terça-feira, 10 de setembro de 2013

Aquele curso CEF, quase me estragava a vida!

Não posso esquecer o que a escola “quase” me fez quando eu tinha 15 anos. Foi há muitos, muitos anos, mas esse pesadelo continua presente na minha memória, atormentando-me os dias, enchendo as minhas noites de pesadelos. Ainda hoje eu vivo com o medo de estar num sonho, e de repente acordar, e voltar a viver tudo de novo. Eu conto-vos a minha história.
Estávamos no século XXI, a escola pública dizia-se inclusiva, todos os agentes sociais se diziam preocupados em proporcionar condições de aprendizagem a todos os alunos. Os professores diversificavam as estratégias de ensino, as direções das escolas geriam as turmas com o cuidado de integrar os alunos com mais dificuldades, até os agentes políticos responsáveis norteavam a sua atuação com este cuidado. O apogeu desta preocupação teve o seu mais belo exemplo na criação de cursos orientados para atividades mais práticas. Além das tradicionais disciplinas como a Língua Portuguesa, o Inglês e a Matemática, estes cursos viam metade da sua carga letiva ser preenchida com disciplinas práticas, como manutenção de computadores, carpintaria, horticultura, entre muitas outras, de outras tantas áreas temáticas.
Não me vou desculpar com os azares do meu percurso escolar, mas com 15 anos já tinha 3 reprovações. A escola, preocupada em melhorar o meu rendimento e em assegurar condições para eu concluir a escolaridade obrigatória propôs-me a frequência de um curso de jardinagem. Seriam 2 anos, as disciplinas pelos vistos eram mais fáceis, os professores eram “porreiros” e a maior parte das aulas até seria no exterior, aulas práticas cheias de atividades integradas na natureza. Não me lembro bem qual foi a minha reação, nem sequer me lembro de me ter matriculado, o que é certo é que em Setembro eu pertencia a uma nova turma: a turma CEF.
Ao fim destes anos todos tenho alguma dificuldade em recordar o percurso de 2 anos nesta turma, lembro-me de sermos mais rapazes que raparigas, e tal como eu, todos os meus colegas já tinha reprovado algumas vezes. Uma das lembranças que tenho mais presente era a forma como a nossa turma era conhecida: - aqueles são do cef; diziam os outros alunos da escola quando nos viam juntos. Talvez por sermos tratados assim é que nos fechámos ainda mais, fomos obrigados a fortalecer o espírito de grupo para nos protegermos do isolamento a que fomos sujeitos. Ainda hoje acredito que a quantidade de faltas injustificadas que tivemos, por mau comportamento ou não cumprimento das regras se deveu a esta atitude que quase me apetece de classificar de racial, por parte de todos os que nos rodeavam. O curso não era assim tão fácil como me fizeram crer, mas consegui chegar ao fim e concluir a escolaridade obrigatória, mas não sem antes ser sujeito a mais duas tarefas que quase me apetece chamar de castigos. Então não é que no último mês do curso fui obrigado a estagiar durante 1 mês?! Sim, um mês de trabalho, trabalho a sério, de manhã e de tarde numa empresa, e apenas remunerado com uma insignificante bolsa de estágio, que nem dava para comprar tabaco, isto é apenas um exemplo para terem uma ideia do valor, pois eu não fumava. Foi duro, mas também isto eu superei. E então, chegou o derradeiro desafio, o mais humilhante de todos, ao fim de 2 anos de estudo e trabalho ainda quiseram que eu fizesse uma prova. Uma prova de aptidão final! Fiquei tão revoltado com mais isto, que nem me lembro sequer do que fiz, lembro-me sim que reprovei nessa prova, e do que me disseram que podia acontecer:
- Se reprovares na prova, ficas na mesma com a escolaridade obrigatória, a certificação escolar, só não ficas com a certificação profissional.
Foi como que uma nova luz de abrisse diante dos meus dias, fiquei tão atarantado com aquilo que questionei:
- Então assim, vou ter um certificado que não vai dizer que andei neste curso, no CEF, certo?
- Sim é isso, responderam-me.
Então a luz tornou-se ainda mais brilhante, e o meu pesadelo acabou. Consegui terminar a escolaridade obrigatória, poderia tirar a carta de trator e quem sabe tornar-me num jovem agricultor. Não teria que sofrer a humilhação de ver o meu currículo manchado pela frequência daquele curso, jamais saberiam que eu frequentei um CEF.

Nota do autor: Qualquer semelhança entre esta história e a realidade não é mera coincidência. Sócrates, o filósofo, disse um dia que “o fim último da educação era tornar as crianças inteligentes e boas”, como professor é isso que tento, embora com a consciência que nem sempre o consigo.
* CEF: curso de educação e formação.

Crónica publicada na edição 233 do Notícias de Coura, 3 de setembro de 2013.