terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Obrigado Ronaldo!

Escrevo-vos este texto no dia seguinte ao da eliminação de Portugal do Mundial de 2022 no Catar. Se a nossa seleção tivesse passado às meias-finais provavelmente andaria ainda à procura de um assunto para esta crónica, e lá teria de escrever sobre o caos que se vive nas urgências ou sobre as inundações na cidade de Lisboa.

Obviamente que estou triste e desapontado pela eliminação da nossa equipa, mas também revoltado por ter visto um jogo de fraca qualidade. Comparado com o jogo com a Suíça, Portugal não jogou “bola”. E pior… na minha opinião Marrocos não jogou nada. Fez à nossa seleção o que tinha feito à seleção de Espanha, limitou-se a defender e a estragar jogo, e quando a nossa defesa falhou, eles marcaram. Um absurdo ver uma equipa assim nas meias-finais de um campeonato do mundo. (Mas deixa-me calar… em 2016 fomos campeões europeus sem encantar ninguém.)

Ainda assim, muito longe chegou uma seleção que se viu cercada por uma comunicação social “sem vergonha”, principalmente a portuguesa. Em cada 100 perguntas feitas ao treinador ou jogadores, 99 eram sobre Ronaldo e tudo o que o envolve. Ronaldo tem vivido nos últimos meses alguns dos piores momentos da sua vida pessoal e da sua carreira futebolística. Provavelmente não tem reagido da melhor forma e até pode ter feito e dito alguns disparates. Seria nesta altura que precisava dos melhores amigos ao lado, ou até bons conselheiros, e não os tem tido.

Portugal, este pequeno país que descobriu metade do mundo, teve em Eusébio e Amália Rodrigues as suas referências. Os tempos não são comparáveis, mas aquilo que Ronaldo tem sido para Portugal é inatingível. Não há canto neste mundo, onde quando se fala de futebol não se fale em Ronaldo. Até nos países mais pobres e onde as crianças jogam futebol com uma bola de trapos, ouve-se de certeza o nome de Ronaldo.

Os números de Ronaldo são de outro planeta, os títulos, os prémios, os recordes, nada tem comparação. Não tem, e não terá, dificilmente haverá outro jogador assim. (É uma chatice não poder estar cá daqui a 200 ou 300 anos para provar a minha convicção!) Como português e adepto da nossa seleção, há três momentos que nunca vou esquecer:

19 de novembro de 2013: Portugal jogava na Suécia o apuramento para o Mundial de 2014 a disputar no Brasil. Portugal ganhava 1-0 com um golo de Ronaldo. Do outro lado, o monstro Ibrahimovic dava a volta ao resultado, marcando 2 golos em apenas 5 minutos. O que fez foi acordar outro monstro, em 3 minutos o nosso Ronaldo marcava mais 2 golos e carimbava o passaporte português para mais um mundial.

10 de julho de 2016: Portugal estava pela primeira vez numa final de uma grande competição. Jogava-se a final do europeu em Paris, contra a França. Aos 25 minutos Ronaldo sai de maca, lesionado e em lágrimas… a equipa perde o seu capitão, o seu astro. Portugal aguenta, e quase perde a respiração quando aos 92 minutos a França atira ao poste. Prolongamento, Portugal está melhor, aos 108 minutos atira ao poste e um minuto depois Éder marca o golo que nos faria campeões da Europa. Nos últimos minutos, no banco de suplentes, o lesionado Ronaldo não para de incentivar a equipa, de gritar, de empurrar toda a gente… e no fim, lágrimas de alegria.

10 de dezembro de 2022: Após a eliminação do Mundial do Catar, Ronaldo abandona o Estádio Al Thumana, sozinho, e em lágrimas. Dirão alguns que são lágrimas de revolta por não ter sido titular, dirão outros que são de desespero por ser o último mundial em que joga. Por tudo aquilo que Ronaldo foi, e é, acredito que são de pura tristeza ao ver o seu país eliminado. Existirão decerto milhões de portugueses que queriam ser campeões, mas mais do que ele, ninguém.

As lágrimas de Ronaldo, são lágrimas de Portugal.



Crónica publicada na edição 446 do Notícias de Coura, 20 de dezembro de 2022.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Vamos é ver a bola

Alguma da indignação sobre os direitos humanos no Qatar estava em lume brando há alguns dias, só levantou fervura quando Marcelo Rebelo de Sousa, entrevistado depois do jogo de preparação de Portugal com a Nigéria, deixou escapar a frase: “O Qatar não respeita os direitos humanos... Mas, enfim, esqueçamos isto”. Foi uma frase infeliz, mas teve o mérito de chamar para a praça pública o assunto. Desde aí, não há dia em que não se leiam nos jornais e se oiçam declarações políticas sobre o assunto. Apetecia-me escrever que tudo não passa de hipocrisia e populismo, mas não posso. De populismo só pode ser acusado aquele partido perigoso de extrema-direita que ousou eleger 12 deputados, ficar em 3.º lugar e ter quase 400 mil votos. Afinal, até a democracia pode ser um regime perigoso.

Foi em 2010 que o Qatar foi escolhido para organizar o Mundial de 2022. Nessa altura, os planos da FIFA (sempre pensei que as escolhas premiavam o mérito das candidaturas, mas pelos vistos, havia planos!), eram escolher a Rússia para organizar o Mundial em 2018 e os EUA em 2022. Mas, eis que o Sr. Platini, na altura Presidente da UEFA, é convidado para almoçar com o Presidente francês Sarkozy e com o príncipe herdeiro do Qatar, que lhe diz, “Veja o que pode fazer, com os seus colegas da UEFA, pelo Qatar, quando o Mundial for atribuído.” As suspeitas de corrupção surgiram desde logo, e revelaram uma grande teia de interesses e trocas de favores. Platini chegou mesmo a ser detido em 2019 por suspeita de corrupção, mas acabou libertado após interrogatório. Depois daquele almoço Platini ligou a Joseph Blatter (na altura Presidente da FIFA) e disse-lhe: “O nosso plano não vai resultar. Não podia dizer que não ao meu Presidente.” E foi assim que aconteceu, graças aos 4 votos de Platini é que o mundial foi para o Qatar. Joseph Blatter não deixa de ser hipócrita ao vir afirmar agora que foi um erro escolher o Qatar, e que já o tinha dito em 2013. De facto, disse-o, mas com a justificação das condições climatéricas.

Vir abanar agora a bandeira dos direitos humanos é uma hipocrisia, ou será que só agora é que se aperceberam que no Qatar os direitos humanos são violados diariamente? Que é um país que pune a homossexualidade? Que é um país que não respeita os direitos das mulheres? E que dizer do mundial da Rússia em 2018? Era nessa altura a Rússia um país bem-comportado e respeitador dos direitos humanos e da soberania dos povos? Tanto a Comissão Europeia, como os Estados Unidos e a ONU tinham considerado a anexação da Crimeia em 2014 como ilegal. Ainda assim, no mundial de 2018 estavam lá todos.

Em Portugal, a Assembleia da República aprovou a viagem oficial do Presidente da República ao Qatar, para estar presente no 1.º jogo da nossa seleção. Marcelo Rebelo de Sousa não se cansa de anunciar que vai assistir ao jogo e falará sobre direitos humanos. No Qatar, o nosso embaixador é chamado pelo governo do país que afirma não gostar das declarações do Presidente da República e do 1.º Ministro sobre direitos humanos. Perante isto, alguns partidos condenam a ida do Presidente ao Qatar e votam contra, mas não os vejo condenar a intervenção das autoridades do Qatar na soberania nacional quando chamaram o embaixador e ameaçaram tomar medidas mais drásticas. Condenam o Qatar pela desrespeito dos direitos humanos e pelos seis mil e quinhentos mortos na construção dos estádios. Ainda não os vi condenar com veemência o desrespeito pelos direitos humanos que existe no nosso país, nomeadamente a exploração de mão-de-obra estrangeira em explorações agrícolas no Alentejo. E se de facto fazem bem condenar e chamar a atenção para o que se passa no Qatar, melhor fariam se o fizessem dentro das nossas fronteiras. Lá dificilmente se fazem ouvir, cá só não resolvem a situação se não se empenharem. E é o que de facto acontece, como disse há dias o Sr. Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, “o tráfico e exploração de imigrantes é um problema estrutural”, é se calhar uma espécie de tradição, uma coisa que existe e sabemos ser condenável, mas pouco ou nada se faz para se combater.

E enquanto tudo isto se discute, ou parece que se discute, o futebol toma conta dos dias, e mesmo sem cerveja, o povo continua feliz lá para os lados do Qatar. Se as minhas contas estiverem certas, esta edição do NC chega-vos às mãos no dia em que Portugal vai jogar os oitavos de final. Deixem lá isto dos direitos humanos… vão ver a bola. *

* Na eventualidade de alguém estar a ler pela primeira vez uma crónica minha, deixo a indicação de que o autor costuma usar a ironia quando algum assunto lhe provoca raiva e indignação.



Crónica publicada na edição 445 do Notícias de Coura, 6 de dezembro de 2022.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

O discurso

A importância de um discurso é inegável. Podendo ser definido como uma simples comunicação, envolve não só quem o profere, os seus ouvintes e o tema, mas também algo que pode fazer toda a diferença, a forma e a convicção de quem discursa. E se alguém não concordar oiça por favor a declamação de “A nêspera que fica deitada” por Mário Viegas (basta procurar no Youtube). Na voz de muitos mortais seria mais um texto absurdo, na voz certa, até a lista telefónica se pode tornar interessante!

Vem este assunto a respeito da último discurso de António Guterres! A discursar na Cimeira Climática da ONU, Guterres começou por afirmar “O mundo está a perder a corrida contra a crise climática, mas estou esperançoso por vossa causa. Têm sido implacáveis ao pedir contas aos decisores.” Parou uns segundos e deu-se conta que aquele era o discurso errado… e afirmou-o perante a plateia que riu com tal sinceridade: “Acho que me deram o discurso errado!” O irónico da situação é Guterres estar perante os decisores, nunca poderia estar esperançoso da sua causa, nos últimos tempos estas grandes “conferências climáticas” limitam-se a enumerar os problemas existentes, a assumir os erros cometidos, a estabelecer metas e ações a levar a cabo bem como definir prazos, mas os anos vão passando e os problemas agravam-se. Guterres é uma personalidade carismática, até quando se engana cria momentos inesquecíveis, quem não se lembra de quando era 1.º Ministro e se baralhou nas contas do PIB e terminou a dizer: “é fazer a conta!”  Não poderemos estar mais de acordo quando Guterres diz que o mundo está a perder a corrida contra a crise climática, já nos devemos mostrar algo preocupados quando diz estar esperançoso por causa dos jovens.

Em Portugal, os últimos dias têm sido marcados pelos protestos de alguns jovens que se manifestam em escolas e universidades pelo fim dos combustíveis fósseis, a demissão do Ministro da Economia e o fim dos exames nacionais. (Esta parte dos exames deixou-me a pensar, será que querem mesmo acabar com eles para se poupar papel? Ou querem uma alternativa aos mesmos para entrar no ensino superior? Seja uma ou outra, eu concordo.)

Quando entrevistados por alguns órgãos de comunicação social, muitos dos jovens ficaram baralhados, não sabiam sequer a razão pela qual estavam a protestar. Um dos jovens que foi à televisão pediu a demissão do Ministro da Economia pois o plano de resiliência tinha “fósseis por todo o lado”! É importante os jovens protestarem, a causa é nobre, mas era bom que soubessem do que estão a falar, dar tempo de antena a discursos destes é um absurdo. Um outro jovem afirmava não ser preocupante faltar às aulas e perder a formação, “de que serve a formação sem planeta”? Até posso ser tentado a concordar, mas também tenho o direito de ficar preocupado com o futuro do planeta, com jovens assim. Obviamente que estes entrevistados não são o espelho da maioria (espero eu), o que é aborrecido é as televisões escolherem sempre os menos preparados, já parecem aqueles entrevistas de rua onde os entrevistados são sempre os que não sabem nada do assunto, ou são gagos, ou são estrangeiros e não falam português! Fica aqui um conselho aos jovens: protestem, causas não vos faltam, mas estudem-nas e escolham depois um porta-voz, daqueles capazes de convencer um careca a comprar um pente e produtos para o cabelo!

A importância do discurso é primordial, assim fez Biden quando nos últimos dias chamou camaradas aos Republicanos quando ainda não tinha garantida a maioria no Senado; assim fez Lula da Silva quando disse ir ser o Presidente de todos os brasileiros, quando ainda estava receoso daquilo que poderiam fazer, e fizeram, os apoiantes radicais de Bolsonaro perante a derrota. Assim fez também o Ministro da Economia, António Costa Silva, quando afirmou estar solidário e disponível para ouvir os ativistas. Faça-o Sr. Ministro, mas antes disso envie-lhes por favor o Plano de Recuperação e Resiliência para que os jovens o possam ler, só dessa forma podem ter argumentos para o questionar e sugestões para lhe apresentar.


Crónica publicada na edição 444 do Notícias de Coura, 22 de novembro de 2022.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Alarmes nas latas de atum

No dia em que o Brasil escolhe o seu próximo presidente, dirão alguns que escolhe o “pior de dois males”, ainda sou tentado a esperar pelo dia de amanhã para escrever a minha crónica, mas não o vou fazer. Já na última edição cumpri a minha obrigação com dois dias de antecedência (e eram dois artigos!). Cumprir as obrigações antes do prazo dá um alívio gratificante, chego à segunda-feira com mais tempo livre e sem aquela sensação de “tem de ser hoje, ou amanhã de manhã!”. Vamos ver por quantas semanas o conseguirei fazer.

Já tinha o assunto destinado para esta crónica desde que li e ouvi as notícias sobre o tema que dá título à mesma. É assustador saber que os supermercados estão a colocar alarmes nas garrafas de azeite, nas latas de atum, no bacalhau, no salmão e até nas salsichas. Mais do que assustador, é triste ouvir que são os mais idosos a roubar para dar de comer aos filhos, e algumas mães que se veem nessa necessidade para alimentar os filhos. Roubar para comer é um sintoma preocupante da grave crise social que se aproxima. Estranhei tanto esta medida que tive a preocupação de verificar quando fui às compras, e é mesmo verdade, já não são só as garradas de whiskey e os vinhos mais caros que têm alarmes. Qualquer dia, ou colocam alarmes em tudo, ou têm de colocar um segurança em cada corredor para vigiar os compradores. A inflação é galopante, tive a curiosidade de comparar os preços de alguns produtos que comprei há um ano com os atuais, bens essenciais como água, leite, massa, atum, pão e manteiga, aumentaram todos mais de 40%, alguns deles chegaram quase aos 100% de aumento, como por exemplo a massa que passou de 0,49€ para 0,89€.

As notícias que diariamente podemos ler são preocupantes, a taxa de inflação aproximou-se dos 17% no último mês; no segundo trimestre deste ano o número de insolvências particulares registou um acréscimo de 15%; as portagens podem subir mais de 10% em janeiro; o aumento do salário mínimo pode ser incomportável para muito setores da economia; a Rússia bloqueou a exportação de cereais; há cada vez mais pedidos de ajuda, não só das famílias mas até de muitas instituições; o BCE (Banco Central Europeu) voltou a aumentar as taxas de juro; os preços dos combustíveis continuam altos, baixam duas ou três semanas, mas sobem logo a seguir para valores iguais aos que se registavam antes das diminuições… enfim, é desgraça atrás de desgraça.

Enquanto isso, debate-se no Parlamento o Orçamento de Estado para 2023. Debate-se apenas por obrigação, seja ele qual for, tem a aprovação garantida pela maioria absoluta que os Portugueses deram ao Partido Socialista. Curioso o facto de ter sido aprovado na generalidade exatamente um ano depois do chumbo anterior e que provocou eleições antecipadas. Os deputados que restam do PCP e do BE ainda devem estar hoje a pensar: - “O que fomos nós arranjar.”.

Em suma, o governo apresentou algumas medidas para apoiar as famílias com créditos à habitação, uma taxa sobre os lucros extraordinários de algumas empresas e a atualização de pensões e salários. Estes aumentos são um autêntico truque, uma vez que vão ser completamente absorvidos pela inflação. E enquanto os trabalhadores vão fazendo contas à vida, o Estado vê as receitas fiscais aumentarem 21,6% face ao mesmo período do ano passado. Costuma-se dizer que “O Estado somos todos nós”, mas perante estes valores começa a ser difícil acreditar.

Se me fossem permitidas duas sugestões, eu aconselhava taxar os bens essenciais com a taxa de IVA de 0%, até a inflação estar controlada e as taxas de juro voltarem a valores a rondar o 1%. Aconselhava também a não meter mais 1 cêntimo na TAP, e a distribuir esses milhões pelos portugueses. Mas a TAP sempre foi um poço sem fundo, um problema que ninguém quer resolver. Talvez à semelhança do novo aeroporto… afinal, isto anda tudo ligado.


Crónica publicada na edição 443 do Notícias de Coura, 8 de novembro de 2022.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Dez anos de crónicas

Foi a 23 de outubro de 2012 que foi publicada a minha primeira crónica no Notícias de Coura. Os primeiros textos não tinham título, mas logo no primeiro bem lhe podia ter chamado: Escrever sobre tudo e nada! Começava logo com aquela minha mania de, não sabendo o que escrever, ou não tendo um assunto suficientemente rico que me permitisse escrever mais de uma página, deambular por vários assuntos, e justificar as razões pelas quais não os aprofundava. Perceberam desde cedo os leitores que mesmo sem assunto, eu conseguia sempre safar-me e cumprir a minha obrigação de escrever pelo menos uma página e meia! Para esta crónica já há muito que tinha planos, eu sabia que em outubro deste ano se cumpriam dez anos de crónicas, e nada melhor do que lembrar algumas delas:

As Comédias do Minho, fevereiro de 2013: Ainda hoje me surpreende como é possível existir uma companhia de teatro desta magnitude, tantos projetos de qualidade e com tantos profissionais fantásticos envolvidos, um exemplo daquilo que deviam ser algumas das prioridades de quem nos governa.

Coisas que me irritam, maio de 2014: Escrevia eu nesta crónica sobre três coisas que me irritavam, as pipocas no cinema, as luzes dos flashes no teatro e as crianças a chorar nos espetáculos. Hoje irritam-me menos, deixei os palcos, e já não frequento espetáculos com a regularidade que Coura me proporcionava!

Um título que me encheu de alegria, março de 2015: Ficava eu nesta altura feliz por saber das obras que se avizinhavam na escola secundária de Paredes de Coura. Depois dessas, outras obras vieram e mudaram completamente a escola que em 2006 conheci. As condições físicas das escolas não são o mais importante, mas que ajudam, ajudam!

Campeões, julho de 2016: Finalmente a seleção A de futebol ganhava um grande título, o Europeu de futebol. Alegria ainda mais intensa por ser contra a França, e em Paris. Hoje, os críticos de Fernando Santos continuam a ser muitos e a afirmar que ainda agora não sabem como fomos campeões da Europa. Quem me dera ver Portugal campeão do Mundo, mesmo sem saber como!

O autocarro, março de 2017: o autocarro do município continua a ser uma das suas melhores imagens, onde passa continua a fazer virar cabeças, os desenhos alusivos às tantas “coisas” de Coura não deixam ninguém indiferente.

As provas de aferição, maio de 2018: Suspensas durante a pandemia, as provas de aferição voltaram, e em força. Continuo a achá-las um perfeito disparate, não aferem absolutamente nada que os Professores não saibam. Continuam a ser um desperdício absoluto de recursos financeiros e humanos. Ainda nenhuma medida foi tomada com base nos resultados obtidos. Mas pelos vistos, o importante é aferir.

Obrigado Mister, dezembro de 2019: Jorge Jesus levava o Flamengo à vitória na Taça dos Libertadores e era campeão do Brasil. Depois do que lhe aconteceu na academia do Sporting e das lágrimas que derramou quando deixou Portugal, era justo que vivesse tal felicidade. Depois disso fez uns quantos disparates, mas não apagam a alegria que deu a milhões de brasileiros, e certamente a milhares de portugueses.

O perigo da Cidadania, setembro de 2020: Escrevia eu nesta altura sobre aqueles dois alunos de Famalicão que reprovaram na disciplina de Cidadania por falta de assiduidade, pois os pais não aceitavam que tais conteúdos fossem abordados com os seus filhos. A situação ainda hoje não está ultrapassada. Em breve, e se a proposta do PS (que obviamente será aprovada na Assembleia da República), entrar em vigor, as crianças vão poder escolher qual a casa de banho que querem usar (rapazes ou raparigas). Certamente os Pais de Famalicão vão proibir as suas crianças de as frequentar, nunca se sabe quem lá poderão encontrar.

Orienta-me aí uma vacina, fevereiro de 2021: Começavam a chegar as vacinas contra a Covid-19 a Portugal e, começavam os esquemas fraudulentos de arranjar vacinas para a família e os amigos. Foi necessário colocar um militar a tomar conta do processo para repor a dignidade do processo. Em boa hora, Vice-Almirante Gouveia e Melo.

Dez anos de crónicas, outubro de 2022: Parabéns a mim por chegar aos 10 anos como correspondente do NC. Obrigado ao Diretor pela confiança e aos leitores pela paciência.


Crónica publicada na edição 442 do Notícias de Coura, 25 de outubro de 2022.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

O desespero de Putin

Vamos com sete meses de guerra. Aquilo que Putin apelidou de operação militar que duraria cerca de três a quatro dias, prolonga-se indefinidamente. A Ucrânia é um país quase destruído, estima-se que tenham morrido cerca de dez mil soldados e ficado feridos trinta mil. Do lado do agressor não se sabe a verdade, o que não é novidade nenhuma, mas há estimativas de cerca de oitenta mil soldados mortos ou feridos. Ao lançar a mobilização de trezentos mil reservistas, Putin dá sinais de desespero, e há suspeitas de que o número verdadeiro de mobilizações seja três vezes superior. Chama à guerra quase todos quantos respiram, até velhos e inválidos viram os seus nomes nas listas daqueles que não serão mais do que “carne para canhão”, engrossar as frentes de batalha com homens sem preparação tem semelhanças ao genocídio nazi, com a agravante (se é que há agravante possível), de estar a mandar para a morte os seus próprios cidadãos. A primeira consequência desta medida foi a fuga de milhares de russos do país, estima-se que mais de duzentos mil homens já saíram da Rússia. O resultado foi a emissão de um decreto para impedir a fuga. Na Rússia não se combate por amor à pátria, é mesmo por obrigação. Alguns cidadãos corajosos, ou suficientemente loucos, ainda esboçaram uma tentativa de manifestação nas ruas, logo controlada pela polícia.

Ao mesmo tempo, Putin lança referendos nas regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporíjia e Kherson, e, tal como seria de esperar, obtém os resultados que queria, mais de 90% do povo dessas regiões quer a anexação dos territórios à Rússia. (Melhores resultados que estes só me lembro do das eleições legislativas de 1965, onde a União Nacional elegeu a totalidade dos deputados!)

Entretanto, sentem-se explosões no Mar Báltico, junto aos gasodutos Nord Stream e onde já tinham sido detetadas fugas de gás. Este gasoduto é gerido pela Grazprom, a maior empresa de gás da Rússia e há fortes suspeitas de sabotagem. Obviamente que a Rússia nega estar envolvida e ainda ironiza com a situação, afirmando que de facto se trata de um problema para todo o continente europeu, forma disfarçada de fazer uma ameaça.

Na Rússia, vários magnatas russos têm sido encontrados mortos em circunstâncias misteriosas, o último deles caiu da janela do hospital onde estava internado, outros foram encontrados enforcados, alguns deles, morreram ao lado da esposa e dos filhos. Todos eles tinham em comum o facto de estarem ligados a grandes empresas relacionadas com o governo russo, alguns teriam sido obrigados a declarar lealdade a Putin, o último tinha sido imprudente ao lamentar publicamente os “trágicos acontecimentos na Ucrânia”.

Temos de nos preparar para o pior, o desespero de Putin pode-o levar a abrir a gaveta onde está o botão vermelho da ameaça nuclear. E não me quer parecer que seja bluff, já afirmou recorrer a todas as medidas para defender território russo, quando na verdade é a Rússia que está a atacar território alheio. Mesmo sem acreditar muito em bruxas e feitiços, não posso deixar de considerar assustadoras as previsões do profeta Nostradamus (1503-1566), que previu uma ameaça do Leste em 2022, e para 2023 uma guerra terrível, elevados níveis de inflação e grandes índices de fome e miséria.

Aproveito para confessar que escrevi esta crónica com dois dias de antecedência, num fim-de-semana onde não me faltaram as ideias, a morte de Isabel II, a estranha amizade que se sente entre o PS e o PSD em torno do novo aeroporto ou até as assustadoras sondagens que retiram a maioria absoluta ao PS e dão ainda mais expressão ao Chega. Achei também que não valia a pena esperar pelos resultados das eleições no Brasil. Haja ou não “segundo turno”, não tenho dúvidas de que terei certamente assunto para um próximo texto!




Crónica publicada na edição 441 do Notícias de Coura, 11 de outubro de 2022.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O perigo das crianças no futebol.

Quando há dias li a notícia daquela criança, adepta do Benfica, obrigada a assistir a um jogo de futebol em tronco nu, fiquei com uma imensa vontade de desabafar sobre o assunto (nos meus desabafos normalmente parece que destilo ódio, e é um bocadinho isso, é uma espécie de revolta de quem, se pudesse, era capaz de fazer alguma asneira).

Resumindo os acontecimentos, uma criança adepta do Benfica e vestida com uma camisola do clube, foi obrigada a despi-la e a assistir ao jogo em tronco nu. Segundo os regulamentos de segurança dados a conhecer pelo promotor do evento, o Famalicão, é proibido o uso de adereços do clube visitante no setor da bancada onde estão os adeptos do clube visitado. Podemos dizer que os seguranças foram insensíveis? Talvez… mas menos sensível e irresponsável foi o pai* da criança ao insistir em ficar naquela bancada nem que para isso tivesse de despir a camisola ao filho. Poucos dias depois, foi a vez de um adepto do Porto e da sua filha, ambos vestidos a rigor, terem de abandonar a bancada do Estoril por estarem a ser insultados pelos adeptos adversários (nem vou aqui debruçar-me sobre o facto de, pelos vistos, terem sido provocados). Obviamente que os adeptos do Estoril, mesmo sendo provocados, podiam ter sido menos agressivos tendo em conta a criança, mas muito maior condenação merece aquele pai* que se vai meter com a filha na bancada adversária… e pelos vistos com atitudes provocadoras. Ainda que sem culpa, o Estoril emitiu um pedido de desculpa à criança e ao pai, o que me fez ficar ainda mais irritado, (sou um homem do Norte, e custa-me imenso ver os clubes cá de baixo terem uma forma de estar mais educada.)

Não estou de maneira nenhuma com isto a dizer que os regulamentos estão certos, na minha opinião parece-me tal proibição absolutamente ilegal, trata-se de uma violação clara do direito à liberdade pessoal de cada um se vestir e se “enfeitar” com aquilo que quer. Mas percebo o regulamento… se calhar, se todos os adeptos de futebol fossem pessoas com comportamentos normais, nada disto fosse necessário.

Sempre que vejo este tipo de comportamentos nos estádios de futebol lembro-me, com revolta, daquilo que vivi no dia 30 de outubro de 1996. Eu e mais dois amigos resolvemos ir ao Porto ver um jogo da Taça dos Campeões com o Rosenborg. Durante alguns serões pintámos num lençol de 2 metros de altura por 8 ou 10 de comprimento a frase de apoio: “Vilarandelo apoia FC Porto”. (Vilarandelo era, e é, a nossa aldeia) Nesse dia, viajámos para o Porto ainda de manhã, fomos almoçar e comemos duas doses de tripas cada um! Mal as portas abriram, entrámos no estádio e fomos prender com algumas molas da roupa, a nossa tarja na rede da bancada, atrás de uma das balizas no antigo Estádio das Antas. Depois disso, felizes, fomos ao bar comprar uma bebida para nos ajudar a passar o tempo, e a digerir a imensa comida do almoço! Qual não é o nosso espanto, quando regressámos, estava a tarja toda dobrada no meio da bancada. Quem foi!? Tinham sido os adeptos de uma das claques do FC Porto, refilaram que aquela rede era deles. Os meus dois amigos ainda lhes deram conversa, eu só pensava: “- Que sorte a nossa sermos adeptos do mesmo clube, se fossemos adversários nem sei o que aconteceria.” Calei-me, fui buscar a tarja e afastei-me daquela gente. Quando os meus dois amigos voltaram mandei cada um deles para uma ponta da tarja ficando eu no meio, e ficámos assim no meio da bancada a segurar a nossa frase de apoio! Sempre que a bola vinha para aquela zona do relvado, ficávamos de pé com a mensagem bem visível! Vi mais tarde na cassete VHS que ficou a gravar, que a televisão nos apanhou várias vezes! Voltámos felizes para a terra, o Porto tinha ganho por 3-0. Foi a última vez que vi um jogo do Porto ao vivo. Nunca devemos dizer nunca, mas não creio que o volte a fazer, pelo menos junto de adeptos daquela espécie. No nosso país muitos dos jogos não são vistos como um desafio entre adversários, mas sim, como uma batalha entre inimigos. E a avaliar pelos últimos acontecimentos, alguns comportamentos continuam a passar de geração em geração, o que é uma pena.

* O autor optou por escrever a palavra pai em letras minúsculas, por se tratar destes pais em particular.

Crónica publicada na edição 440 do Notícias de Coura, 27 de setembro de 2022.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

A 125 azul!

Já tinha intitulada esta crónica de “Não havia necessidade Ronaldo!” Nela, iria tecer algumas considerações sobre a novela do último verão, o destino do melhor jogador português de sempre. A comunicação social arranjava todas as semanas um novo clube para Ronaldo, e ele ajudava à festa ao não se apresentar no clube com o qual tinha, e tem contrato. Naturalmente que não deu em nada, Ronaldo deverá ficar no Manchester United e vai com certeza marcar ainda muitos golos. Entretanto, a noite em que esta crónica seria escrita coincidiu com o anúncio do governo das medidas de apoio às famílias perante a inflação crescente dos últimos meses. Obviamente que não podia deixar escapar a oportunidade de fazer um título destes!

António Costa anunciou várias medidas, não pretendo alongar-me muito sobre todas elas, apenas deixar uns pequenos desabafos.

A atribuição de um suplemento extraordinário de meia pensão aos reformados pareceu à partida uma medida socialmente justa, especialmente pensado naqueles que recebem reformas muito baixas e que mal dão para sobreviver. No entanto, eis senão quando António Costa anuncia os aumentos que vai propor à Assembleia da República para 2023, percentagens inferiores às anunciadas anteriormente. Assim sendo, os pensionistas vão acabar por receber em outubro, parte daquilo que estava previsto receberem no próximo ano. Com esta proposta os pensionistas ganham zero e a oposição aproveita para acusar o governo de mais uma habilidade. Ainda assim, acho positivo, quanto mais cedo se recebe melhor, até porque infelizmente alguns provavelmente nunca iriam usufruir de aumento nenhum.

A diminuição da taxa de IVA da eletricidade de 13% para 6% deixou-me bastante contente, mas foi só até analisar com atenção a última fatura. Ora, a taxa de 13% só é aplicada de forma progressiva até aos primeiros 100 kws… feitas as contas, vou poupar 1,5€. Pouco é certo, mas multiplicado por vários meses sempre é alguma coisa. Mas pior do que a poupança ser baixa, é que os aumentos que se anunciam são assustadores (a acreditar nas declarações do Presidente da Endesa que falou em aumentos de 40%). Vamos aguardar, daqui a um mês ou dois já vai ser possível comparar as faturas e fazer as contas.

Atribuição de um cheque de 125 euros a todos os cidadãos que ganham até 2700 euros mensais. Achei fantástico! Obviamente injusto, parece-me que o teto dos 2700 euros é exagerado, além de que este apoio devia ser progressivo, significam bem mais os 125 euros para quem ganha 700 ou 800 euros do que para quem ganha 2500. Ainda assim, obviamente que é uma medida que deixa muita gente satisfeita, e associada aos 50 euros por cada descendente até aos 24 anos é algo que vai ajudar no imediato muitas famílias. Pior será em 2023 e 2024, a acreditar nas previsões de alguns economistas avizinha-se uma das piores crises de que se tem memória. A falta de fertilizantes e a falta de água, associadas aos custos elevados do gás, e até à falta dele, vão levar a uma crise alimentar sem precedentes. (Mas deixemos isso para daqui a uns meses). Voltando aos 125 euros, naturalmente que também eu fiquei satisfeito, embora saiba que mais dia menos dia me vão sair esses 125 euros da carteira, e muitos outros 125!

Tenhamos esperança, aproveitemos o resto do verão que pelos vistos ainda será longo, e como nos lembra a canção 125 azul dos Trovante: “Curiosamente dou por mim pensando onde isto me vai levar, de uma forma ou outra há-de haver uma hora para a vontade de parar…


Crónica publicada na edição 439 do Notícias de Coura, 13 de setembro de 2022.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Será desta que vou falhar?

Confesso que estou a escrever esta primeira linha sem fazer a menor ideia de como me vou arranjar para chegar à segunda página! Todas as semanas a Gorete me lembra da necessidade do envio do artigo, “até terça-feira” escreve-me ela nas mensagens. Nunca questionei se existe uma hora específica, mas apetece-me ser como os meus alunos, se é até terça-feira, é até à meia-noite, uns segundos antes ainda é terça, portanto, talvez ainda não seja assim tão tarde, afinal, ainda só são três da tarde. Assumir um compromisso tem destas coisas, sofrer muitas vezes para o cumprir, logo hoje que estou com uma dor de cabeça terrível, não sei se pela preocupação em escrever o meu texto, se será algum sintoma desse quase esquecido vírus chamado Covid-19 (que ainda não apanhei), ou se será do sol que me queimou a careca durante a manhã quando fui andar de bicicleta. Irresponsável dirão vocês, e com alguma razão, devia ter ficado em casa e escrever este artigo logo manhã, pela fresca! Mas depois já não podia ir andar de bicicleta o resto do dia, e a esta hora até não se está mal no escritório, em frente ao computador, a inventar assuntos e desculpas, e a fazer crescer um texto que vai já com quinze linhas! (Por momentos pensei aumentar o tamanho da letra em dois pontos, mas isso só me faria ganhar duas linhas, não vale a pena! Acreditem que fiz a experiência!)

Estamos em pleno verão, quente e seco, Portugal atravessa um período bastante difícil para a agricultura e para a pecuária, já muitas culturas foram deixadas ao abandono pela falta de água, muitos produtores desesperam com a falta de alimento para os animais, vi uma notícia onde se podia ler que já é possível atravessar a pé o Rio Tejo nalgumas zonas. Incrível e preocupante, aquele que é o maior rio da Península Ibérica. Para piorar este cenário de falta de água, o país volta a estar coberto de incêndios. Todos os anos a mesma coisa, todos os anos os mesmos discursos e andamos assim há anos. É urgente limpar as florestas deste país, as prisões estão cheias de reclusos que deviam ser colocados a trabalhar para o país e sob a supervisão dos militares. É apenas mais uma ideia, aliada à ideia de agravar as penas para este tipo de crimes. (E não se trata de demagogia, nem de conversa à Ventura, ser criminoso neste país não é assim tão mau.)

Não vale a pena ser alarmista, mas acredito que já atravessámos o ponto de não retorno, o ser humano já não vai ser capaz de corrigir os males que fez ao planeta. Temos de ter consciência que estamos a caminhar para o fim, na melhor da hipótese só nos resta tentar adiá-lo o mais possível.

Estou quase a salvar-me. Perdoem-me esta conversa às tantas sem sentido, este espírito triste e preocupado com o estado do mundo, mas não há quem resista a “tanto mau tempo”, gosto de ver os canais noticiosos durante todo o dia e é preciso ouvir trinta tragédias para aparecer qualquer positiva. Mas elas existem penso eu, falta pouco mais de uma semana para ir de férias, férias do professor da atualidade, no meu tempo de estudante os alunos tinham três meses de férias no verão, e o Professores pouco menos! E que nenhum professor reformado que se atreva a tentar desmentir-me! Continuo a achar que ser professor é muito bom, mas já foi muito, mas muito melhor, e não estou obviamente a pensar nos três meses de férias, estou a pensar mais no reconhecimento que tinham perante a sociedade… mas vou deixar esta conversa para outra altura!

Salvei-me, cheguei a meia da segunda página e resta-me terminar este parágrafo. Como? É fácil. Desejando a todos os leitores do Notícias de Coura umas boas férias de verão, um merecido descanso nessas terras verdes e frescas de que sinto saudades, e um excelente festival rock, aquele festival que faz de Coura o centro do mundo para milhares de pessoas.



Crónica publicada na edição 438 do Notícias de Coura, 2 de agosto de 2022.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Um país outra vez a arder

Foi em agosto de 2017 que intitulei outra crónica da mesma forma. Nesse ano, o país ardia por causa dos incêndios, do desaparecimento das armas em Tancos, dos ataques de André Ventura à comunidade cigana e ardia de expetativa pelos festivais de verão. Passados cinco anos, e numa semana em que o país atravessa uma vaga de calor quase insuportável, muitos são os temas que colocam Portugal a arder.

1.º A arder por causa dos incêndios: É quase uma tradição que teima em se perpetuar, os incêndios nos meses de verão são sempre notícia. A principal causa é sempre a mesma, os incendiários. Alguns estão presos, outros não, mas talvez não fosse má ideia metê-los a todos na cadeia nos meses de verão. É só uma ideia. Curiosamente, há dias um recluso incendiário fugiu da cadeia de Santa Cruz do Bispo. Logo na semana de maior calor…

2.º A arder nos hospitais: Durante dois anos de pandemia os problemas na saúde pareciam cingir-se à incapacidade em responder a tantos internamentos, e onde bombeiros, médicos, enfermeiros e auxiliares foram verdadeiros heróis (nunca teremos palavras para lhes agradecer), a normalidade volta a pôr a descoberto os problemas estruturais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), especialmente a falta de médicos. Entretanto, o Sr. 1.º Ministro anunciou que o problema da falta de médicos nas urgências já estava a ser resolvido. Que bom. Ah… mas estão a cancelar as consultas e as cirurgias.

Já em tempos me lembrei de sugerir às autoridades deste país que isentem de propinas os alunos das áreas da saúde, paguem-lhes os livros, as fotocópias e o alojamento. Em troca, quando acabarem o curso têm de ingressar no SNS por um período de 10 ou 15 anos, obviamente com um salário atrativo e com condições de trabalho dignas… e caso não saibam que condições são essas, perguntem ao setor privado.

3.º A arder por causa dos aeroportos: Tudo começou com a ousadia de Pedro Nuno Santos ao anunciar, à revelia do seu chefe, o Sr. 1.º Ministro, que a decisão do novo aeroporto de Lisboa passaria por aguentar até 2035 o Aeroporto Humberto Delgado, complementando-o com o do Montijo, e depois o país ficaria apenas com o de Alcochete, fechando-se os outros dois! Questionado sobre quanto custaria o novo Aeroporto de Alcochete, Pedro Nuno Santos nem sequer foi capaz de ser tão esclarecido como em tempo foi António Guterres e dizer: “É fazer as contas.” Obviamente que não se tratou de nenhum problema de comunicação, Pedro Nuno Santos soube bem o que fez, e fê-lo propositadamente. E na minha opinião, mesmo parecendo que ficou fragilizado, muito mais fraco ficou António Costa pois não teve a coragem política de o demitir. E é fácil perceber a razão, António Costa sente-se mais seguro em manter os opositores perto de si, afastado seria muito mais perigoso. E das últimas coisas que António Costa quer, é que seja Pedro Nuno Santos a suceder-lhe no PS. Para piorar tudo, o aeroporto que interessa ao país, o de Lisboa, está a atravessar dias terríveis, voos cancelados, bagagens perdidas, um autêntico caos. E de quem é a culpa? É das companhias aéreas e da ANA Aeroportos, ou quando venderam milhões de bilhetes não imaginaram que as pessoas os fossem usar!? Se o Ministro não estivesse envergonhado, já tinha vindo prestar declarações, assim, nem temos aeroporto, nem Ministro.

4.º A arder por causa dos preços: Não me vou pronunciar sobre os preços dos combustíveis, até porque estão a descer há duas semanas consecutivas, mas não me admiraria nada que daqui a duas ou três semanas voltem a disparar. De janeiro até agora o preço do cabaz de compras já subiu mais de 20%. A inflação regista valores históricos, está quase nos 9% e a aproximar-se dos valores registados no início da década de 90. E vem aí pior… em breve as taxas de juro vão disparar, os empréstimos vão ficar mais caros e o poder de compra das famílias vai diminuir, esperemos que não se aproxime um incumprimento generalizado das obrigações. Não vem aí o Diabo, ele já cá está. 

5.º A arder por causa dos festivais: Termino como terminei em 2017, os festivais de verão estão aí, cheios de gente, ávida de diversão e alegria depois de dois anos de pausa forçada. O melhor de todos é de 16 a 20 de agosto, numa praia bem perto de vocês!


Crónica publicada na edição 437 do Notícias de Coura, 19 de julho de 2022.

terça-feira, 12 de julho de 2022

A Jéssica é apenas mais uma

Há pouco mais de dois anos, a minha última crónica de maio de 2020 intitulou-se “Não há perdão possível.” Nessa altura, indignava-me eu com a morte de Valentina Fonseca, uma menina de 9 anos morta às mãos do Pai, uma criança a juntar a tantas outras. Nessa mesma crónica, escrevia eu também sobre a indignação de muitos portugueses perante um abutre chamado André Ventura, que servindo-se do caso afirmava que “não desistirá da prisão perpétua para monstros que cometem estes crimes”. Dois anos volvidos, voltamos a ficar chocados com o caso de mais uma criança que morre às mãos de alguns monstros*, numa casa de estranhos, e onde a mãe sabia perfeitamente que a filha estava, e até as razões. Mais uma vez, há muitos portugueses a apelidar André ventura de monstro e oportunista, por voltar a servir-se de uma tragédia para apresentar propostas de lei a defender a prisão perpétua.

Em breves palavras, e a acreditar nos factos apresentados pela comunicação social, não só pela Correio da Manhã TV, mas por muitos outros canais supostamente mais credíveis, a história é simples: a progenitora (não lhe posso chamar mãe) da Jéssica devia dinheiro a certas pessoas, negócios de bruxaria; não lhes tendo pago, eis que lhe ficam com a criança durante uns dias, a ver se a assustavam e se ela se chegava à frente com o pagamento; a tal progenitora não tem tempo para tais problemas, está mais preocupada em participar numa festa da TVi em Setúbal; cinco dias depois devolvem-lhe a criança, algumas horas depois é chamado o INEM mas a Jéssica já estava em paragem cardiorrespiratória, restou-lhes declarar a morte. Se escrever isto já me faz vir as lágrimas aos olhos, imaginar o que aquele pobre anjinho sofreu durante o tempo que esteve em cativeiro faz-me tornar numa pessoa fria e má… tivesse eu o poder dos piores tiranos deste mundo e acreditem que conseguiria ser pior, muito pior.

(Entre este parágrafo e o anterior passaram umas horas, fui beber água, respirar um bocado de ar frio, ver pela centésima vez mais um episódio do Max, voltei a adormecer ao som dos Batanetes e acordei com a preocupação de ser terça-feira, tenho de acabar de escrever a crónica e enviar para o Notícias de Coura).

Tal como escrevi na crónica de maio de 2020, esta é mais uma criança que se junta a tantas outras. Desta vez, não foi morta diretamente pela progenitora, mas, é quase a mesma coisa. A Jéssica estava sinalizada pela CPCJ desde o primeiro mês de vida; a progenitora tinha seis filhos, mas era a Jéssica a única que lhe estava entregue, ao que parece, a CPCJ afirmava não haver riscos para a criança. Nunca entendi bem esta disparidade de critérios das CPCJ’s deste país, umas tão brandas e outras tão inflexíveis e exigentes. Também nunca entendi bem qual a razão de ser necessária a concordância dos Pais para que as crianças possam ser sinalizadas e acompanhadas pelas comissões. Nunca entendi e talvez nunca venha a entender. Aquilo que é certo, e é um facto, é que continuam a acontecer estas coisas, continuam a morrer crianças que estavam sinalizadas, que estavam a ser acompanhadas, cujas CPCJ´s conheciam os riscos, cujos tribunais tinham conhecimento.

Gostava de não voltar a escrever sobre estes casos, mas não creio que desta vez a morte de Jéssica tenha o dom de fazer com que os decisores políticos possam de facto refletir e atuar. Já o não teve a morte da Valentina Fonseca, nem da Joana Cipriano, só para referir os nomes mais conhecidos. Infelizmente, a Jéssica será apenas mais um nome, um nome que andará nas capas dos jornais e nas bocas dos políticos durante dois ou três meses, talvez até menos. É mais ou menos como o próximo terramoto em Lisboa, todos sabemos que acontecerá um dia, só não sabemos quando; nesta triste situação, só falta mesmo saber o nome da próxima criança.

Bem sei que não devemos combater a barbárie com a barbárie, que não nos devemos deixar levar pelo mais perigoso dos sentimentos, a vingança… e que ao fazê-lo estaríamos a ser monstros, como eles. Mas neste momento, não me peçam para dar a outra face, não consigo, talvez nunca venha a conseguir. Deixem-me ser monstro, sob pena de me sentir um monstro ainda pior se alguma gota de compreensão ou perdão ousar tomar conta de mim.

* o termo monstros foi usado nos dias seguintes ao da tragédia pela Correio da Manhã TV para apelidar os 3 suspeitos da morte da criança. Não encontrando outro termo que melhor se adeque, opto por usar o mesmo.


Crónica publicada na edição 436 do Notícias de Coura, 5 de julho de 2022.

terça-feira, 28 de junho de 2022

Cavaco, Sócrates e Rendeiro.

Sempre que Cavaco Silva dá uma entrevista ou publica um artigo, faz estragos. Nem que os estragos se limitem a pôr toda a gente a falar disso, desde os vários comentadores políticos das rádios e televisões, até ao 1.º Ministro e ao Presidente da República. Basicamente, Cavaco Silva desafiou António Costa a fazer mais e melhor do que ele fez, nos dez anos de maioria absoluta que teve como 1º Ministro. António Costa estará no cargo ainda mais tempo, e apesar de ter atravessado, e bem, uma pandemia, vai ter à sua disposição muitos milhões da “bazuca europeia”, tal como Cavaco Silva teve também muitos milhões vindos na altura da “CEE”.

Cavaco Silva não conseguiu deixar de responder à provocação de António Costa quando no discurso de tomada de posse no governo disse “Faço parte de uma geração que se bateu contra uma maioria existente que, tantas vezes, se confundiu com um poder absoluto.” António Costa, agora que tem uma maioria absoluta nas mãos, quer de certa maneira descansar os portugueses. Pessoalmente não gosto de maiorias absolutas, não gostei das de Cavaco e também não gostei da de Sócrates. Foi a partir daí que o PS começou a ter tiques de arrogância e prepotência, e que ainda hoje conserva. E António Costa devia lembrar-se… afinal, era o seu número dois.

Mas o artigo de Cavaco Silva não é só uma resposta à provocação de António Costa, é também um sinal de alerta para dentro do seu partido. O PSD, que acaba de eleger um novo líder, Luís Montenegro, precisa mesmo de se orientar e traçar caminho se pretende sobreviver. Na minha humilde opinião, o PSD já entrou num caminho muito difícil de inverter e as circunstâncias políticas nacionais e internacionais em nada o ajudam. A continuar este clima de guerra, de perda de poder de compra, de inflação e de insatisfação social, só há um partido que poderá ganhar terreno, aquele que alguns “até têm medo de dizer o nome”, o Chega.

Se Cavaco Silva tem o dom de agitar as águas, José Sócrates consegue fazer transbordar o copo! Apesar de estar sujeito à medida de coação de termo de identidade e residência, que implica que o arguido comunique ao tribunal sempre que se vai ausentar do país mais de cinco dias, José Sócrates tem viajado para o Brasil várias vezes, e por lá se mantém durantes muitos dias, sem dar “cavaco” a ninguém! Segundo o seu advogado, Sócrates não tem de prestar esclarecimentos a ninguém pois a medida de coação não envolve nenhuma restrição da liberdade. Sócrates está no Brasil a fazer um doutoramento em Relações Internacionais na Universidade Católica de São Paulo. (Não lhe valia a pena ir para tão longe, em Lisboa também tinha esta possibilidade, a mesma universidade e o mesmo doutoramento). Dizem as más-línguas que Sócrates está no Brasil a ajudar o seu amigo Lula da Silva a voltar a ser Presidente. Dizem também que Sócrates nunca mais vai voltar a Portugal, e mesmo que seja condenado pode mesmo nunca ser extraditado, e tem duas possibilidades: casa com uma cidadã brasileira, ou espera que o seu amigo seja eleito Presidente e lhe atribua o título de cidadão de mérito. Quem tem amigos, tem tudo. E é mesmo com os amigos que vai terminar esta crónica. João Rendeiro, condenado em Portugal e que tinha fugido para a África do Sul, suicidou-se na cadeia. Apesar de ter dito há uns tempos que não voltaria para Portugal, acabou por voltar, embora não por sua vontade. No seu funeral estiveram cerca de vinte pessoas. Figuras públicas estiveram duas, o advogado Ricardo Sá Fernandes e o ex-ministro Mira Amaral. Se há um ano João Rendeiro tivesse promovido uma festa teria a casa a abarrotar de amigos, daqueles bem conhecidos da política, da televisão e da alta finança. As pessoas não deixam de ser más, ou bandidos ou criminosos só porque morreram. Assim devia ser com os amigos, mas não é. Sábias palavras as de Confúcio: “Para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade.”


Crónica publicada na edição 435 do Notícias de Coura, 21 de junho de 2022.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

A América.

No passado dia vinte e quatro de maio, um jovem de dezoito anos entrou armado numa escola do Texas e matou dezanove alunos e dois professores. Desde 2013, foram mais de cinquenta os massacres em escolas dos Estados Unidos.

Na América, aquela que tantas vezes é chamada da “terra das oportunidades” é mais fácil comprar uma arma do que adotar um animal de estimação, basta ter 18 anos e ir a uma loja. Muitos destes atacantes são depois abatidos pela polícia ou cometem suicídio. Nada que repare os danos que fazem em poucos minutos e que prolongam para a eternidade em dezenas de famílias. Surgem depois as tentativas de explicar as razões: jovens problemáticos que sofreram abusos, famílias mal estruturadas, situações de bullying. Comum é o facto de serem tipicamente indivíduos desequilibrados do ponto de vista mental e que, e aqui está na minha opinião o fator decisivo, terem a oportunidade, ou seja, têm acesso fácil a armas de fogo.

No Texas, qualquer pessoa pode comprar uma arma a partir dos dezoito anos, basta apresentar o documento de identificação para verificar se o cadastro está limpo, preencher um formulário, escolher a arma e pagar. Tão simples quanto ir comprar um maço de cigarros. Na via pública, a partir dos 21 anos, qualquer cidadão pode carregar consigo uma arma de fogo, sem qualquer tipo de restrição ou licença necessária.

Muitos países têm pessoas com desequilíbrios e problemas mentais, mas estes tiroteios só acontecem com frequência nos Estados Unidos. Porquê? Perguntou indignado o Presidente dos Estados Unidos Joe Biden, acrescentado: “Por amor de Deus, quando vamos enfrentar o lobby das armas?”

A resposta pode muto bem ser dada pelos acontecimentos posteriores ao massacre. No fim-de-semana seguinte ao dia do ataque, realizou-se a convenção anual da National Rifle Association, entidade que há mais de um século defende o direito dos cidadãos dos Estados Unidos à posse e porte de armas de fogo. Haverá melhor exemplo da força do lobby? Vários membros desta entidade são políticos influentes, o que justifica a razão do Congresso não conseguir aprovar leis para controlar as armas. Neste evento, discursaram o Governador e o Senador do Texas e, o ex-Presidente Donald Trump. Ninguém esperaria nada diferente, Trump defendeu o fim da proibição de armas em zonas escolares, acrescentado que todas as escolas deviam ter uma só entrada, cercas fortes, detetores de metal e um guarda armado à porta. Já em tempos ele defendeu que cada professor devia ser portador de uma arma.

Voltando ao massacre e ao jovem assassino, soube-se mais tarde que já tinha utilizado as redes sociais para dizer que iria realizar tiroteios e violar raparigas. Não foi levado a sério. Apesar das ameaças e das denúncias, o perfil do jovem nunca foi fechado nem sequer as autoridades informadas. Falhou o algoritmo. A mim, o Facebook já me bloqueou por ter usado a palavra “maricas” numa crítica que fiz aos líderes europeus pela falta de coragem em enfrentar Putin. Para piorar tudo isto, falharam também as autoridades policiais que demoraram mais de uma hora a entrar na escola.

Quando é que tudo isto acabará? Nunca. É um trágico exemplo do que é um lobby e da força dos interesses económicos. A América. A tão badalada terra das oportunidades é a terra onde só se pode beber álcool aos vinte e um anos, mas pode-se comprar uma arma aos dezoito. A América, a terra onde tantos Pais vão levar os filhos à escola, e vão mais tarde buscar um cadáver. A América, uma terra que em tempos desejei conhecer, mas que cada vez menos me encanta.

Crónica publicada na edição 434 do Notícias de Coura, 07 de junho de 2022.

terça-feira, 7 de junho de 2022

Futebol, Festival e Fátima.

Esta era uma daquelas crónicas que me preparava para intitular de Coisas Dispersas 2. Só depois de escrever sobre o futebol e o festival é reparei nas iniciais, o terceiro F não foi difícil de aparecer, surgiu como que… por magia!

Futebol

A época de futebol está prestes a acabar, tendo já terminado a principal competição interna, o campeonato. O FC Porto foi um justo vencedor. Sérgio Conceição ganhou três campeonatos em cinco épocas num dos períodos mais difíceis do clube por ter estado sob a alçada do fair-play financeiro da UEFA. Sem conseguir contratar grandes estrelas e obrigado a vender todos os anos os melhores, ter sido campeão três vezes é de assinalar, lançando para a ribalta muitos jovens talentos e recuperando alguns jogadores que já pareciam perdidos. Os rivais, muitos deles às vezes com más intenções, diziam que quem ganhava os campeonatos era o Pinto da Costa, mas estes últimos não, estes, mais do que muitos outros, têm a quase total responsabilidade do treinador. O Sporting voltou a fazer um excelente campeonato, e é bom ouvir o treinador sentir-se insatisfeito. Há uns anos, ficar em segundo lugar seria bom para o clube, agora o espírito é outro, e isso é muito bom, para o Sporting evidentemente. Já o Benfica voltou a ficar aquém das expetativas, muito elevadas pelo treinador Jorge Jesus quando voltou ao clube, devia ter pensado que se calhar era melhor não voltar ao local onde foi feliz. Avizinham-se grandes mudanças, o Presidente é outro, o treinador será alemão e prevê-se uma grande debandada de jogadores. Nos grandes clubes os sócios não costumam ter muita paciência, ou isto corre bem já no primeiro ano, ou avizinham-se dificuldades. Fiquei feliz pela conquista do Porto, mas mais estaria se o meu Chaves já tivesse subido à primeira divisão. Ainda vai jogar o play-off com o Moreirense, dependendo desse desfecho a minha satisfação ou não com a presente época futebolística. Quase me esquecia da taça de Portugal, onde o Porto vai defrontar o recém despromovido Tondela. Curioso, também em 2010 o meu Chaves esteve pela primeira vez numa final da taça, e uma semana antes tinha também descido de divisão.

Festival

Sem grandes surpresas, a acreditar nas previsões das casas de apostas, a Ucrânia venceu o Festival Eurovisão da Canção. Numa edição em que Portugal ficou em nono lugar com uma canção lindíssima de Maro, o voto popular deu a vitória a um país em guerra. Já em 2016 a Ucrânia tinha vencido com a canção “1944”, “música em honra da bisavó da cantora e que lembrava um ataque ocorrido na II Guerra Mundial com a deportação dos Tártaros da Crimeia”. Nunca saberemos se a Ucrânia ganharia o festival em condições normais, isto é, se não estivesse a ser completamente destruída pela guerra. A votação do público mostra à Rússia de que lado estão os europeus, é apenas mais um sinal do seu cada vez maior isolamento. (Excetuando naturalmente o Partido Comunista Português, que ainda esta semana demonstrou repúdio pelo apoio do Governo português à adesão da Finlândia e da Suécia à NATO, dizendo tratar-se de uma submissão aos interesses dos EUA e uma ameaça às fronteiras russas.)

Fátima

Já sem as restrições sanitárias dos últimos dois anos, o Santuário da Cova da Iria voltou a receber milhares de peregrinos. Embora em menor número do que era habitual, voltaram a ver-se grupos de peregrinos a pé pelas estradas, uma imagem que dá vida e cor às estradas portuguesas no mês de maio. Depois de dois anos de muitos sacrifícios, é visível no olhar dos visitantes a esperança e a alegria em voltar a um local de fé. E mesmo para quem não acredita, as imagens provam que há ali qualquer coisa… A fé pode não mover montanhas, mas dá força e coragem para as escalar, o que é ainda melhor. Melhor que ver desaparecer um obstáculo, é ultrapassá-lo.




Crónica publicada na edição 433 do Notícias de Coura, 24 de maio de 2022.

terça-feira, 24 de maio de 2022

Uma guerra que nos envergonha.

Gostava de escolher outro tema. Gostava que esta guerra deixasse de ter importância suficiente para me dar assunto para escrever. Infelizmente não consigo. Há uns dias vi nos olhos de uma criança ucraniana um vazio como jamais tinha presenciado. Vi-a perdida na escola, a bater à porta da sala de aula errada, uma sala onde não estava ninguém. Vi-a depois entrar numa sala onde ninguém falava a sua língua e onde alguém lhe disse: “- Tu não falas português, não é? Então senta-te aí.” Não vou escrever aqui as palavras que proferi… mas imaginem-nas, e multipliquem a indignação por cem. Resta-me aproveitar este espaço para deixar escritas, nem que seja para memória futura, mais algumas coisas sobre esta guerra inqualificável.

A Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos fez uma visita surpresa à Ucrânia, anunciou novos apoios militares ao país para se defender da invasão militar da Rússia. Não estando em causa a justiça deste apoio, pode de certa forma contribuir para um crescente nervosismo das autoridades russas, já se ouvem boatos de que as tropas russas têm perdido centenas de militares e poderão mesmo entrar numa situação crítica dentro de 3 a 4 semanas. Tais notícias seriam excelentes, não fosse o facto de Putin ter à disposição armas nucleares, podemos estar perante uma combinação explosiva de fatores.

António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, visitou finalmente os países em guerra. Obviamente que já o devia ter feito, aliás, devia ter sido dos primeiros líderes mundiais a fazê-lo. Certamente que mais vale tarde do que nunca, há até quem já lhe dê os louros da abertura de alguns corredores humanitários para a libertação de civis da cidade de Mariupol. Ao mesmo tempo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, já pediu à NATO e aos Estados Unidos para pararem de entregar armas à Ucrânia se estão realmente interessados em resolver a crise. A acrescentar a tudo isto, a Rússia bombardeou a cidade de Kiev minutos depois de Guterres ter terminado as conversações com o Presidente Zelensky. Trata-se obviamente de uma clara provocação ao resto do mundo e um sinal de que a Rússia não tem respeito nem pelas personalidades nem pelas organizações internacionais. Temos lido notícias nas últimas semanas de que as tropas russas têm feito saques generalizados a residências, têm roubado materiais de construção, cereais e equipamentos agrícolas, enviando muitos deles para o território da Chechênia. A Rússia só vai parar quando tiver o controlo total e absoluto da Ucrânia, um país que já está praticamente todo destruído e saqueado. A população que ainda resiste vai ficar na miséria, correndo sérios riscos de morrer à fome. Esperemos verdadeiramente que esta guerra sirva para alertar os líderes mundiais da necessidade de fugir à dependência económica do gás da Rússia, que sirva para que de uma vez por todas não se voltem a sentar à mesa com Putin e não voltem a acreditar num país que em fevereiro anunciava que só mantinha as tropas junto às fronteiras da Ucrânia para terminar alguns exercícios militares. Quase me apetece dizer-lhes para se lembrarem daquela frase que por vezes se ouve no meio futebolístico português: “- Um bandido será sempre um bandido.”

Entretanto, neste país de brandos costumes que é Portugal, algo de verdadeiramente lamentável acontece. Em Setúbal, os refugiados Ucranianos que chegam ao nosso país são recebidos por um casal russo com ligações ao Kremlin. Aos refugiados pedem fotocópias de documentos e respostas sobre o paradeiro de familiares que ficaram na Ucrânia. Mais do que a indignação, não consigo imaginar o sofrimento que devem ter sentido estes “desgraçados” *, fugir de um país em guerra, deixar tudo aquilo porque lutaram toda uma vida, e serem recebidos desta forma. Esta é uma situação que nos deve envergonhar enquanto portugueses, como é possível este tipo de coisas? Obviamente que isto não é falta de bom senso… é muito pior… nada disto é casual. Não posso deixar de partilhar uma frase que ouvi a José Milhazes: “Toda a gente sabe que as câmaras comunistas são uma empresa de emprego para militantes comunistas e não só”. Sempre tive algum respeito pelo PCP, mas ultimamente têm tido posições injustificáveis. Não só cavam a sua própria sepultura, como ajudam ao crescimento de outras forças políticas, tão ou mais perigosas. (Não estar dependente do PCP, é se calhar uma das vantagens da maioria absoluta do PS.)

* Escrevo a palavra desgraçados no sentido mais ternurento e com a maior compaixão que possam imaginar, jamais no sentido depreciativo, desgraçados no sentido de infelizes. Como sabem sou professor, também na minha escola há alunos vindos da Ucrânia, vê-se nos olhos destas crianças uma infelicidade que não se consegue descrever. Mas é fácil senti-la… basta que por segundos consigamos imaginar o que sentiríamos se de um dia para o outro fossemos obrigados a passar pelo mesmo.

Crónica publicada na edição 432 do Notícias de Coura, 10 de maio de 2022.

terça-feira, 3 de maio de 2022

Assim vai a justiça.

Os jornais e revistas do nosso país não têm muito a tradição de incluir suplementos para rir! Na minha humilde opinião, as notícias do quotidiano já são de tal maneira curiosas que servem perfeitamente para esse propósito. O Correio da Manhã e mais tarde a Correio da Manhã TV foram pioneiros num estilo de cobertura jornalística fantasiosa, mediática e populista, e com bons resultados em termos de audiências e vendas de exemplares. Tal sucesso fez com que outros jornais e televisões fossem aos poucos incluindo notícias e fazendo reportagens daquelas que nos fazem pensar: “Isto não lembrava nem ao diabo!” Tudo isto para introduzir o tema da atual crónica. A justiça é um dos pilares de uma sociedade, para que possamos viver numa sociedade justa e onde os direitos e liberdades sejam iguais para todos, temos mesmo de acreditar que está nas mãos da justiça equilibrar as cada vez maiores desigualdades existentes. E é assim? Não… e as notícias que vamos lendo e ouvindo são a prova disso mesmo. Na verdade, é assim na justiça, na saúde, na educação… quem tem mais recursos, principalmente económicos, tem sempre mais hipóteses de se safar! Já viram algum banqueiro, ou político, ou personalidade famosa, ter um advogado desconhecido!? Obviamente que não… os melhores advogados da praça estão sempre presentes nos casos mediáticos. Mas voltando à base desta crónica, não posso deixar de partilhar algumas das notícias que ultimamente li sobre justiça, dão para rir num primeiro momento, mas para nos indignarmos logo de seguida, num país que se diz desenvolvido isto não devia acontecer.

No início deste mês de abril, em Coimbra, um preso que se encontrava em fuga decidiu entregar-se. Talvez pelo efeito da aproximação do período pascal, o homem deslocou-se ao estabelecimento prisional ao fim de alguns meses em liberdade. Levava com ele uma folha A4 com o nome e o seu número de identificação. Não o aceitaram por falta de documentação. Então o homem apresenta-se sem cartão de cidadão? Em Portugal já se sabe que para qualquer coisa é sempre preciso um papel, uma declaração, uma senha… no mínimo é hilariante, nem nos Malucos do Riso se lembrariam de tal!

O julgamento do ex-Presidente do Benfica, João Vale e Azevedo, foi adiado pela quarta vez. Pelos vistos, há mais de três anos que o Tribunal o tenta notificar, mas não consegue. Há gente com sorte, já parece aquele que era tão sortudo, tão sortudo, que no dia em que a morte lhe veio bater à porta, ele não estava em casa! Uns dias antes, um Senhor Doutor Juiz tinha anulado uma acusação por burla qualificada. Vale e Azevedo já só tem um processo na justiça portuguesa!

Em dezembro de 2017 dois jovens partiram o vidro de um café para o assaltar. Acordado pelo barulho, o dono veio de pistola em punho e disparou sobre os assaltantes, atingindo um deles. Obviamente que foi condenado por homicídio na forma tentada e detenção de arma proibida, apanhou cinco anos de prisão, suspensa por igual período e foi condenado a pagar trinta mil euros de indemnização ao bandido, perdão, ao jovem. Os jovens apanharam dez meses de prisão, suspensa. Tinha-lhe ficado mais barato deixar assaltar o café.

Num caso de violência doméstica, e onde um homem é acusado de agredir a mulher durante cinquenta anos, o Tribunal recusou afastar o homem de casa, por não saber se ele teria outro sítio para morar. Este tipo de atuação tem sido prática corrente ao longo dos anos, os Senhores Doutores Juízes fazem sempre de tudo para compreender os agressores.

Francisca Van Dunem, ex-Ministra da Justiça reformou-se como Juíza Conselheira, mesmo sem nunca ter exercido funções no Supremo. Nada de ilegal é óbvio, mas que há gente com sorte, há. Só me resta exclamar aquilo que sempre digo quando alguém inveja a minha vida de Professor: - Estudasses!

Crónica publicada na edição 431 do Notícias de Coura, 19 de abril de 2022.

terça-feira, 12 de abril de 2022

“Habemus” Governo!

Finalmente foi conhecida a lista dos ministros para a próxima legislatura. Depois da repetição das eleições do círculo eleitoral da Europa, por culpa exclusiva do cambalacho que os partidos tinham combinado, foi finalmente entregue ao Sr. Presidente da República a composição do novo governo… perdão, escapou do segredo de quem a conhecia e veio parar à comunicação social. Propositado ou não, é um incidente curioso, não sei se tal aconteceria se o PS não tivesse maioria absoluta. Pode apenas ser um sinal ao Sr. Presidente da República que o seu papel de árbitro da democracia está agora passado para segundo plano, ou então foi mesmo algum deputado zangado por não ter sido escolhido.

Este é um governo mais pequeno e onde as mulheres, além de estarem em maioria, assumem pastas de grande relevo, como a defesa e a justiça. Mais relevante ainda é o papel dado a Mariana Vieira da Silva. Passa a ser a número dois de António Costa, com poderes reforçados e acumulando as pastas do Planeamento e da Administração Pública, ficando com um dos trabalhos mais importantes de sempre, a gestão dos milhões de euros do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Há quem diga que esta é a última grande oportunidade de Portugal se desenvolver como deve ser. A confiança depositada em Mariana Vieira da Silva é um sinal de que António Costa desenhou o governo a pensar na sua sucessão, sendo bem provável que seja ela a próxima líder socialista e, em condições normais, a futura chefe do governo. António Costa foi em 2019 convidado para ser Presidente do Conselho Europeu, a acontecer novo convite em 2024 tem tudo preparado para o poder aceitar, basta que haja estabilidade governativa, coisa bastante mais provável agora que o PS tem maioria absoluta.

Sobre as restantes pastas não há grandes surpresas, Marta Temido permanece na saúde e Pedro Nuno Santos nas infraestruturas e habitação. Este último continua a ocupar uma posição de pouca relevância no governo, António Costa teme que ele aspire a seu sucessor e volte a aproximar o PS da convergência com a esquerda, nomeadamente com o Bloco de Esquerda. Na Educação, João Costa sobe de Secretário de Estado a Ministro, acaba por não ser surpresa uma vez que, a acreditar em conhece os corredores da governação, já era ele quem tomava as decisões. De Tiago Brandão Rodrigues ficam duas coisas, ter sido até hoje o Ministro da Educação com mais tempo no cargo, e ser no seu mandato que os manuais escolares passaram a ser gratuitos. Sobre as futuras políticas da educação não se esperam grande mudanças. Vamos ver quais as ações concretas para a resolução do desafio de colmatar a enorme falta de professores que a escola pública enfrenta. A escolha de António Costa e Silva para a Economia e o Mar é recebida com expetativa pois foi o responsável pela definição de uma visão estratégica para a implementação do PRR. Talvez não tivesse sido má ideia ser ele a tutelar o mesmo! Para o Ministério da tecnologia e ensino superior foi escolhida Elvira Fortunato, engenheira, professora e cientista conhecida e reconhecida mundialmente. Tem criticado o subfinanciamento da investigação científica em Portugal. Pode ser uma excelente ministra, se conseguir lutar por aquilo que acredita e ter poder de decisão para um definitivo e urgente investimento em investigação e desenvolvimento.

Para terminar, e porque desta vez decidi deixar o pior para o fim, a escolha do Ministro das Finanças. Em 2015 Fernando Medina ascendeu a Presidente da Câmara de Lisboa quando António Costa foi liderar o PS. Em 2021 Fernando Medina liderava a autarquia responsável pelo envio às autoridades russas dos nomes e moradas de manifestantes russos que participaram num protesto pela libertação de Alexey Navalny (opositor de Putin que há tempos foi envenenado). Em 2021 Fernando Medina perdeu a autarquia da capital. Em 2022 Fernando Medina foi escolhido para Ministro das Finanças.

Crónica publicada na edição 430 do Notícias de Coura, 5 de abril de 2022.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Estaremos à beira do xeque-mate da China?

O aumento brutal dos preços dos combustíveis registados nas últimas semanas é sinal de alarme. Os preços dos alimentos e dos restantes bens vão obviamente disparar, por estranho que pareça já há determinados artigos com compra limitada nos supermercados (exemplo do óleo de girassol) e há muitos portugueses a rechear a despensa, eu próprio já o fiz, já tenho leite, atum, grão-de-bico e puré de batata pelo menos até maio. E se é verdade que o aumento dos preços é preocupante, muito mais assustador é pensar numa situação de guerra, onde nem sequer há alimentos disponíveis, ou havendo, estão racionados. Foi assim na segunda guerra mundial, e a avaliar pelos últimos acontecimentos não é de todo descabido pensar que estamos próximos de uma terceira. Disparate dirão alguns… muitos também o diziam há uns tempos quando se falava que estava iminente um ataque da Rússia à Ucrânia.

O que tem sido transmitido pelos órgãos de comunicação social desde o dia 24 de fevereiro é assustador. Ninguém pode ficar indiferente, basta fechar os olhos e pensar o que sentiríamos na mesma posição. E se de uma hora para a outra um louco do país vizinho nos mandasse atacar? E se de um minuto para o outro tivéssemos de deixar tudo aquilo porque lutámos a vida toda? E se de um segundo para o outro só tivéssemos tempo de pegar nos filhos e fugir? Fugir para outro país, fugir sem saber para onde, fugir com a certeza quase absoluta que jamais iriamos voltar? Por mais que se consiga imaginar, estamos longe de sentir aquilo que o povo ucraniano está a passar.

Não é admissível esta invasão, é ilegal e deve ser por todos condenada. Quem está a pagar é o povo, os milhares de civis que têm de abandonar o seu país, os milhares de civis que vão morrer e os milhares de soldados que vão acabar por morrer na defesa do seu território. Tornou-se viral nas redes sociais uma frase de Erich Hartmann, piloto alemão da segunda guerra mundial, que disse: “A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam.” E é mesmo assim, antes de se tornar um piloto alemão, e poder ser odiado por ter lutado pelo regime nazi, Hartmann era um jovem que foi mandado para a guerra, como nos dias de hoje o são milhares de jovens russos e ucranianos. E chegámos até aqui porquê? Desde o fim da guerra fria que a Rússia perdeu influência no mundo, abriu as suas portas ao investimento ocidental, desmantelou-se o Pacto de Varsóvia e os países vizinhos foram-se juntando à Nato, os EUA foram aos poucos sentindo-se os donos do mundo. Como escreveu há dias Boaventura Sousa Santos, “Quando se mora ao lado de um gigante ressentido, convém não lhe dar pretextos para a agressão.» Ucrânia e Nato deram trunfos à Rússia quando a Ucrânia abandonou o estatuto de neutralidade que se tinha comprometido a manter aquando do reconhecimento da independência por parte de Moscovo. O pedido de adesão à Nato foi talvez a gota que fez transbordar o copo. Obviamente que Putin gostava da independência da Ucrânia se ela tivesse os mesmos moldes da independência da Bielorrússia, independente, mas governada por um dos seus súbditos. As mãos de Putin estão sujas de sangue de inocentes, mas as mãos dos líderes da Nato não estão limpas de todo, especialmente as mãos dos líderes americanos que ousaram pensar que esquecer, ou cercar a Rússia era a solução. E ali ao lado… a China. Há 30 anos a China era insignificante, hoje é uma potência económica, e se ainda não é a primeira não está longe, sendo a que mais cresce anualmente. A China não condenou a invasão da Ucrânia, a China tem vindo a cimentar nos últimos anos importantes acordos de colaboração com a Rússia. A China vê na Rússia a porta de entrada no ocidente e não tem interesse em ver a Rússia fechada e isolada do mundo. Talvez a China venha a ter um importante papel nas negociações para o fim da guerra. E se o conseguir, é provavelmente o Xeque-mate nas suas aspirações de se tornar a “dona disto tudo”.


Crónica publicada na edição 429 do Notícias de Coura, 23 de março de 2022.

quarta-feira, 16 de março de 2022

Louco, mas perigoso.

Agora que o mundo estava aos poucos a voltar a alguma normalidade, depois de dois anos de pandemia, eis que um louco decide iniciar uma guerra.

O mundo foi apanhado de surpresa quando a 24 de fevereiro as tropas russas invadiram a Ucrânia. Mas não devia. Não devia ficar surpreendido. Têm sido muitos os sinais ao longo dos tempos da insanidade do Presidente Putin e do seu ressentimento, não só pelo fim da União Soviética, mas também pelo fim do Império Russo. A integração dos países do leste europeu na NATO e o mais recente desejo da Ucrânia se tornar membro da NATO e até da própria União Europeia (cujo pedido formal foi já feito depois da guerra começar), despertou em Putin atitudes irracionais. Putin vê no alargamento da NATO uma tentativa de o ocidente cercar a Rússia. Em 2014, alegando laços históricos, a Rússia anexou a Crimeia, garantindo dessa forma uma posição estratégica no Mar Negro. Depois disso, também as províncias de Donetsk e Luhansk se tornaram “independentes” da Ucrânia, num conflito onde já morreram mais de catorze mil pessoas, com o apoio russo às forças separatistas. Em 2020, Alexei Navalni, opositor de Vladimir Putin, desmaiou durante um voo, foi para um hospital na Sibéria e depois transferido para a Alemanha. Esteve vários dias em coma e acabou por se salvar. Veio-se a provar que tinha sido envenenado, pelo mesmo veneno com que em 2018 um ex-espião russo e a filha já tinham sido envenenados no Reino Unido. Em 2021, um avião da Ryanair foi desviado da sua rota e forçado a aterrar em Minsk, na Bielorrússia. A bordo estava o jornalista Roman Protasevich, crítico ao regime do presidente Alexander Lukashenko, e que obviamente foi preso logo após a aterragem. Lukashenko é Presidente da Bielorrússia, é um “cordeiro” de Putin, e também já afirmou estar pronto para a guerra caso o seu país, ou o seu principal aliado, sejam atacados. Estes são apenas alguns dos sinais que deviam ter alertado a europa e o mundo para o que agora está a acontecer.

Entretanto, o mundo vai reagindo com manifestações de indignação e iniciativas de apoio à Ucrânia. O espaço aéreo europeu e de muitos países pelo mundo foi fechado aos aviões russos (embora Rui Pinto já tenha detetado e denunciado casos de jatos privados russos que violaram esta proibição), as instituições financeiras bloquearam as operações dos bancos russos, a UEFA excluiu das competições de futebol a seleção de futebol russa e os clubes, a Tesla ofereceu carregamentos gratuitos a quem foge da Ucrânia (haverá mesmo pessoas a fugir em carros elétricos?), o grupo de piratas informáticos Anonymous declarou guerra informática à Rússia (vai ser difícil, muitos dos melhores piratas informáticos são… russos). Mais significativa e corajosa foi a posição da União Europeia quando decidiu que vai financiar a compra de material bélico para disponibilizar à Ucrânia. Entretanto, Putin ameaça com a guerra nuclear. Numa altura em que já morreram bastantes civis, Putin nega o facto afirmando que “esta não é uma guerra aos civis”, mas logo nos primeiros dias vê-se um tanque russo a passar deliberadamente por cima de um automóvel numa estrada, por milagre o homem sobreviveu. A juntar-se à destruição, são milhares os ucranianos que fogem em busca de um país seguro, podendo-se tornar em mais um problema para a europa resolver.

Por cá, a posição do governo português e de muitos políticos com capacidade de decisão tem sido exemplar. À exceção (como já seria de esperar), do Partido Comunista Português (PCP). Foi o único partido até agora a recusar condenar Vladimir Putin pela invasão da Ucrânia. Foi ainda mais longe, apontou o dedo aos Estados Unidos da América acusando-os de quererem uma guerra na europa. Já no Parlamento Europeu, e sobre a proposta de apoio financeiro à Ucrânia, os deputados portugueses do Bloco de Esquerda abstiveram-se, os do PCP votaram contra. Estes dois partidos quase viram desaparecer a sua representatividade na Assembleia da República nas últimas eleições legislativas, com posições destas arriscam-se a ter o mesmo destino do CDS-PP. A América teve durante 4 anos um presidente louco, mas pateta. A Rússia tem há demasiado tempo um líder louco, mas perigoso. Avizinha-se uma nova guerra mundial? Esperemos que não… depois do Covid era mesmo isto que nos faltava.


Crónica publicada na edição 428 do Notícias de Coura, 9 de março de 2022.