terça-feira, 24 de maio de 2022

Uma guerra que nos envergonha.

Gostava de escolher outro tema. Gostava que esta guerra deixasse de ter importância suficiente para me dar assunto para escrever. Infelizmente não consigo. Há uns dias vi nos olhos de uma criança ucraniana um vazio como jamais tinha presenciado. Vi-a perdida na escola, a bater à porta da sala de aula errada, uma sala onde não estava ninguém. Vi-a depois entrar numa sala onde ninguém falava a sua língua e onde alguém lhe disse: “- Tu não falas português, não é? Então senta-te aí.” Não vou escrever aqui as palavras que proferi… mas imaginem-nas, e multipliquem a indignação por cem. Resta-me aproveitar este espaço para deixar escritas, nem que seja para memória futura, mais algumas coisas sobre esta guerra inqualificável.

A Presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos fez uma visita surpresa à Ucrânia, anunciou novos apoios militares ao país para se defender da invasão militar da Rússia. Não estando em causa a justiça deste apoio, pode de certa forma contribuir para um crescente nervosismo das autoridades russas, já se ouvem boatos de que as tropas russas têm perdido centenas de militares e poderão mesmo entrar numa situação crítica dentro de 3 a 4 semanas. Tais notícias seriam excelentes, não fosse o facto de Putin ter à disposição armas nucleares, podemos estar perante uma combinação explosiva de fatores.

António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, visitou finalmente os países em guerra. Obviamente que já o devia ter feito, aliás, devia ter sido dos primeiros líderes mundiais a fazê-lo. Certamente que mais vale tarde do que nunca, há até quem já lhe dê os louros da abertura de alguns corredores humanitários para a libertação de civis da cidade de Mariupol. Ao mesmo tempo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, já pediu à NATO e aos Estados Unidos para pararem de entregar armas à Ucrânia se estão realmente interessados em resolver a crise. A acrescentar a tudo isto, a Rússia bombardeou a cidade de Kiev minutos depois de Guterres ter terminado as conversações com o Presidente Zelensky. Trata-se obviamente de uma clara provocação ao resto do mundo e um sinal de que a Rússia não tem respeito nem pelas personalidades nem pelas organizações internacionais. Temos lido notícias nas últimas semanas de que as tropas russas têm feito saques generalizados a residências, têm roubado materiais de construção, cereais e equipamentos agrícolas, enviando muitos deles para o território da Chechênia. A Rússia só vai parar quando tiver o controlo total e absoluto da Ucrânia, um país que já está praticamente todo destruído e saqueado. A população que ainda resiste vai ficar na miséria, correndo sérios riscos de morrer à fome. Esperemos verdadeiramente que esta guerra sirva para alertar os líderes mundiais da necessidade de fugir à dependência económica do gás da Rússia, que sirva para que de uma vez por todas não se voltem a sentar à mesa com Putin e não voltem a acreditar num país que em fevereiro anunciava que só mantinha as tropas junto às fronteiras da Ucrânia para terminar alguns exercícios militares. Quase me apetece dizer-lhes para se lembrarem daquela frase que por vezes se ouve no meio futebolístico português: “- Um bandido será sempre um bandido.”

Entretanto, neste país de brandos costumes que é Portugal, algo de verdadeiramente lamentável acontece. Em Setúbal, os refugiados Ucranianos que chegam ao nosso país são recebidos por um casal russo com ligações ao Kremlin. Aos refugiados pedem fotocópias de documentos e respostas sobre o paradeiro de familiares que ficaram na Ucrânia. Mais do que a indignação, não consigo imaginar o sofrimento que devem ter sentido estes “desgraçados” *, fugir de um país em guerra, deixar tudo aquilo porque lutaram toda uma vida, e serem recebidos desta forma. Esta é uma situação que nos deve envergonhar enquanto portugueses, como é possível este tipo de coisas? Obviamente que isto não é falta de bom senso… é muito pior… nada disto é casual. Não posso deixar de partilhar uma frase que ouvi a José Milhazes: “Toda a gente sabe que as câmaras comunistas são uma empresa de emprego para militantes comunistas e não só”. Sempre tive algum respeito pelo PCP, mas ultimamente têm tido posições injustificáveis. Não só cavam a sua própria sepultura, como ajudam ao crescimento de outras forças políticas, tão ou mais perigosas. (Não estar dependente do PCP, é se calhar uma das vantagens da maioria absoluta do PS.)

* Escrevo a palavra desgraçados no sentido mais ternurento e com a maior compaixão que possam imaginar, jamais no sentido depreciativo, desgraçados no sentido de infelizes. Como sabem sou professor, também na minha escola há alunos vindos da Ucrânia, vê-se nos olhos destas crianças uma infelicidade que não se consegue descrever. Mas é fácil senti-la… basta que por segundos consigamos imaginar o que sentiríamos se de um dia para o outro fossemos obrigados a passar pelo mesmo.

Crónica publicada na edição 432 do Notícias de Coura, 10 de maio de 2022.



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