terça-feira, 19 de maio de 2020

Manifestação vergonhosa

Ainda bem que o 1.º de maio não coincidiu com o envio da minha crónica para a redação do Notícias de Coura. Nesta altura, passados que estão 3 dias, já me encontro relativamente mais calmo, embora ainda me sinta indignado e revoltado com aquilo que se passou no feriado. 
Não está aqui em causa a importância do feriado nem a legitimidade da CGTP em defender os direitos dos trabalhadores, inclusive daqueles que, segundo a mesma, têm visto os seus direitos violados neste difícil momento que o país atravessa. A CGTP, mais do que o dever de defender os trabalhadores, tem essa obrigação, mas não desta forma. 
Aquilo que se passou no dia 1.º de maio em Lisboa foi uma autêntica vergonha para um país que se diz civilizado. Centenas e centenas de pessoas a celebrar um feriado, nalgumas fotografias é visível a “bonita encenação” na colocação dos manifestantes no parque, mas em muitas outras é perfeitamente visível o “forrobodó” que se viveu por aqueles lados. Num fim-de-semana em que era proibido circular entre concelhos, os manifestantes chegaram de camioneta, vindos de concelhos vizinhos, nos transportes cedidos pelos respetivos municípios. E não vale a pena a líder da CGTP vir com conversas de que “foi tudo concertado com as autoridades de saúde”, “as pessoas vinham devidamente afastados nos autocarros”, “havia dispensadores de desinfetante nos autocarros”, “o distanciamento social foi respeitado”, mentiras, um rol de mentiras que nem vale a pena adjetivar, as imagens falam por si. (Dou-me conta neste momento que a raiva está a tomar conta de mim, o teclado do computador está a sofrer com isso, e não querendo correr o risco de utilizar palavras impróprias, vou parar uns minutos, já volto.) … 
Voltei. Fui descansar uns minutos, apanhar um pouco de ar à janela e voltei ao computador. (Nesta altura alguns leitores estão a pensar: “- Lá está ele com esta conversa para ganhar mais meia dúzia de linhas!”) Compreendo a vosso pensamento, é aceitável, mas não é verdade. Sinceramente, fiquei mesmo zangado com tamanha falta de respeito por um país em confinamento. 
Esta gente a assinalar o 1.º de maio, e no resto do país, milhares de profissionais de saúde e de agentes das forças de segurança na linha da frente, expostos ao vírus, semanas a fio sem abraçar os filhos, milhares de pessoas sem poder visitar os seus familiares internados em hospitais e em lares, talvez milhares de pessoas que não se puderam despedir dignamente dos seus familiares e amigos falecidos, e esta gente, com máscaras e bandeiras da CGTP, a “laurear a pevide”. Enfim, uma vergonha, num dos mais agressivos sentidos da palavra, o de ato indecoroso. 
Não queria entrar com questões políticas neste assunto, mas só não vê quem não quiser ver. Rui Rio tem razão quando diz que para o governo “a geringonça goza de estatuto especial.” Tenho pena que assim seja, António Costa tem tido um desempenho excelente, podia bem ver-se livre destas idiotices. Por falar em assuntos sobre os quais o Sr. 1.º Ministro bem se podia livrar, a Senhora Ministra da Saúde, Marta Temido, reagindo a esta polémica, desvalorizou-a, admitindo até celebrações em Fátima. Valha-nos a decisão sensata do Senhor Cardeal D. António Marto ao vir esclarecer que se mantém a “opção dolorosa” de celebrar o 13 de maio sem peregrinos. 
Escrevo esta crónica já em estado de calamidade, (o país, não eu, embora não me sinta muito bem.) Se vejo diferenças? Ainda não, como não saí de casa parece-me tudo na mesma. Amanhã é dia de ir às compras, de máscara, com mil cuidados como sempre tenho feito desde março. Demoro menos tempo no supermercado, fujo das pessoas nos corredores e não perco tempo a comparar os preços, compro o que sempre comprei, mas gasto mais, bem mais. E depois, limpar as mãos, deitar fora as luvas, limpar as embalagens todas com água e lixívia antes de as arrumar, limpar os sacos… enfim, se há efeito que o vírus já me trouxe foi este… Vamos todos ter de reaprender a viver, obviamente que o país não pode parar e não podemos ficar eternamente fechados. E quem é que há dois meses seria capaz de imaginar isto? Quem? Respondam…

Crónica publicada na edição 386 do Notícias de Coura, 12 de maio de 2020.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Coisas dispersas

Pior do que não saber sobre o que escrever, é dar voltas e voltas e os únicos assuntos que parecem interessar estão relacionados com o difícil momento que atravessamos. Estive quase a intitular esta crónica de “Obviamente que não vai ficar tudo bem”, mas não vale a pena ser mais uma voz pessimista num momento onde se precisa de esperança. Aliás, nem há essa necessidade, para muita gente já não está tudo bem, e de uma forma geral, todos temos consciência que as coisas nunca mais serão as mesmas. Assim sendo, e despachado que está o primeiro parágrafo, vamos lá tecer algumas considerações sobre coisas dispersas. Um Português que se preze tem sempre opinião sobre tudo e mais alguma coisa! 


Reclusos em liberdade. Acho mal. E acho mal por várias razões. Para começar, não havendo casos de Covid-19 nos estabelecimentos prisionais, creio que estariam mais seguros lá dentro, bastava que se tomassem todas as medidas necessárias para proteger os locais, como se devia ter feito com os lares de idosos e não se fez. Depois, libertaram-se os presos à pressa, durante o fim-de-semana de proibição de viajar para fora dos concelhos. Eles até tinham as autorizações para circular, mas sem transportes públicos e sem possibilidade dos familiares os irem buscar, ficaram “presos” em liberdade. E para terminar este assunto, não me venham com a história que só foram libertados os que estavam doentes ou os bem comportados, que dizer daquele que foi apanhado poucas horas depois em Lisboa numa zona de tráfico de droga? 

Máscaras obrigatórias. Acho bem. Depois de no mês de março não considerar necessário o uso de máscara, a Direção Geral de Saúde vem agora recomendar o uso da mesma em espaços públicos. Não acho que seja suficiente a recomendação, acho que deveria ser obrigatório e bem controlado pelas forças da autoridade o uso das mesmas em todos os espaços onde se juntem duas ou mais pessoas. Numa coisa a Senhora Diretora Geral de Saúde, “O uso da máscara só por si não é suficiente”, mas que ajuda, ajuda. 

Telescola. Independentemente de como esteja a correr, é de louvar o esforço do Ministério e de todos os profissionais envolvidos. Colocar aquilo a funcionar em poucos dias não deve ter sido fácil. Estaria excelente se fosse obrigatória para todos os alunos, mas apenas como recurso esporádico dos professores e a servir para “ocupar” aqueles que não têm computador e Internet, torna-se mais um fator de desigualdade entre os alunos. 

Abertura das Creches. Acho mal. E acho mal porque não acredito que estejam garantidas as condições mínimas para garantir a segurança de todos os envolvidos, crianças, educadores, auxiliares e Pais. Sei bem que pelo que se ouve “as crianças parecem safar-se bem do vírus” mas, e os outros? Irão os Pais ficar descansados ao deixar os filhos nos infantários e irem trabalhar? Sei bem que isto é, nas palavras do Jaime Pacheco, “uma faca de dois legumes”, temos a saúde de um lado e a economia do outro, todos concordamos que a saúde é o mais importante, mas … 

Investigar os Chineses. Acho bem. Donald Trump ignorou os perigos da pandemia, vê-se a braços com milhares de mortos mas nem por isso mantém o registo de dar mais importância à economia e deixar para segundo plano a saúde. Numa coisa ele tem razão, a origem do vírus tem de ser investigada, de preferência por autoridades competentes e independentes, e se a China tiver responsabilidades elas têm de ser apuradas e obviamente que têm de existir consequências. Este vírus surgiu na cidade de Wuhan, onde se situa um laboratório de biotecnologia que trabalha com infeções virais, sendo uma das especialidades desse laboratório o “estudo da forma como os coronavírus se transmitem dos morcegos”. Entretanto, já diversos cientistas afirmaram que de acordo com as informações genéticas estudadas, o vírus tem origem natural. Eu não acredito em bruxas “pero que las hay, las hay”. 

Computadores e Internet para todos. Acho bem. Na noite que escrevo esta crónica leio com satisfação nas redes sociais a notícia de que o Município de Paredes de Coura garantiu condições de igualdade a centenas de alunos, disponibilizando computadores, tablets e internet a todos quantos não tinham. Leio com revolta alguns comentários de gente que afirma, “atenção, só foram emprestados”. Sinceramente, isso é o que menos interessa, o importante neste momento é garantir que todos os alunos têm condições semelhantes de acesso ao ensino. Há gente que quer tudo “dado e arregaçado”, lembra-me aquele provérbio chinês, não basta emprestar a cana de pesca, esta gente quer que lhe pesquem o peixe, o cozinhem, o sirvam à mesa e ainda lhe arrumem a cozinha. Haja paciência. Já em tempos o escrevi, e repito: “Fizesse o Ministério da Educação pelo país, o que o Município de Coura faz pela educação do concelho.” 

Fiquem bem.

Crónica publicada na edição 385 do Notícias de Coura, 28 de abril de 2020.