terça-feira, 31 de maio de 2016

O circo das gravatas!

No passado mês de abril os deputados da Câmara dos Deputados do Brasil votaram favoravelmente a autorização para que o Senado pudesse dar seguimento ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Dos 513 deputados apenas 2 faltaram à votação, num processo que demorou mais de 6 horas! Sim… 6 horas para uma votação de SIM ou Não! Este caricato processo foi acompanhado em direto por muitas estações televisivas, fazendo os canais portugueses muitas ligações em direto, a que fui assistindo, incrédulo, estupefacto, chocado… (ainda hoje não consigo caraterizar o que vi). 

1) A Presidente Dilma é acusada de manipulação das contas públicas pelo facto de ter recorrido ao crédito dos bancos estatais para financiar programas sociais, adulterando assim o Orçamento de Estado. É errado? É. Deve ser julgada? Deve. E quem é que a decide julgar? 513 deputados, dos quais 273 (53%!) estão indiciados em crimes de corrupção. 

2) Durante a votação tivemos a oportunidade de ver todos, sim, todos os deputados de gravata. Faz parte do protocolo, naquela sala do Congresso só entra quem estiver de gravata. Concordo. Acho um adereço essencial para contrastar com a algazarra e bagunça durante toda a votação. 

3) As justificações e dedicatórias de alguns deputados, daqueles que votaram SIM, são verdadeiras pérolas de humor. Grande parte deles dedicou o voto à família, houve até um deputado, que já depois de ter votado, voltou atrás para dedicar também o voto ao outro filho, aquele de que se tinha esquecido! Uma deputada dedicou o voto ao marido, afirmando ela ser ele o melhor perfeito do Brasil. Poucas horas depois, o marido foi preso! Um deputado mais afoito, chamou o presidente da Câmara de gangster, dizendo que a sua cadeira cheirava a enxofre! Um deputado, também pastor da Assembleia de Deus, votou SIM, pela paz em Jerusalém! No meio de tanta “palhaçada”, Tiririca, o palhaço, disse apenas: “Pelo meu país, o meu voto é SIM.” 

Já este mês, o Senado decidiu pela abertura do processo de impeachment, ficando Dilma Rousseff afastada do cargo por 180 dias. Num discurso proferido nesse mesmo dia, Dilma afirmou que este processo é uma brutalidade e um golpe. Aproxima-se um período difícil para Dilma, felizmente para ela mantém o salário (+/- 7.000€), a segurança privada, assistência na saúde, carro oficial, avião, equipa de gabinete e Palácio como morada oficial. 
Entretanto, e como este enorme país não pode ficar sem líder, Michel Temer, o vice-presidente de Dilma assume a presidência. 
Dos ministros do novo presidente mais de metade responde a processos judiciais e quase um terço, incluindo o próprio presidente, foram citados, ou estão a ser investigados na operação Lava-Jato. Nas ruas, deixaram-se de se ouvir os gritos de “fora Dilma”, e passaram a ouvir-se “fora Temer”, o povo não aceita ter um presidente que não foi eleito por ele. Além disto, é suspeito que todos os nomeados sejam homens, brancos, no segundo país do mundo com mais negros. 
O futuro não se avizinha fácil para o Brasil, desemprego, baixo consumo, recessão económica, descrédito nos partidos e falta de legitimidade dos governantes. 
A culpa é do povo. Em democracia, a culpa é sempre do povo. Pena o carnaval ser só uma vez no ano, porque nessa altura, nada mais parece existir.

Crónica publicada na edição 295 do Notícias de Coura, 24 de maio de 2016.