segunda-feira, 6 de março de 2023

Os palcos da vergonha

Um incêndio num rés-do-chão de um prédio na Mouraria em Lisboa provocou dois mortos, catorze feridos e vinte e dois desalojados. Poderia tratar-se de um lamentável e triste acidente, mas é muito mais que isso. Naquele rés-do-chão viviam cidadãos imigrantes, vinte e duas pessoas, sem espaço, “… num amontoado de colchões e beliches onde a dignidade humana ficou à porta. “(1) Somos um país com uma dívida imensa para muitos outros que receberam os nossos emigrantes no século XX, temos uma obrigação histórica e ao mesmo tempo uma responsabilidade humana para receber também aqueles que procuram em Portugal melhores condições de vida. Mas assim não. Quando o Presidente do PSD, Luís Montenegro, diz que Portugal deve “procurar pelo mundo as comunidades que possam interagir melhor com os portugueses” está a ser descuidado nas palavras aproximando-se perigosamente de uma posição xenófoba, mas quando afirma que “o país deve receber emigrantes de forma regulada”, obviamente que tem razão. Portugal é um país de portas abertas ao mundo, já tive a oportunidade de questionar alguns emigrantes da Tailândia, Nepal, Roménia, Ucrânia, Bangladesh, Brasil, Vietname: - Porquê Portugal? A resposta da grande maioria é: “Porque é o país onde é mais fácil entrar.” Depois deste incêndio os políticos trocaram acusações entre si, culpa-se o Município por não fiscalizar estas situações, culpa-se o governo pela falta de controlo nas fronteiras, culpam-se os proprietários das casas pela exploração dos imigrantes… enfim, o costume no nosso país, atiram-se as culpas de uns para os outros, infelizes dos pobres que perderam a vida, e daqueles que a vão perdendo por terras portuguesas. Uma das coisas que me chocou nas notícias que se seguiram foi o conceito de “cama-quente”, em Lisboa alugam-se camas a 15 euros por dormida, levanta-se um e logo de seguida se deita outro. Portugal é um palco que devia envergonhar qualquer país civilizado.

Durante uns dias andou nas capas de jornais e nas televisões a polémica dos gastos com o palco das Jornadas Mundiais da Juventude. Não está em causa a importância do evento e a visibilidade que vai trazer ao nosso país, e se calhar nem sequer está em causa o investimento. Mais uma vez as entidades responsáveis, Governo, autarquias e Igreja, só dão explicações quando alguma polémica aparece na comunicação social. Se calhar, nada disto se teria passado se, com muita antecedência e transparência, explicassem aos portugueses que se iriam gastar cinquenta ou cem milhões de euros na organização de um evento que traria de retorno trezentos milhões. Mais uma vez, os responsáveis não agem, apenas reagem, e obviamente que isto vem trazer desconfiança. (Esperemos que daqui a dois ou três anos não se venha a descobrir que alguém meteu dinheiro ao bolso com este negócio, num processo que naturalmente vai durar anos e acabar por prescrever). Tanta polémica levou a que os responsáveis se reunissem para tentar reduzir o valor do palco principal. No final, vangloriaram-se de diminuir a despesa de 4,2 milhões para 2,9 milhões, esquecendo-se de referir que o tamanho passou de 5 mil metros quadrados para pouco mais de 3 mil, fazendo com que o preço por metro quadrado aumentasse. (Podia aqui escrever uma piada sobre as competências matemáticas, mas por respeito aos Professores não o vou fazer, só nós sabemos até onde temos de descer para cumprir as metas de sucesso impostas). Esperemos que a imagem de simplicidade do Papa Francisco não fique manchada pela opulência da organização portuguesa, que ninguém lhe diga quanto tudo isto custou, certamente sentirá vergonha. E por falar em vergonha, José Sá Fernandes, o Coordenador do Projeto de preparação das Jornadas, nomeado pelo Governo, disse ter ficado surpreendido quando soube do valor para o altar-palco. É natural. Eu, e provavelmente muitos milhares de portugueses, também ficámos surpreendidos quando soubemos que a equipa de Sá Fernandes vai custar 530 mil euros em salários só em 2023, e já em 2022 custou um valor semelhante, e que Sá Fernandes ganha quase 5 mil euros brutos por mês. E mais surpreendente ainda, a equipa vai ser remunerada até ao final de 2024.  

(1) Retirado da nota de pesar do PAN apresentada na Assembleia Municipal de Lisboa.

Crónica publicada na edição 450 do Notícias de Coura, 28 de fevereiro de 2023.



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