as câmaras municipais da margem sul. Tal não se concretizou pois as câmaras
socialistas recusaram assumir um compromisso antes das eleições legislativas.
Já no governo de António Costa, o projecto é abraçado e visto
como a única alternativa. A oito de janeiro de 2019 a ANA-Aeroportos de
Portugal e o Estado assinam o acordo para a expansão da capacidade
aeroportuária de Lisboa, num investimento de 1,15 mil milhões de euros, e onde
se inclui a abertura do Aeroporto do Montijo à aviação civil. Houve quem
estranhasse como podia o Estado assinar um compromisso desta magnitude sem
saber o resultado do Estudo de Impacto Ambiental, obrigatório neste tipo de
obras. Mas que assinou, assinou. O referido estudo só passados seis meses foi
publicado e colocado para consulta pública. A 30 de Outubro, a APA-Agência
Portuguesa do Ambiente deu parecer favorável condicionado ao novo aeroporto,
mediante um conjunto de contrapartidas com valores que rondam os 50 milhões de
euros. Enfim, tudo a correr bem ao governo, o palpite de que o estudo de
impacto ambiental seria favorável foi certeiro!
Será que é desta? Pois, parece que entretanto há um outro
pequeno problema. Parece que há uma lei que obriga a que todos os municípios
estejam de acordo com a construção do aeroporto, e das 10 câmaras que deram o
seu parecer, 4 são a favor (Montijo, Barreiro, Alcochete e Almada) e 6 são
contra (Moita, Seixal, Sesimbra, Benavente, Palmela e Setúbal).* Que chatice. O
Ministro Pedro Nuno Santos afirma que a lei é obsoleta e “estúpida”, e
portanto, tem de se mudar. Segundo o Sr. Ministro, um município não pode
condicionar a interesse do país. Mas agora pergunto eu, então se o que está em
causa é o interesse do país, por que razão não se ouvem todos os municípios do
país? Isto de se querer mudar a lei para satisfazer um projecto em particular
parece-me uma coisa muito pouco democrática. E tudo isto, porque a geringonça
se zangou, BE e PCP não estão dispostos a votar a favor da alteração da lei, e
o PSD também não. Pois… é que o PS estava a contar com os votos a favor do PSD,
afinal, o PSD até concorda com a solução do Montijo. Mas sob o voto do PSD, eu
só acredito, quando vir. Na verdade, eu “aposto” que o PS vai conseguir
arranjar forma de dar a volta à situação, afinal, António Costa já provou ser o
político mais habilidoso de que há memória. Ainda assim, tem de ter cuidado com
a “criatividade” dos Secretários de Estado que o rodeiam. Alberto Souto de
Miranda, Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, escreveu num artigo
de opinião afirmando que não há novos aeroportos sem impactos ambientais, que
os pássaros do Montijo não são estúpidos e que se vão adaptar, e que os
caranguejos não se vão “safar” por serem lentos mas também não há problema pois
não estão em vias de extinção. A qualidade deste tipo de discurso está ao nível
das melhores piadas do humorista Ricardo Araújo Pereira!
* Informação
da SIC.
Crónica publicada na edição 382 do Notícias de Coura, 10 de março de 2020.