terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Está na hora de desligar a televisão.

Na tarde em que escrevo esta crónica, o país espera em frente à televisão, num qualquer canal noticioso, a medida de coação que vai ser aplicada ao ex 1.º ministro José Sócrates. Desde sexta-feira à noite que nada mais é noticiado. Os canais de televisão multiplicam-se em reportagens, convidam mil e um comentadores, aprofundam outros tantos debates, só falta fazerem inquéritos e passatempos através das linhas de valor acrescentado. Os jornais fazem capas negras, editam suplementos, elaboram frisos cronológicos e até fazem mapas com os trajetos de José Sócrates desde o momento em que saiu do avião, vindo de Paris. 
Entre as dezenas de curiosidades que têm vindo a público, e as centenas que certamente virão nos próximos tempos, é engraçado saber que, segundo declarações do mesmo, José Sócrates pediu um empréstimo para ir estudar para Paris, e escolheu uma casa de quase 3 milhoes de euros. Não admira, Paris é a 2.ª cidade mais cara do mundo, segundo o site TripAdvisor. Depois, e como o segredo de justiça é coisa que parece não existir, ficamos a saber que há escutas que comprovam que o motorista de José Sócrates ia periodicamente de automóvel a Paris entregar dinheiro vivo. Isto é o exemplo claro de quem não confia nas tecnologias, ou então quer poupar os 52 cêntimos que alguns bancos cobram pelas transferências online! 
No meio deste turbilhão de notícias, o jornal Público avança com um artigo sobre o advogado de defesa, João Araújo, classificando-o como “um especialista de excelência e com um estilo gozão”. Isto foi bem visível quando cercado de jornalistas lhes pediu para o ajudarem a encontrar o carro, e para não o filmarem enquanto entrava, afirmando que ficava ridículo, pois era gordo e o seu smart pequenino! Sobre as declarações, no primeiro dia disse que eventualmente faria uma declaração, no dia seguinte afirmou que certamente faria uma declaração, um interessante jogo de palavras, digno de um advogado da “velha guarda”, que já na primeira noite tinha pedido aos jornalistas para o deixarem, pois precisava de “sopas e descanso”. 
Entretanto, o atual 1.º ministro, Pedro Passos Coelho, sem querer comentar diretamente o assunto, deixando a justiça longe da política, não resistiu a deixar uma pequena farpa, afirmando que “os políticos não são todos iguais”. Ainda bem que assim é, penso eu. Quase me apetece deambular pela obra de George Orwell, “O triunfo dos porcos”, uma sátira política que narra uma história de corrupção e traição, e que recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas. Desta obra, muitos conhecem o mandamento “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros”. 
Já passaram mais de 45 minutos desde que comecei a escrever, a televisão continua ligada, e ainda nada se sabe das medidas de coação. Sinceramente, não me interessa, a justiça que faça o seu trabalho. Só espero que seja bem feito, que sejam defendidos os interesses do país, do povo. O povo que trabalha o dia inteiro por um salário de miséria, o povo que quando se vê a braços com a justiça, dificilmente se safa com os conhecidos estratagemas com que os poderosos fazem os processos durar anos e anos. Todos desejamos que os Tribunais sejam justos, como por exemplo o de Vila Nova de Gaia, que em março deste ano condenou um padeiro a uma multa de 315 euros por um furto de 70 cêntimos. 
Deixei passar mais 15 minutos e leio agora no portal Sapo.pt que o Tribunal vai divulgar as medidas de coação à hora dos telejornais. Não aprecio este tipo de mediatismo. Quase me apetecia sugerir que mais valia encomendar uma gala a um qualquer canal de televisão. A Teresa Guilherme poderia apresentar, as medidas de coação seriam decididas por votação telefónica, poderia ser sorteado um automóvel para incentivar a participação da população. O mais nomeado seria obrigado a abandonar o Tribunal em 10 minutos, depois dos abraços emocionados dos companheiros que ficariam. No dia seguinte, seria entrevistado nos vários programas populares desse canal, ganharia a vida em aparições públicas nas discotecas e mais tarde escreveria um livro ou gravaria um cd. 

Acabou-se a paciência. Está na hora de colocar um ponto final neste artigo. Agora vou imprimir e rever, depois enviar para a redação do Notícias de Coura. Antes disto tudo, é hora de desligar a televisão. Click. 

Crónica publicada na edição 261 do Notícias de Coura, 2 de dezembro de 2014.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Já chega de Português e Matemática.

Confesso mais uma vez aos leitores a dificuldade que tive em começar a escrever esta crónica. São 21 horas do dia 27 de outubro, e a crónica é para ser enviada hoje. Tenho 3 horas, e tenho de me apressar, pois tenho mais coisas para fazer. Esta minha mania de deixar as coisas para o fim, de trabalhar no fio da navalha, um dia vai correr mal. A verdade é que me começam a faltar os temas, não que eu não consiga escrever sobre mil e uma coisas, questiono-me é sempre sobre o interesse que elas poderiam ter para os leitores, e não o faço. Aproveito, para vos desafiar a sugerirem-me temas, assuntos que gostavam de ver tratados, prometo fazer o meu melhor para dar resposta às vossas sugestões. (Este meu desafio é uma forma disfarçada de vos pedir ajuda, mas isso, já vocês perceberam.) 
Entretanto, e como hoje tenho de ser eu a safar-me, vou mais uma vez falar, um bocadinho, sobre educação. Na semana passada, no programa prós e contras da RTP 1, falou-se sobre educação, a vida agitada das escolas, o confuso processo de colocação de professores, a autonomia das escolas, a qualidade do ensino, enfim, um infindável número de questões para as quais, confesso, tenho vindo a perder a paciência. Não vi o programa, apenas o ouvi, e só me ficou parte das declarações de um interveniente justificando a necessidade de apostar em mais horas nas disciplinas de português e matemática. E eu pergunto: MAIS?! Eu sei que estas disciplinas são importantes, é claro que a língua materna é fundamental e sem a qual se torna mais difícil (não impossível), progredir noutras áreas, mas, mais horas no curriculo? Mais horas de matemática?! Então e as restantes áreas? São menos importantes?! A matemática é importante, claro que é, e o teatro não é? E a dança? E a música? E a pintura? 
Para que não me chamem exagerado, aqui fica um exemplo concreto: no 9.º ano de escolaridade os alunos têm 39 aulas por semana, 13 das quais são das disciplinas de português e matemática, ou seja: 33%. As restantes 26 horas estão distribuídas pelas restantes 10 disciplinas. Existem vários estudos internacionais que comprovam a importância das disciplinas artísticas na formação das crianças, no desenvolvimento da sua capacidade de relacionamento, na sua sensibilidade, na sua consciência crítica, tornando-os indivíduos criativos e dinâmicos, capazes de ver mais do que aquilo que lhes colocam à frente. As crianças são dotadas de criatividade, possuem a capacidade de aprender e ensinar, não têm medo de errar, condição essencial para a originalidade.[1] O nosso país que tanto gosta de copiar alguns exemplos vindos do estrangeiro, bem podia ter isto em consideração, e deixar de menosprezar as disciplinas artísticas, tornando-as “momentos de repouso” das outras disciplinas consideradas mais importantes. 
Aqui por Paredes de Coura, os mais pequenos ainda vão tendo sorte. Desde o pré-escolar que têm contacto com a música clássica, o teatro, os contos, os jogos, as experiências, a pintura, as artes criativas, as artes plásticas, entre outros. Não são muitas horas, se calhar são as possíveis. Pena que há medida que avançam na escolaridade elas se tornem cada vez menos. Ainda assim, e apesar de estarmos longe de um grande centro urbano, podemos dizer que ainda há uma razoável oferta de atividades às quais os jovens se podem dedicar. Ouvi dizer que há por aí um clube de natação e cultura onde se pode fazer patinagem, há associações onde se aprende a cantar e a dançar, até há algures um grupo de teatro juvenil! 
Tudo isto para justificar a importância do teatro, dirão vocês que se riram quando leram a última parte da frase anterior. É verdade. O teatro, assim como todas as outras formas de expressão artística, justifica-se quando proporciona momentos de criatividade e talento vindos das crianças e jovens. O responsável[2] pelo “Sopros de Voz”, grupo de teatro juvenil do TAC – Teatro Amador Courense, confidenciou-me que no último ensaio desafiou os “seus” atores a construírem uma cena. Deu-lhes um papel com 3 palavras, partes de um texto e algumas regras rígidas que teriam que cumprir. – Agora têm 20 minutos para criar uma cena de 3 minutos, disse. E deixou-os à solta... Quando lhe apresentaram o resultado, alertou-os: - Não se esqueçam disto. A voz autoritária disfaraçava a emoção que estava a sentir por pensar: - Como foram eles capazes de fazer isto? Há quem diga que é isto o processo criativo, e com as crianças torna-se fácil, pois basta deixar as portas abertas entre o mundo moldado pelos adultos, e o mundo que elas estão a construir. 

[1] Ken Robinson – How schools kill creativity 
[2] O resposável pelo “Sopros de Voz” é o autor destas crónicas!

Crónica publicada na edição 259 do Notícias de Coura, 4 de novembro de 2014.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A minha fábrica de salsichas

Início de setembro, começou o ano letivo. Sim, porque o trabalho das escolas não começa apenas quando chegam os alunos, cada ano letivo começa a ser preparado com meses de antecedência, e nas primeiras semanas de setembro o trabalho é verdadeiramente assustador. Eu, um simples professor de informática, e com apenas 230 alunos, tive 15 reuniões de trabalho na 2.ª semana de setembro! Isto não é nenhum lamento, apenas mais uma farpa que atiro aos que insistem em dizer que os professores trabalham pouco, têm 3 meses de férias e ganham imenso dinheiro!
A primeira semana ia correndo e milhares de professores continuavam sem saber em que escola iriam dar aulas. A alguns deles, o Ministério ordenou que se apresentassem na escola onde tinham estado no ano passado. Lá foram eles, fazer centenas de quilómetros para se apresentarem em locais onde muitos sabiam que não iriam ficar a trabalhar.
Entretanto, o Ministro da Educação e Ciência pediu desculpa aos deputados, aos professores, aos pais, aos alunos, num ato único, de verdadeira coragem. Pelos vistos, alguém dos serviços se enganou a fazer uma fórmula matemática, que fez com que milhares de professores se vissem colocados numa lista ordenada que não traduzia com rigor as habilitações de cada um. Enfim, uma lista mal feita, professores à espera de colocação, escolas sem professores, tudo normal. Mas quem é que se enganou a fazer a fórmula matemática? Deviam ser castigados todos os professores de matemática desse irresponsável, nunca o deviam ter passado de ano.
Três semanas depois do início do ano letivo, ainda há escolas a funcionar a meio gás, umas por falta de professores, outras por falta de assistentes operacionais.
No meio de tanta normalidade, sistematicamente anunciada pelo Primeiro-ministro, eis que surge algo que dá vontade de apelidar de anormalidade, só não o faço para não me acusarem de estar a ofender alguém. Então não é que Passos Coelho, quando comentava o relatório do Conselho Nacional de Educação sobre o setor, e na tentativa de justificar que não basta ter apenas mais alunos, é preciso garantir a qualidade dos resultados, dispara: “Sabemos que aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado educativo.”
Muito já foi escrito sobre a origem desta analogia, fica claro que está a comparar a escola a uma fábrica de enchidos, onde os operários se limitam a executar a sua tarefa, produzir algo que cumpra os requisitos estabelecidos por quem manda. Embora em parte eu possa concordar com a ideia da escola “formatar” os alunos, por outro lado irrita-me que o Primeiro Ministro faça estas afirmações. A razão é simples. Apesar da tão anunciada autonomia das escolas, na maior parte das questões essenciais os professores e os alunos nunca são ouvidos, as decisões são tomadas pelos ministros ou secretários de estado, e quem os aconselha são os grupos de trabalho e as comissões nomeadas pelos próprios, de entre os mais competentes amigos, primos e enteados que conhecem. Como é que querem que não se “formatem” os alunos, quando a legislação com que nos inundam é tanta e tão limitativa? Já para não falar no financiamento. Quase me apetecia fazer uma comparação entre as escolas públicas e privadas, mas não quero ser mais um dos que acusa este governo de defender os interesses privados. Só gostava de saber onde é que algumas escolas vão arranjar dinheiro para oferecer computadores aos alunos? E cartas de condução? Sim, já vi um outdoor em que uma escola oferecia a carta de condução aos seus novos alunos.
A minha fábrica de salsichas (a escola básica e secundária de Paredes de Coura), continua à espera das prometidas obras de requalificação. Este ano temos turmas com 30 alunos! Nem imagino o que deve ser uma aula de matemática, com o professor a prestar o apoio individualizado que cada aluno precisa. E as aulas experimentais de Físico-Química, Biologia ou Ciências?! Na minha sala de informática tenho 30 computadores, pois é assim que deve ser, cada aluno deve poder trabalhar individualmente num só. Aqui que ninguém nos ouve, a semana em que este artigo vai ser publicado, coincide com a primeira aula prática, aquela em que os computadores vão ser todos ligados em simultâneo! Não pensem que eu não testei isso com a sala vazia. Já o fiz. Mas nunca se sabe... Em tudo isto, os únicos que devem estar satisfeitos são os professores de educação física. Podem trabalhar com 2 equipas de futebol de 11, e ainda têm suplentes!
Vou terminar com um facto. Todas as salsichas que deixaram a linha de produção em julho e concorreram ao ensino superior conseguiram colocação. Não sei se o segredo está na massa, nos ingredientes, nos operários ou no forno. Não lhes podemos oferecer a carta de condução, mas vão daqui a conduzir o seu próprio futuro!

Crónica publicada na edição 257 do Notícias de Coura, 7 de outubro de 2014.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Banhos públicos e outras coisas

Então “Fulano”!? Querias comer à minha pala?! Pois comigo não tens sorte! (E nesta altura, seria dada ordem para que alguém despejasse um balde de água fria sobre mim, ou em alternativa, atirar-me-ia para um qualquer fontanário, cumprindo assim o desafio lançado pelo dito “Fulano”). Logo após esta tão grande prova de coragem, e ao mesmo tempo que me livrava do “dever” de lhe pagar o jantar, teria o “direito” de nomear mais 3 ou 4 “Beltranos e Sicranos”, com a esperança que a falta de coragem de algum me trouxesse a tão ambicionada refeição grátis! 
E é disto que se tem alimentado neste verão a rede social Facebook! 
Esta história dos banhos públicos quase que me dava de vontade de gritar de indignação, perante tão grande desperdício de água, não fossem as causas sociais a que tais banhos se associaram. Quando o objetivo é ajudar a APELA (Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica), e como ultimamente tenho visto e ouvido, os Bombeiros Voluntários de Paredes de Coura e Associação Courense de defesa dos animais, tenho de louvar a iniciativa e dar os parabéns a quem nela participa, embora não ache necessária tal demonstração pública de apoio. Muitas vezes, esta aparente generosidade é no fundo uma demonstração de egoísmo, pois o seu objetivo é fazer sentir-se bem quem a pratica. Já agora, atrevo-me a fazer também um desafio: - Seria interessante saber, daqui a um ou dois meses, quanto receberam estas instituições desta onda de solidariedade “banhista”! 
Mas nem só de banhos se tem pautado este verão! 
Não posso deixar de fazer referência a dois acontecimentos que decididamente marcaram o verão em Paredes de Coura. A iniciativa “Mundo ao Contrário”, encheu de cor e alegria esta vila, a diversidade dos artistas e a qualidade dos espetáculos deve deixar orgulhosos os organizadores e ansiosos os espetadores, pois coisas destas, são uma dádiva! Depois, o FESTIVAL*. Sobre este, só me atrevo a escrever uma palavra: “Assombroso”. 
Entretanto o país manteve-se mais ou menos igual: 

- Rebentou mais um escândalo na banca, ouvimos falar de tantos milhões de euros em operações tão estranhas, de bancos que emprestam dinheiro às suas empresas, que por sua vez o aplicam noutras empresas que dominam o primeiro banco; de administradores de bancos que são afastados do banco “mau” por conduta danosa e que depois são convidados a comandar os destinos do banco “bom”; a confusão é tanta que qualquer cidadão menos cuidadoso era capaz de chamar a isto tudo uma vigarice! 

- Recomeçou o campeonato nacional de futebol. E lá fica metade do povo adormecido com a bola até maio! 

- Parece que se avizinha um novo aumento do IVA. É caso para perguntar: E então?! Qual é a novidade?! Até parece que os portugueses não estão habituados a aumentos de impostos! 

- Lá por fora, um jornalista americano foi degolado e decapitado pelo Estado Islâmico; um avião comercial foi abatido, ao que tudo indica pelos rebeldes separatistas ucranianos, matando 298 pessoas; o vírus Ébola deixou as fronteiras da Libéria e espalha-se perigosamente pelo continente Africano; em suma, o ser humano continua a contribuir de forma decisiva para a sua destruição. 

Vou terminar como estive quase para começar: Escrever esta crónica está a custar-me imenso, hoje é um dia aborrecido para mim, pois ontem terminaram as minhas férias. Mas depois pensei que afinal o fim das férias é um bom sinal, é sempre bom saber que o seu fim provoca o início do período de trabalho, coisa de muito valor nos dias de hoje, especialmente em Portugal. 

* O autor escreve a palavra FESTIVAL em letras maiúsculas pois é o mínimo que pode fazer para honrar tal acontecimento. 

Crónica publicada na edição 255 do Notícias de Coura, 2 de setembro de 2014.

terça-feira, 15 de julho de 2014

À conversa com um ferrador de cavalos

Eram cerca das 20 horas de um destes últimos dias do mês de junho e preparava-me eu para fazer 3 horas de fotografias junto ao Tejo, com Lisboa em pano de fundo, algumas nuvens no céu, o sol a preparar-se para se esconder e dar mais uma volta ao mundo! Com uma máquina já a trabalhar, na sua árdua tarefa de tirar as 400 fotografias que eu precisava para fazer cerca de 15 segundos de filme, e eu preparado para entretanto ir tirando umas fotografias ao longe, aos navios que passavam junto à Ponte 25 de Abril e aos aviões que se aproximavam do Aeroporto da Portela, quando surge uma voz: 
Então você é fotógrafo é? Já vendeu alguma fotografia? Há uns tempos estive aqui com um sujeito que ganhou um prémio com uma fotografia que tirou ali quase debaixo da Ponte Vasco da Gama, você tem que arranjar umas galochas dessas de pescador e ir até lá, agora que a maré está baixa! 
O meu primeiro pensamento foi talvez cruel, não pertencesse eu à raça humana, se calhar a espécie mais cruel que existe, pensei logo: olha a minha sorte, logo tinha que me aparecer aqui este “cromo”, já não se vai calar! E não calou! 
Nos primeiros momentos ainda fui respondendo às perguntas dele: Não, não sou fotógrafo. Nunca vendi nenhuma fotografia, faço isto apenas como passatempo. Talvez numa próxima vez eu traga umas galochas. Mas, as minhas respostas eram levadas pelo vento, nada do que eu dizia servia sequer para permanecer no mesmo assunto durante mais de 2 ou 3 minutos. Durante uma ou duas vezes ainda desesperei, quando vi passar uns aviões a baixa altura e eu de máquina na mão ansioso por disparar, mas achei, e bem, que desviar-me era uma falta de respeito e consideração, por alguém que gratuitamente me falava de tão variados assuntos. Começou por me dizer que tinha vindo do Brasil há 10 anos, já tinha um filho que tinha feito 3 anos agora em março, e que o “puto” era espertíssimo, sabia procurar os vídeos que queria no youtube e ligava e desligava o computador sem ajuda de ninguém. Depois falou-me do peixe, ele também era pescador, respeita e preservava as espécies, não pescava nada que fosse proibido, achava que o ser humano devia respeitar a natureza, pois ela fazia falta, talvez não para ele, mas para o seu filho. Mas aqui em Portugal já se está a tratar disso, vão fazer uma lei que vai proibir o uso de redes de arrasto aqui no estuário do Tejo, para não estragar o alimento da amêijoa. Mais tarde, falou-me dos barcos, aqueles grandes navios que você vê lá ao fundo, aquilo não trabalha a gasóleo, só usam o gasóleo para arrancar, depois trabalham a crude. Já viu o preço do barril de crude? 100 Dólares? É um exagero. Este mundo está uma miséria, queixava-se ele, e falava-me do conflito israelo-palestiniano. Uma desgraça, vão-se matar todos. Se aquilo tivesse lá petróleo os americanos já tinham ido lá resolver o conflito. A conversa passou ainda pela crise em Portugal, o Mundial de futebol no Brasil, o preço do peixe na lota, no mercado e nos restaurantes, a justiça de Portugal que castiga mais os polícias que os ladrões, entre outras coisas, das quais fui um ouvinte atento e interessado. Já o sol se tinha escondido, quando a conversa, talvez trazida pela escuridão que se aproximava, foi levada para o lamento de ter abandonado o país há tantos anos em busca de emprego e melhor futuro, e agora ver o cunhado: um puto novo, tem 23 anos e é informático, e não quer sair daqui. O país não tem lugar para ele, e ele não quer ir para o Brasil, eu tenho lá um primo que lhe arranja emprego na área. No Brasil a informática está “dando dinheiro”. Eu também vim para Portugal sem conhecer nada nem ninguém, trabalhei nas obras, na pesca e agora estou estabelecido como ferrador de cavalos. 
Entretanto, o telefone tocou, era o “puto” de 3 anos que chamava o Pai para ir comer. Despediu-se desejando-me felicidades. Retribuí. 
Nessa altura desliguei as máquinas, há muito que elas já não estavam a fazer nada verdadeiramente interessante. Fiquei a pensar no cunhado daquele homem, desempregado, e informático, como eu. Será que eu teria a coragem de atravessar meio mundo e ir para o Brasil? Será que eu seria capaz de abandonar o país e fazer como ele fez há 10 anos? Não sei. Sei que nos últimos meses, centenas de portugueses têm tido essa coragem, e têm deixado o país e a família e partindo por esse mundo. 
Portugal voltou a ser um país de emigrantes, com uma ligeira diferença da geração de 60/70 do século passado: muitos deles, não levam na bagagem o desejo de voltar.

Crónica publicada na edição 253 do Notícias de Coura, 8 de julho de 2014.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Agora sim, a Vila do Rock!


Acabei a minha última crónica, aquela em que eu estava especialmente irritado, anunciando aos leitores que se me perdoassem essa, talvez numa próxima (esta), eu arriscasse a entrar nos meandros da política. Agora que chega a altura de colocar as palavras no papel, sinto-me diante de um pelotão de fuzilamento, sem saber quais as palavras mágicas que me possam libertar desta obrigação, que me possam livrar de entrar em terrenos que me assustam, e pelos quais, sinceramente, não nutro grande admiração.
Uma das formas de me desculpar, seria argumentar com a minha incapacidade de me interessar pelos assuntos da política, e aproveitar o facto de estar a escrever esta crónica depois do primeiro jogo da nossa seleção no Mundial do Brasil 2014. E seria mais fácil porque a nossa seleção perdeu. Como devem imaginar, o terreno da censura e da acusação é muito mais fértil que qualquer outro. Que poderia eu dizer?
- Que a nossa seleção está recheada de estrelas que pensam mais na sua imagem que no bem comum da equipa?
- Que Portugal perdeu porque não se habituou ao país, às altas temperaturas, ao elevado grau de humidade? (A seleção alemã chegou lá primeiro, apesar de nós, em tempos, termos sido os primeiros. Pedro Álvares Cabral era um treinador mais prevenido!)
- Que Portugal perdeu porque jogou mal, e jogou contra uma das melhores seleções do Mundo?
- Que é melhor perder o primeiro jogo, pois só dessa forma Portugal é capaz de fazer contas, é só quando fazemos contas é que somos capazes de jogar melhor?
Poderia fazer mais algumas perguntas (tenho mais 4 ou 5 entaladas no espírito, ainda da raiva que sinto por termos perdido), mas não vou fazer desta crónica um pretexto para expor a minha dor e revolta, até porque acredito, sinceramente, que quando este jornal vos chegar às mãos, a nossa seleção estará perto do apuramento, e fará um grande mundial. É a minha sincera convicção.
E desta forma, não me resta alternativa, terei mesmo de escrever alguma coisa sobre política. Vou-me debruçar, nas linhas que me restam, sobre uma das temáticas do momento: “Paredes de Coura – a Vila do Rock”. Como todos sabem, pois leram a edição 249 deste jornal, trata-se de um projeto de criação de uma imagem de marca e da promoção e difusão da terra, associando-a ao evento, que sem dúvida lhe dá um local no mapa: o Festival.
Sinto uma enorme satisfação por, em maio de 2013, ter dedicado uma das minhas crónicas ao tema do Festival, e ao facto de achar que era ainda pouco aproveitado pela terra, face ao mediatismo que tinha (e tem), e face especialmente aos milhares de visitantes que faz chegar a estas paragens. Como já na altura referi, e insisto em escrever, noventa e cinco por cento das pessoas com que me vou cruzando fora daqui, quando lhes digo onde estou, exclamam: Ah, a terra do Festival! Só lá fui uma vez, há muitos anos, ao festival rock!
Mais do que uma decisão política, é acima de tudo uma decisão inteligente e necessária, e que não tenho dúvidas que trará imensos benefícios à terra, e que servirá de isco para criar mais eventos, trazer mais visitantes e tornar o festival ainda mais importante para a dinamização da região.
Desta vez não vou fazer notas de rodapé para justificar a minha independência partidária, até porque vivendo em democracia, tenho direito a essa escolha. Da mesma forma que dou o mérito a esta ação, sou bem capaz de condenar aqueles que vivem, na sombra de alguns blogs, a atacar os investimentos e apoios dados ao Festival. Sim, ainda há gente que por aqui não sabe que este já foi considerado um dos 5 melhores festivais da Europa, e no ano passado foi o melhor festival português realizado fora do ambiente urbano!
E sabem quem vos diz isto? Alguém que apesar de estar há 8 anos em Paredes de Coura, ainda nunca foi ao Festival. Mas não é isso que me impede de ver a excelência e a grandeza de algo extraordinário!


Crónica publicada na edição 251 do Notícias de Coura, 24 de junho de 2014.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Coisas que me irritam


Sei de antemão que muitos dos que lerem este título vão virar a página do jornal, respirando fundo e pensando: Que me interessa a mim as coisas que te irritam!? Não me chateio por isso, e garanto-vos, muito provavelmente, eu pensaria em fazer o mesmo! Mas, assumo o risco, sabendo que muitos leitores farão esse esforço, quanto mais não seja para me poder questionar (ou mesmo atacar, no bom sentido do termo).

Pipocas no cinema
Já perceberam não é? A mim também! Dirão vocês certamente.
As pipocas no cinema, bem como aquela bebida gasosa mundialmente apreciada, são a principal fonte de receitas das salas de cinema no nosso país. Apesar dos bilhetes não serem baratos, o rendimento proveniente da venda destes “alimentos” é uma fonte de receitas indispensável à sustentabilidade das salas, tanto é que, o preço de um destes menus é superior ao do bilhete. Acresce ainda o facto da maioria dos espetadores só se contentar com o “balde gigante” de pipocas, e mais grave ainda, aqueles que aproveitam o intervalo para reabastecer. Até aqui, não me irrito, o pior é quando começam a comer… tenho o azar de ficar sempre numa sala onde parece que todos comem de boca aberta, fazendo ainda mais barulho que um qualquer animal que tenha estado uma semana privado de alimento, e de repente se veja colocado diante de um belo manjar. E mais azar ainda, na minha sala de cinema, nunca ninguém percebe quando é que a bebida chega ao fim, e todos insistem em chupar furiosamente pela palhinha, como que à espera da multiplicação do líquido. Por fim, e porque nem tudo pode ser negativo, tenho a sorte de ter pouco cabelo, caso contrário, seria provavelmente brindado com algumas pipocas que saltariam da boca, ou das mãos de um incauto espetador, atrás de mim sentado!

Luzes dos flash´s no teatro
Neste ponto, a minha irritação atinge um ponto perigoso. Eu fico extremamente furioso quando isto acontece. Acredito que é uma questão de bom senso, não é preciso avisar antes de uma peça de teatro começar, que não se podem tirar fotografias com flash. Será que as pessoas não entendem que a força daquela luz perturba os atores? Será que não percebem que incomoda também, se calhar ainda mais, quem está a assistir? Será que não conseguem discernir que, se a sala está às escuras, e se as cenas têm pouca luz, é porque alguém decidiu que assim é que deve ser? A menos que alguém vos peça para ajudar a recriar um cenário de trovoada, por favor, desliguem os flash’s, ou deixem as máquinas em casa.

Pais dos bebés que choram em espetáculos
Pensei muito antes de incluir este tópico, e estou recetivo às críticas que me possam fazer, mas não poderia deixar de o fazer, sob pena de ficar seriamente irritado com a minha consciência. Obviamente que não me irritam os bebés, nem sequer os bebés a chorar, o que me perturba é quando eles choram nos locais onde simplesmente não deviam estar. O que me irrita são os pais dos bebés que insistem em levar as crianças a um espetáculo de teatro, ou cinema, ou até a um concerto, sabendo de antemão que aquela é uma escolha deles, e não da criança. Pior do que os que levam as crianças, (felizmente ainda há alguns que ficam sossegados), são aqueles que depois de ela começar a chorar, insistem em permanecer na sala, pensando que um simples embalo no colo é suficiente para acalmar a criança. Será que não percebem que isto é perturbador para quem está a atuar, e principalmente para quem está a assistir? (E a mim chateia-me mesmo quando sou espetador). Já para não falar da própria criança, se ela está a chorar, não está por certo confortável. Ainda assim, até sou capaz de os desculpar quando penso naqueles que passam o tempo a falar alto com os parceiros do lado, e a comentar em alto e bom som as peripécias do espetáculo.
Já chega. Já me começo a irritar com as minhas próprias irritações. Apanharam-me num dia especialmente mau. Desta vez foi a crónica do Notícias de Coura que teve de suportar o meu, “por vezes”, mau feitio. Se me perdoarem esta, e esperarem pela próxima, talvez arrisque a entrar nos meandros da política. Entretanto, lembrem-se que a irritação não resolve nenhum dos nossos problemas, e portanto, respirem fundo, voltem a página, e esqueçam tudo aquilo que acabaram de ler.

Crónica publicada na edição 249 do Notícias de Coura, 27 de maio de 2014.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Onde estava eu no 25 de Abril?


Este ano o 25 de Abril faz 40 anos. Curioso ou não, eu também.
A história é muito fácil de contar. Se a tivesse que resumir a poucas palavras escreveria:
Era uma vez um país, as pessoas viviam tristes e amedrontadas por não serem livres, nem sequer se podiam expressar livremente. Um dia, um grupo de militares corajosos resolveu colocar um ponto final naquela ditadura que durava há 40 anos. Tomaram conta da rádio, passaram uma música do festival da canção para dar o sinal às tropas que o golpe militar estava em marcha e avançaram até à capital. Foi tudo tão rápido e estranho, que em poucas horas o povo estava nas ruas a festejar, junto com os militares de armas em punho e carregadas de cravos vermelhos!
Esta é a história que eu tive oportunidade ao longo dos anos de ouvir. Quando a revolução se deu, eu ainda estava a 5 meses de nascer. Naquela altura, Portugal era ainda um país imenso, o Brasil já se tinha tornado independente, mas as colónias africanas eram ainda parte integrante do nosso território. Um dos efeitos praticamente imediatos da revolução dos cravos foi o processo de descolonização. De tudo isto, eu não tenho recordações, nem sequer memórias, limito-me a ouvir os relatos de quem viveu esses tempos.
Eu, nasci em Luanda em pleno processo de libertação colonial, oiço muitas histórias sobre o que era a vida naquele país, e quase sou tentado a dizer que tenho saudades. O que aconteceu depois, está já escrito na história, seguiram-se períodos de guerra e de destruição, o país viu-se de repente inundado daqueles que ficaram conhecidos como retornados, os portugueses brancos que voltaram das ex-colónias. Fernando Dacosta, no livro “Os retornados que mudaram Portugal” de 2013, escreveu que, “quase quatro décadas depois, muitas centenas de milhares de portugueses continuam a carregar esse sentimento de amputação, essa saída forçada de uma terra que consideravam sua. Como conseguiram vencer, integrar-se numa sociedade que os olhava com desconfiança e os recebeu com hostilidade? Continuam a trazer África no coração?”
Conforme vou escrevendo vai-se apoderando de mim um sentimento estranho. Será que estou com saudades? Será que questiono por um momento sequer o que me teria acontecido se a revolução de Abril não tivesse sido bem sucedida? Se calhar questiono, mas não vale a pena, a vida é como é, foi como foi, e o que importa é o que ela é agora. E para me alegrar, basta voltar às histórias da ditadura, para me dar conta que seria difícil viver daquela forma, e que muito devemos aos militares que nos libertaram. Naqueles tempos, dificilmente eu teria uma crónica num jornal, completamente livre de opinião!
Mas, será que era tudo mau? A acreditar nas palavras do presidente da Comissão Europeia, o ensino era muito, muito melhor.
Durão Barroso disse há uns dias*, que lamenta que não tenha sido possível conciliar a democratização do ensino com a exigência e a qualidade", recordando que, antes do 25 de abril de 1974, "apesar de algumas liberdades cortadas, havia na escola uma cultura de mérito, exigência, rigor, disciplina e trabalho.” Esqueceu-se naturalmente que naquele tempo, a escola era para as elites, e a taxa de analfabetismo era assustadora.
Não consigo terminar esta minha pequena homenagem ao 25 de abril, sem me pronunciar sobre as palavras da Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves. Para as comemorações dos 40 anos da revolução dos cravos, foi convidada a Associação 25 de abril. O seu presidente, Vasco Lourenço**, afirmou que só estariam na cerimónia se pudessem usar da palavra. Assunção Esteves ripostou, dizendo que “houve um convite para virem ao parlamento, só.” Quanto ao uso da palavra, “o problema é deles.”
Acho curiosa esta troca de palavras: um homem que lutou para nos dar o direito à palavra, exige fazer uso desse direito. Do outro lado, a presidente da Assembleia da República, do local onde a voz do povo se diz representada, nega o uso dessa liberdade.



* Na cerimónia de entrega do donativo do prémio Carlos V à CAIS.
** Vasco Lourenço: militar português na Reserva que pertenceu à Comissão Política do Movimento das Forças Armadas.


Crónica publicada na edição 247 do Notícias de Coura, 29 de abril de 2014.

terça-feira, 1 de abril de 2014

A alegoria do mural

Numa tentativa desesperada de arranjar um assunto para esta crónica, servi-me do meu mural do facebook para pedir ajuda. Como sabem (todos os que têm facebook), é muito mais fácil colocar um gosto (Like) do que efetivamente comentar, pelo que tive mais pessoas a gostar do meu pedido, do que pessoas a ajudarem-me. Curiosamente, os que gostaram, nenhum comentou. Bela ajuda que me deram! Belos amigos!
Ainda assim, entre as sugestões de escrever sobre a dança do treinador do Benfica em Londres e a liberdade de voto que alguns deputados resolveram não exercer na votação sobre a coadoção, fiquei pensativo quando alguém escreveu: “Pode-se sempre falar sobre a falta de ideias por causa do excesso de informação, a cegueira humana da actualidade.[1]
Estas palavras fizeram saltar em mim uma estranha sensação de dependência e de prisão, e quase de arrependimento por na última edição destas crónicas ter escrito que não me queria sujeitar ao tratamento de estar dependente (viciado) na internet.
A falta de inspiração é muitas vezes fruto da imensidão de assuntos que nos preenche os dias. Hoje temos acesso a tudo, em tempo real sabemos o tempo, vemos as notícias acontecer, nem nos preocupamos muito em fixar datas, locais, curiosidades ou até nomes de pessoas, em menos de dez segundos abrimos a internet, fazemos uma pesquisa e temos as respostas.
Tudo isto me fez lembrar a alegoria da caverna de Platão. Nela, o autor desafia-nos a imaginar um grupo de homens, presos numa caverna, onde nasceram e de onde nunca saíram. Estão de costas para a entrada e forçados a olhar sempre para a parede do fundo dessa caverna, onde são projetadas as sombras da vida real, dos homens que vivem fora da mesma. Para eles, a realidade são as sombras. Platão incita-nos então a imaginar que um desses homens se liberta, sai da caverna e, é confrontado com a realidade. Afinal as sombras são homens como eles, e existe todo um mundo a ser descoberto. E se este homem voltasse à caverna? Qual seria a reação dos seus companheiros? Acreditariam nele? Deixariam que ele destruísse a ideia que eles tinham do mundo?
É neste momento fácil perceber a razão da escolha do título desta crónica.
O facebook é hoje em dia, sem dúvida, o diário de vida de muitos de nós, regista o que fazemos, o que comemos, com quem estamos, onde fomos e tudo aquilo em que pensamos.
Nos dias de hoje é muito fácil imaginar um grupo de homens, nascidos e criados em plena era digital, presos desde sempre a uma cadeira e olhando para o monitor de um computador. Para eles é aquela a realidade.
Quando um destes homens se libertar, não vai por certo sentir tantas diferenças como o homem da caverna de Platão. Afinal, a Internet mostra-nos o mundo tal como ele é, até tem a vantagem de nos mostrar coisas, que sem a qual provavelmente nunca teríamos oportunidade de ver. A diferença está no esforço com que chegamos às mesmas, e nas memórias que ficam desse esforço, das experiências vividas, das emoções sentidas, dos minutos ou horas até o conseguirmos.
Fica aqui o desafio: se precisarem de uma fotografia do mar ou do pôr-do-sol, não vão à Internet, saiam de casa. Se o professor de geografia vos mandar fazer uma pesquisa sobre o Caminho de Santiago, visitem a exposição que está patente no Centro Cultural de Paredes de Coura. Se a professora de português vos falar do escritor Aquilino Ribeiro, visitem a biblioteca com o seu nome. Se o professor de pintura vos desafiar a colorir uma paisagem, vão dar um passeio até à praia do taboão ou até à paisagem protegida de corno-de-bico. Se o professor de TIC vos mandar fazer um trabalho qualquer utilizando as tecnologias de informação e comunicação, desafiem-no a ler esta crónica antes!


* Estava quase a terminar esta crónica quando a Sandra Santos decidiu gostar do meu pedido de ajuda e comentar essa minha publicação. Portanto, quando nas próximas crónicas eu escrever sobre a crise de valores que grassa por este mundo, as pessoas que se dedicam a ajudar animais e à luta contra o cancro, entregando-se de coração sem nada pedir em troca, ou se eu deambular pelos temas da fotografia e do teatro, já sabem de quem foi a ideia.


[1] Sugestão da Sandra Araújo.

Crónica publicada na edição 245 do Notícias de Coura, 25 de março de 2014.

domingo, 2 de março de 2014

A nova Biblioteca itinerante

As crianças e jovens de Paredes de Coura, decerto não se lembram de umas carrinhas com livros, que visitavam as aldeias duas vezes por mês.
O Serviço de Bibliotecas Itinerantes, foi criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1958. Visava “promover e desenvolver o gosto pela leitura e elevar o nível cultural dos cidadãos[1]”. Em 1961 circulavam pelo país 47 carrinhas (biblio-carro), que levavam às regiões mais desfavorecidas, um serviço que de outra forma muito poucos teriam acesso. A principal preocupação deste serviço era o leitor, aquele que vivia afastado, sem possibilidades de se deslocar até uma cidade próxima que tivesse uma biblioteca, e com muito menos possibilidades para comprar livros, na altura, um privilégio de poucos.
No início da década de 90, este serviço entrou numa fase de extinção previsível; os fundos comunitários permitiram ao país dotar-se de bibliotecas públicas, as escolas viram o estado central apostar no reforço da biblioteca como centro de recursos fundamental das escolas, e a proliferação de universidades e institutos fez com que o acesso aos livros, e à cultura, fosse uma constante no dia-a-dia de todos.
Depois, surgiu a Internet, e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Quando a Internet começou a ser disponibilizada nas universidades, escolas e bibliotecas públicas, o serviço era lento, e usado principalmente para a transmissão de mensagens e acesso a alguma informação que não se encontrava noutras fontes. Mas muito rapidamente o paradigma se alterou. Tudo passou a estar na Internet. Não tenho dados concretos e nem sequer me vou dar ao trabalho de os procurar, mas acredito que a maioria dos frequentadores das bibliotecas, não vão mexer nos livros, muito menos requisitar algum, vão é para um computador, e para esse “outro mundo” que existe à distância de um clique.
E as Bibliotecas souberam adaptar-se a essa necessidade. Há uns anos elas tinham 2 ou 3 computadores com acesso à Internet, hoje têm dezenas, e partilham também a rede wireless, para que todos possam estar ligados.
Infelizmente, as Bibliotecas não existem em todas as aldeias e lugares do país. A rede wireless gratuita também não é ainda um privilégio de todas as nossas terras, e apesar dos programas e-escolas, e-oportunidades e outros que tais, o certo é que ainda há muita gente, mais do que seria admissível nos dias de hoje, sem acesso à Internet.
E então, por terras do Alto Minho, surge um estranho protocolo entre a Fundação PT e a Biblioteca Aquilino Ribeiro de Paredes de Coura: os utilizadores da biblioteca podem requisitar uma placa de banda larga móvel, levá-la gratuitamente para casa durante 4 dias, e navegar na Internet. Esta preocupação em permitir a todos um acesso gratuito às tecnologias de informação e comunicação, é uma decisão estratégica de fundamental importância para a formação dos cidadãos do século XXI.
Aqui por Paredes de Coura há coisas estranhas a acontecer. As decisões do Estado Central visam fazer-nos sentir cada vez mais os custos do isolamento. Já decidiram fechar o Tribunal, nos cafés já ouvimos dizer que a seguir são as Finanças, depois a Segurança Social, a estação dos CTT, e até a escola pública parece que não escapa.
Já as decisões do Estado Local vão no sentido inverso. O isolamento não é por si só um fator de insuficiência ou de inferioridade perante o país. Afinal, estamos no território onde há dez anos nasceu um projeto único no país, “isto porque 5 presidentes de câmara (Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira) decidiram que, tendo os problemas básicos das populações mais ou menos resolvidos, aquilo que é preciso é ter uma companhia de teatro que leve o teatro às aldeias[2].”
Com as Comédias do Minho, o teatro foi às aldeias.
Com a Biblioteca Aquilino Ribeiro, é a Internet que vai às aldeias.
O que se seguirá?

* Como não podia deixar de ser, aqui fica uma nota de rodapé. O autor tem saudades das bibliotecas itinerantes, do som da carrinha a apitar, do cheiro dos livros que viajavam pelas aldeias, dos conselhos e das sugestões dos técnicos que as conduziam. O autor adora livros, vive rodeado de algumas centenas mas, reconhece a importância da Internet, do conhecimento partilhado na rede, e admite a sua dependência da mesma. Se é prejudicial ou não, sinceramente não quero saber, pois não me quero sujeitar ao tratamento.


[1] www.gulbenkian.pt
[2] Isabel Alves Costa (depoimento para o filme Contra-Bando, 2009)

Crónica publicada na edição 243 do Notícias de Coura, 25 de fevereiro de 2014.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Adeus ao REI

No passado dia 5 de janeiro Portugal acordou com a notícia da morte de Eusébio. O Rei tinha dado o último suspiro. Por vezes, nestas ocasiões ouvimos dizer que no fim, a morte acaba sempre por vencer. No caso de Eusébio, a morte jamais vencerá, pois a memória dele perdurará por certo para a toda a eternidade, e a história do nosso país jamais poderá ser escrita sem uma referência ao seu nome.
São decretados três dias de luto nacional, o país rende-se em homenagens sentidas e justas, a estátua de Eusébio é coberta de cachecóis de vários clubes, até dos rivais, numa demonstração da admiração e respeito que todos lhe tinham. E terão.
Eis senão quando, somos surpreendidos por dois testemunhos que nem sequer me arrisco a chamar de inoportunos ou infelizes, são de tal maneira lamentáveis, que me atrevo a classificá-los de ridículos. Naturalmente não vou referir os nomes dos seus autores, numa crónica com o nome de Eusébio, mais nenhum nome deverá ser referenciado.
Pouco depois da morte do Rei, as vozes multiplicaram-se sobre a ida do seu corpo para o Panteão Nacional (o local onde repousam os restos mortais de grandes figuras da nossa história). E então, quando a nação já assume que isso irá decerto acontecer, alguém nos alerta, afirmando que é necessário refletir bem, “pois há custos elevados, mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros.” Mais tarde, o gabinete da citada veio revelar que a última trasladação para o Panteão Nacional, a de Amália Rodrigues, rondou os 45.000€. Se tais afirmações fossem proferidas por alguém que recebe o salário mínimo nacional, ou por um dos milhares de pensionistas do país, eu até compreendia, mas proferias por uma das mais importantes figuras da nação, alguém que se reformou aos 42 anos, com uma pensão superior a 7000 €, por 10 anos de trabalho é, no mínimo, uma ofensa.
Pouco mais tarde, ainda não refeitos de tão despropositadas palavras, somos surpreendidos novamente. Desta vez, a minha indignação deu lugar à tristeza, por serem feitas por alguém por quem até tenho muita estima, não fosse ele um daqueles que sempre lutou pelo país livre que “ainda” hoje temos. “Eusébio era um homem bom, com pouca cultura”, e pior ainda “sabia que bebia muito whiskey, todos os dias, de manhã e à tarde”.
Mas afinal, o que é a cultura?! Édouard Herriot, político francês, disse um dia que “cultura é tudo aquilo que fica, depois de se esquecer tudo o que se aprendeu”. Eusébio, sendo um homem simples e bom, era um exemplo para um povo, um exemplo de humildade e de grandeza. A prova disto está patente da imagem que todos conhecem, Eusébio em lágrimas, a sair do terreno de jogo, após a derrota da sua seleção, a nossa seleção.
Dentro de algum tempo, Eusébio irá juntar-se a Amália Rodrigues no Panteão Nacional, mas não é isso que os torna eternos. Se um dia estiverem num país longínquo e vos perguntarem de onde são, e perante a vossa resposta surgir desconhecimento, experimentem proferir o nome de um deles (e também daquele que acaba de ser há uns minutos coroado como o melhor do mundo*), e verão quem são aqueles que merecem o reconhecimento e a admiração do povo.

* Como já depreenderam, esta crónica foi escrita durante a gala da FIFA, dia 13 de janeiro,  o dia limite para o envio desta crónica para a redação do Notícias de Coura, o que vai deixar o Diretor aflito com a minha mania de trabalhar a “queimar” os prazos.

Crónica publicada na edição 241 do Notícias de Coura, 21 de janeiro de 2014.