segunda-feira, 20 de março de 2023

TAP: Trapalhadas Antigas e Permanentes

Salvo mais uma vez pelos acontecimentos! Estou a começar a escrever este texto pelas oito da noite de segunda-feira, dia 6 de março. Durante o dia de ontem andei à procura de um assunto suficientemente interessante e nada encontrei. Cheguei a pensar em voz alta: - Ou acontece algo verdadeiramente relevante ou vou mesmo ter de escrever sobre a posição da Igreja Católica perante o relatório da Comissão Independente para o estudo dos abusos sexuais de crianças na Igreja Católica. Confesso que não me apetecia nada escrever sobre isto, é demasiado vergonhoso e lamentável, deixa-me irritado, embora não coloque em causa a minha fé, essa é em Deus, não nos seus “representantes” na Terra. Ainda assim, não posso deixar de dizer que tive a sorte de conhecer alguns deles, e só me ajudaram a crer que de facto, temos mesmo de acreditar que há alguém superior a nós, alguém que insista em acreditar na boa-fé dos homens. (Deus insiste em colocar-nos à prova, em obrigar à dor todos os seus amigos… não admira que tenha tão poucos.) 1

Mas, mais uma vez tive sorte! Quando saí do trabalho ouvi na rádio as declarações do Sr. Ministro das Finanças anunciando a demissão da CEO da TAP! O azar dos outros é muitas vezes a sorte de alguém. Salvei-me! Vou escrever sobre a TAP. Depois do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) sobre a saída de Alexandra Reis da TAP, não restava outra alternativa ao Governo que não fosse a exoneração da Administração. Confesso que me surpreendeu, cheguei a pensar que seriam inventadas meia dúzia de coisas para que a culpa morresse solteira. Assim não foi. Institucionalmente é fácil perceber que a administração tinha de ser responsabilizada pelo que aconteceu, politicamente a história já é outra. Fernando Medina é salvo pelas datas, uma vez que não fazia parte do governo à data dos factos, e João Galamba só tem a tutela da companhia agora, o seu antecessor, Pedro Nuno Santos já se demitiu. Com esta tomada de posição o Governo ganha tempo, e se, entretanto, tiver sorte com a reprivatização da companhia, talvez daqui a um ano ou dois a TAP já não seja assunto corrente. No entanto, e porque há sempre um “outro lado”, muitas questões já estão em cima da mesa:

- Alexandra Reis, e que segundo o relatório da IGF terá de devolver parte da indeminização indevidamente recebida, já declarou que o irá fazer, embora não concorde com o conteúdo do relatório. Resta saber se depois, não irá contrapor algum tipo de recurso relativo à cessação de funções.

- Christine Ourmières-Widener, a agora exonerada CEO da TAP já afirmou estar perplexa com o “comportamento discriminatório da IGF” por ter sido a “a única pessoa que não foi ouvida pessoalmente no âmbito da auditoria.” Manifestou já a intenção de “retirar todas as consequências legais” deste comportamento da IGF. Adivinha-se mais um processo a ocupar os Tribunais durante uns anos.

- Os partidos da oposição já vieram afirmar que tudo isto é pouco, que falta retirar consequências políticas, querem saber quem irá agora pagar as novas indemnizações, e um sem número de outras questões que nunca colocaram quando estiveram no governo, neste caso o PSD, e quando não estando no governo o apoiaram, o PCP e o BE.

Como português, contribuinte, e que não tem margem de manobra para poder fugir aos impostos, continuo a achar que a TAP já está há anos demais a “sugar” os nossos impostos, a “sugar” o nosso dinheiro. E não me venham com a história de ser estratégica para o país, há milhares e milhares de portugueses que nunca usufruíram nem irão usufruir, dos ganhos que insistem em dizer que a TAP dá ao país. Perdoem-me a frieza com que o digo e escrevo: a TAP já devia ter ido ao fundo há muitos e muitos anos. Talvez o negócio da privatização feita à pressa pelo PSD tenha sido uma trapalhada (não vou escrever vigarice), mas a atitude deste governo em reverter essa privatização, injetar mais de três mil milhões de euros dos contribuintes, e agora voltar a privatizar é ainda mais condenável.

Pior que tudo isto, é eu acreditar que isto não fica por aqui. Parece que chegou o último episódio, mas logo depois é lançada a segunda série, e assim continuará. À semelhança do “Novo Aeroporto de Lisboa” a TAP será um dos assuntos sobre o qual daqui a muitos anos alguém dirá: “- Já no tempo dos teus avós se falava de um novo aeroporto em Lisboa… nesse tempo já a TAP dava problemas…”

1) Desabafo de Santa Teresa quando morria de tuberculose e se queixava a Deus do sofrimento. No Livro Encontros no Limite, de Stephen Levine.


Crónica publicada na edição 451 do Notícias de Coura, 14 de março de 2023.

segunda-feira, 6 de março de 2023

Os palcos da vergonha

Um incêndio num rés-do-chão de um prédio na Mouraria em Lisboa provocou dois mortos, catorze feridos e vinte e dois desalojados. Poderia tratar-se de um lamentável e triste acidente, mas é muito mais que isso. Naquele rés-do-chão viviam cidadãos imigrantes, vinte e duas pessoas, sem espaço, “… num amontoado de colchões e beliches onde a dignidade humana ficou à porta. “(1) Somos um país com uma dívida imensa para muitos outros que receberam os nossos emigrantes no século XX, temos uma obrigação histórica e ao mesmo tempo uma responsabilidade humana para receber também aqueles que procuram em Portugal melhores condições de vida. Mas assim não. Quando o Presidente do PSD, Luís Montenegro, diz que Portugal deve “procurar pelo mundo as comunidades que possam interagir melhor com os portugueses” está a ser descuidado nas palavras aproximando-se perigosamente de uma posição xenófoba, mas quando afirma que “o país deve receber emigrantes de forma regulada”, obviamente que tem razão. Portugal é um país de portas abertas ao mundo, já tive a oportunidade de questionar alguns emigrantes da Tailândia, Nepal, Roménia, Ucrânia, Bangladesh, Brasil, Vietname: - Porquê Portugal? A resposta da grande maioria é: “Porque é o país onde é mais fácil entrar.” Depois deste incêndio os políticos trocaram acusações entre si, culpa-se o Município por não fiscalizar estas situações, culpa-se o governo pela falta de controlo nas fronteiras, culpam-se os proprietários das casas pela exploração dos imigrantes… enfim, o costume no nosso país, atiram-se as culpas de uns para os outros, infelizes dos pobres que perderam a vida, e daqueles que a vão perdendo por terras portuguesas. Uma das coisas que me chocou nas notícias que se seguiram foi o conceito de “cama-quente”, em Lisboa alugam-se camas a 15 euros por dormida, levanta-se um e logo de seguida se deita outro. Portugal é um palco que devia envergonhar qualquer país civilizado.

Durante uns dias andou nas capas de jornais e nas televisões a polémica dos gastos com o palco das Jornadas Mundiais da Juventude. Não está em causa a importância do evento e a visibilidade que vai trazer ao nosso país, e se calhar nem sequer está em causa o investimento. Mais uma vez as entidades responsáveis, Governo, autarquias e Igreja, só dão explicações quando alguma polémica aparece na comunicação social. Se calhar, nada disto se teria passado se, com muita antecedência e transparência, explicassem aos portugueses que se iriam gastar cinquenta ou cem milhões de euros na organização de um evento que traria de retorno trezentos milhões. Mais uma vez, os responsáveis não agem, apenas reagem, e obviamente que isto vem trazer desconfiança. (Esperemos que daqui a dois ou três anos não se venha a descobrir que alguém meteu dinheiro ao bolso com este negócio, num processo que naturalmente vai durar anos e acabar por prescrever). Tanta polémica levou a que os responsáveis se reunissem para tentar reduzir o valor do palco principal. No final, vangloriaram-se de diminuir a despesa de 4,2 milhões para 2,9 milhões, esquecendo-se de referir que o tamanho passou de 5 mil metros quadrados para pouco mais de 3 mil, fazendo com que o preço por metro quadrado aumentasse. (Podia aqui escrever uma piada sobre as competências matemáticas, mas por respeito aos Professores não o vou fazer, só nós sabemos até onde temos de descer para cumprir as metas de sucesso impostas). Esperemos que a imagem de simplicidade do Papa Francisco não fique manchada pela opulência da organização portuguesa, que ninguém lhe diga quanto tudo isto custou, certamente sentirá vergonha. E por falar em vergonha, José Sá Fernandes, o Coordenador do Projeto de preparação das Jornadas, nomeado pelo Governo, disse ter ficado surpreendido quando soube do valor para o altar-palco. É natural. Eu, e provavelmente muitos milhares de portugueses, também ficámos surpreendidos quando soubemos que a equipa de Sá Fernandes vai custar 530 mil euros em salários só em 2023, e já em 2022 custou um valor semelhante, e que Sá Fernandes ganha quase 5 mil euros brutos por mês. E mais surpreendente ainda, a equipa vai ser remunerada até ao final de 2024.  

(1) Retirado da nota de pesar do PAN apresentada na Assembleia Municipal de Lisboa.

Crónica publicada na edição 450 do Notícias de Coura, 28 de fevereiro de 2023.