terça-feira, 25 de junho de 2013

A (os)Tentação do Poder

As “coisas” do poder sempre me fizeram alguma confusão. Quando em 1992 entrei para a Universidade, fui obrigado a dedicar-lhes algum tempo, mais por obrigação de estudante que propriamente por gosto ou interesse pessoal. Admirava de certa forma, todos quantos de forma voluntária e gratuita se dedicavam a cargos de alguma responsabilidade, quer fosse nas autarquias, quer fosse em instituições sociais e até nos clubes desportivos. É de louvar a vontade de manter a funcionar estas entidades, são elas que dão vida às povoações e que ajudam a criar a sua identidade. O que depois me começou a fazer confusão, foi a animosidade com que eram vistos todos quantos  quisessem “disputar”, de forma democrática esses lugares. Se existe vontade de ocupar um certo cargo dirigente, é porque alguém sente que consegue fazer melhor, tem novas ideias, novos projetos, vontade de mudar e melhorar o que existe. Ou não será assim?! Se olhar-mos ao passado recente do país, a verdade é mesmo essa: não é assim!
A recente lei de limitação de mandatos, que visava impedir os autarcas com 3 mandatos de se candidatarem novamente, pareceu numa primeira fase agradar a toda a gente. É claro que nalguns casos os autarcas mereciam estar mais tempo, e decerto continuariam a fazer um bom trabalho, mas a mudança costuma obrigar a novos desafios, a novas vontades de “agradar e mostrar serviço”, a mudança é na maioria das vezes, uma “lufada de ar fresco”. Há quem defenda que esta nova lei acaba por ser uma forma de limitar a democracia, e de facto, deveria ser o povo a dar o sinal que queria mudar, e não ser a lei a obrigar a isso. Infelizmente, até para a democracia funcionar, muitas vezes tem de ser a lei a suportá-la.
Mas, como seria de esperar, todos quantos estão “agarrados” ao poder, por bons, ou menos bons motivos, tentaram logo arranjar forma de dar a volta à questão. Uns, já que não podiam candidatar-se de novo à sua freguesia/autarquia de sempre, mudaram-se de armas e bagagens para a vizinhança, à conquista de outros territórios! Outros, tiveram a sorte de ver a sua freguesia agregada à vizinha, logo, ela tem agora um novo nome, e eles podem começar tudo de novo!
A verdade é que tudo isto não deixa de ser a atitude tão portuguesa de tentar sempre “dar a volta à coisa”. Somos tão ousados, que temos a “lata” de o fazer mesmo com as Leis! As Leis, que deveriam ser claras, concisas e nunca deixar dúvidas quanto à sua aplicação, dão-se ao luxo de ter várias interpretações. Fala-se no “corpo da Lei”, quando se defende que só o que está escrito é que conta, mas depois, sempre que o seu conteúdo não agrada a alguém, vamos buscar o “espírito da lei”, as circunstâncias em que o legislador fez o seu trabalho, e até naquilo que ele estava a pensar quando legislou.  Parece-me que o legislador devia ser mais cuidadoso e responsável, deveria ser tão preciso quanto possível, para que ninguém lhe possa imputar ideias ou pensamentos de acordo com as suas conveniências.
Não posso deixar de concordar com a lei, creio até que ela deveria ser mais apertada e limitar ainda mais a permanência no poder, à semelhança do que acontece com o cargo de Presidente da República. Mas não me refiro só aos cargos políticos, em muitas outras instituições isso seria benéfico. Acredito que a permanência duradoura num certo cargo leva a uma certa acomodação, um desleixo em ter novas ideias e desenvolver novos projetos. Muitos dos seres humanos têm este pequeno defeito (se calhar temos todos). Acabamos sempre por nos acomodar à vida, se calhar vencidos pelo cansaço, muitas vezes resignados ao reconhecimento que sentimos merecer, e não temos.  
Independentemente da importância e estatuto que um cargo possa ter, deverá ser o nosso trabalho, a nossa atitude e a nossa competência, a face visível do respeito e consideração que merecemos. Como li em tempos, algures nos manuais de liderança da universidade, um verdadeiro líder não tem necessidade de submeter os outros, deve ter qualidades morais que os atraiam.

Crónica publicada na edição 229 do Notícias de Coura, 18 de junho de 2013.