terça-feira, 20 de julho de 2021

O Ministro azarado

O Ministro da Administração é definitivamente um homem azarado. Depois das tantas trapalhadas em que tem estado envolvido, vê-se agora embrulhado em mais um episódio lamentável, do qual obviamente não tem culpa direta mas que tardou a esclarecer.

No passado dia 18 de junho um trabalhador que fazia a manutenção da A6 foi atropelado mortalmente. No carro, que segundo algumas notícias circulava a mais de 200km/h, seguia o Ministro da Administração interna, Eduardo Cabrita. Antes de se remeter ao silêncio, a tutela afirmou que as obras na via não estavam sinalizadas, facto já negado pela concessionária da autoestrada, e por testemunhas no local. Nesta versão sou obrigado a acreditar, não me lembro de ter passado alguma vez por obras na autoestrada sem estarem sinalizadas. Depois, o acidente ocorreu na faixa da esquerda, numa estrada sem trânsito. Este facto não me admira muito, ainda se apanham muitos “artistas” na autoestrada que vão sempre na faixa da esquerda. Acredito que uma investigação séria ao acidente vai apurar todos estes dados, especialmente o da velocidade, basta analisar os dados do computador de bordo da viatura, e numa marca como a BMW aposto que até conseguem saber qual a música que vinham a ouvir no rádio. Outra das coisas estranhas que se ouviu na altura foi que o carro foi transportado depois por uma viatura da GNR, uma vez que o seguro do mesmo não cobria a assistência em viagem. Não vou duvidar, mas acho mal que as viaturas do Estado estejam tão desprotegidas. Começo a acreditar quando há uns anos ouvi dizer que as viaturas militares não têm seguro, e que se houver um acidente é o militar que vai a conduzir que acarreta com as responsabilidades e os custos. A ser verdade, é lamentável.

Mas o mais estranho ainda estava para vir. Então não é que dias mais tarde se vem a saber que a viatura ao serviço do Senhor Ministro pertence a um traficante de droga? Pelos vistos é normal o Estado poder utilizar as viaturas que estão apreendidas e à sua guarda, segundo a legislação com o propósito de não se deteriorarem por estarem paradas. Creio que esta história ainda vai dar muito que falar, é que entretanto o suposto dono da viatura, o tal traficante condenado por tráfico de droga, já veio exigir a devolução da viatura e a empresa proprietária da viatura também já veio afirmar que o leasing da viatura continua a ser pago todos os meses. Acresce ainda o facto de a viatura não estar em nome do traficante, mas sim em nome de uma empresa em que é sócia a sua sogra. Vai ser uma confusão, mesmo que venha a ser dada razão ao “senhor bandido”, quando lhe devolverem o carro ele já vai com uns milhares de quilómetros, e embora o Estado possa ser condenado a indemnizar pelos danos, o valor da viatura já fica comprometido, além de que, recurso atrás de recurso, isto pode-se estender uns anos, talvez o tempo do “senhor bandido” se tornar uma pessoa de bem. Embora não tenha nenhuma simpatia por bandidos, creio que este uso dos bens por parte do Estado, pode-se revelar nalguns casos uma grande injustiça.

Tudo isto daria para rir, tudo isto seria mais uma história cheia de trapalhadas, daquelas que “contadas, ninguém acredita”, mas não dá. No meio de tantas e tantas notícias sobre este caso, parece esquecer-se o mais importante e mais triste, morreu um homem, Nuno Santos, um homem que deixa mulher e duas filhas. Seja qual for o epílogo deste caso, para estas três pessoas a vida nunca mais será a mesma.

Crónica publicada na edição 413 do Notícias de Coura, 13 de julho de 2021.

terça-feira, 6 de julho de 2021

O espião russo

Desde sempre existiram espiões. A guerra fria foi um período fértil para a inspiração de dezenas de livros que se tornaram sucessos de vendas, muitos deles inspirando outros filmes famosos. Tratando-se quase sempre de romances de guerra, estes livros têm a sorte de ter imensas histórias reais onde se inspirarem, o escritor só precisa de ter a responsabilidade de fazer uma boa investigação e depois o talento de ficcionar uma história à volta da realidade. Da mesma forma que os humoristas se inspiram muitas vezes nas trapalhadas dos políticos para nos fazer rir, os escritores aproveitam estas trapalhadas para construir histórias dramáticas, que muitas vezes nos alertam para os perigosos tempos em que vivemos, e dos quais nem nos apercebemos absorvidos que estamos pelas redes sociais. E toda esta conversa porquê? Pela simples razão da Câmara Municipal de Lisboa ter contribuído para que, provavelmente dentro de alguns meses, saia para as bancas mais um livro de espionagem, com epicentro em Lisboa, mas onde a semelhança com a realidade será, obviamente, mera coincidência!

Em janeiro de 2021 realizou-se em Lisboa, em frente à Embaixada da Rússia, uma manifestação contra a detenção de Alexei Navalny, opositor de Putin. Para os mais distraídos, Navalny “atreveu-se” a ser opositor de Putin, estando na linha da frente nos protestos contra as fraudes eleitorais nas eleições parlamentares e presidenciais. Em agosto de 2020 foi internado num hospital após suspeita de envenenamento num ataque orquestrado pela agência russa de serviços de informação. Esteve internado e em coma durante dois dias na Rússia, sendo depois autorizado a ser transportado para um hospital alemão, onde recuperou e onde foi confirmado o envenenamento. Após recuperar voltou à Rússia e, obviamente foi detido. Ser opositor na Rússia é assinar o próprio atestado de óbito, deixando em branco apenas o espaço para a data. Voltando a Lisboa… fez-se a manifestação, como aliás em muitas outras cidades do mundo, e os serviços da Câmara Municipal enviaram os dados dos promotores para a embaixada da Rússia. Fernando Medina desculpou-se publicamente, dizendo tratar-se de um procedimento habitual nestes casos. Da embaixada da Rússia veio também uma declaração que a mim me parece ter um tom jocoso e ofensivo, só não o vou escrever não vá esta edição do Notícias de Coura parar às mãos de algum apoiante do Presidente Putin. Escreveram eles: “Os indivíduos não interessam nem à Embaixada em Lisboa, nem a Moscovo e que a "senhora ativista" que denunciou o caso "pode voltar tranquilamente para casa”. Eu no lugar dela tinha algum receio em voltar à Rússia.

Mais intoleráveis ainda foram as declarações do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que sobre este caso declarou ter já pedido à Rússia que apague as informações. Ou o Senhor Ministro está a brincar, ou está a fazer dos portugueses parvos. Vou acreditar que está a brincar, como daquela vez que comparou a concertação social com uma feira de gado, como quando chamou ao Diretor de Informação da TVI, o "ayatollah de Barcarena", ou até quando pediu a Cavaco para não condecorar José Sócrates, pois isso seria uma nódoa no currículo do Engenheiro! É de facto muito engraçado este Senhor Ministro.

Entretanto, Fernando Medina vem a terreno exultar a rapidez com que foi feita uma auditoria a estes procedimentos, concluiu-se que foram enviados dados pessoais em 52 manifestações junto a embaixadas. Afirma também que as regras para manifestações foram alteradas, o gabinete de apoio à presidência foi extinto e o funcionário exonerado. Foram exigidas responsabilidades políticas, mas obviamente que tanto Fernando Medina como o PS apelidaram tais declarações como sendo “aproveitamento político”. Sobre este assunto, repito a frase com que terminei a crónica anterior: “Política, honestidade, caráter e ética, parecem ser termos em rota de colisão, impossíveis de coexistir num mesmo espaço temporal.”

Crónica publicada na edição 412 do Notícias de Coura, 29 de junho de 2021.