terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O passageiro

Em junho deste ano um trabalhador de limpeza da autoestrada A6 foi colhido mortalmente pelo carro onde viajava o Sr. Ministro da Administração Interna. Seis meses volvidos, o seu motorista é acusado de homicídio por negligência. O carro seguia a 163 km/h pelo que, de acordo com a acusação, “o arguido conduzia em violação das regras de velocidade e circulação previstas no Código da Estrada e com “inobservância das precauções exigidas pela prudência”. Foi também apurado que o carro seguia pela via da esquerda, apesar da inexistência de trânsito. Acidentes acontecem, e que atire a primeira pedra quem nunca prevaricou. (Eu não atiro.) Toda esta situação não indignaria a opinião publica se a postura do Sr. Ministro não fosse tão arrogante e indigna.

Desde sempre o Sr. Ministro sacudiu as culpas, obviamente que ninguém o acusaria de homicídio, obviamente que em nenhum momento o Sr. Ministro, e muito menos o motorista, tiveram intenção de matar aquele pobre trabalhador. O que deve envergonhar o país é nunca ter existido um pedido de desculpas publico do Estado, nem sequer no funeral houve representação Estatal. Indesculpável foi também a postura do Sr. Ministro ao longo do tempo, só prestou declarações muito tempo depois, e apenas para afirmar que não viu sinalização na estrada que indicasse obras e que não deu indicações para acelerar. Acho incrível como é conseguia estar atento a olhar para a frente e não se ter apercebido da velocidade a que o carro seguia. Nem ele, nem nenhum dos ocupantes. Em determinada altura ainda se atreveu a culpar o trabalhador, de facto, o que é que ele estava a fazer na estrada? O que é que ele tinha ido fazer ao separador central?

Entretanto, e para não se pensar que isto dos carros dos ministros andarem a acelerar é coisa rara, dois canais de televisão apresentaram reportagens onde filmaram alguns Ministros a serem conduzidos a mais de 200km/h na autoestrada e até a mais de 160 km/h em estradas nacionais. E não seguiam em missão urgente. Confrontado com a situação, o Sr. Ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, assumiu a situação dizendo que já falou com o motorista e que tal nunca mais voltará a acontecer… mas não se coibiu de afirmar que “não era eu quem ia a conduzir.”

Mas aquele senhor (agora o “s” minúsculo é propositado) Ministro, Eduardo Cabrita, ainda conseguiu ter uma postura mais baixa e arrogante quando o motorista foi formalmente acusado. Questionado pelos jornalistas, disse num tom “raivoso” que ele “era apenas um passageiro”. Obviamente que depois disto, não havia outro caminho que não a demissão. Mas, se pensam que acaba aqui… não. Até no pedido de demissão conseguiu piorar. Vangloriou-se da sua postura no combate à pandemia, afirmou que desde 2017 não morreu nenhum civil nos incêndios rurais, e que se demite pois não pode permitir o aproveitamento político da situação, ou seja, demite-se para não prejudicar a imagem do seu partido, agora que vamos para eleições. Costuma-se dizer que mais vale tarde que nunca, mesmo sendo tarde demais, é caso para dizer: finalmente. A culpa não é só dele, por mais amizade que o Sr. 1.º Ministro lhe tivesse, já o devia ter demitido há muito… mas a teimosia de António Costa vence sempre.

Para terminar, permitam-me mais uma provocação… então a polícia sul-africana atreve-se a prender João Rendeiro e a publicar a sua fotografia em pijama? Ainda por cima, um pijama que é oferecido pela companhia de aviação Qatar Airways a quem viaja em 1.ª classe? Haja decência. Deixo as palavras que ouvi de Fernando Alves na TSF: “Não quero ver um homem de pijama contra a sua vontade. Ainda que seja um canalha.”

A todos os leitores, desejos de um feliz Natal e um ano de 2022… melhorzinho!

Crónica publicada na edição 423 do Notícias de Coura, 21 de dezembro de 2021.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Entrevista ao fugitivo

Começaram no passado dia 22 de novembro as transmissões televisivas da CNN Portugal, um novo canal de informação que substituiu a TVI24. CNN é uma marca de informação lançada há 40 anos nos Estados Unidos e uma referência mundial no jornalismo. Em Portugal o canal resolveu incluir na programação do primeiro dia de emissão, uma entrevista a João Rendeiro! (Este ponto de exclamação significa que quase pensei estar a ver a CMTV).

João Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português (BPP) tem no seu currículo 3 condenações recentes: 10 anos de prisão efetiva por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais; 5 anos e 8 meses de prisão efetiva por falsidade informática e falsificação de documento e 3 anos e 6 meses de prisão efetiva por burla qualificada. Apesar de tudo isto, João Rendeiro informou no verão a justiça que ia passar uns dias a Londres e que regressaria no dia 30 de setembro. Sabe-se agora que não pretende voltar, a menos que, segundo palavras do próprio, seja ilibado dos crimes ou lhe seja concedido um indulto por parte do Presidente da República.

Através de uma nota do Conselho Superior de Magistratura, a juíza que presidiu ao coletivo que julgou João Rendeiro afirmou que não houve “qualquer informação da qual pudesse antever-se um concreto perigo de fuga”. O próprio João Rendeiro afirmou que quando viajou para Londres não tinha planeado a fuga. No entanto, sabe-se agora que passou uma procuração forense ao seu advogado, Carlos do Paulo, com data de 25 de agosto, onde lhe concede poderes de representação jurídica em qualquer processo de extradição. Curioso…

Entretanto, soube-se também há dias, que as 124 obras de arte arrestadas pela justiça a João Rendeiro não estavam à guarda do Estado, as obras continuavam em sua casa à guarda da sua esposa, que tinha sido nomeada fiel depositária das mesmas. Estranhamente, parece que desapareceram 15 obras de arte e suspeita-se da autenticidade de pelo menos 3 delas. Só agora as obras de arte foram transportadas para as instalações da Polícia Judiciária (PJ). Estas obras, pinturas e esculturas, foram apreendidas há 10 anos para servirem de indemnização aos lesados do BPP. Três destas obras foram vendidas pela leiloeira Christie’s entre março e outubro de 2021, rendendo a João Rendeiro 229 mil euros. A esposa, incorre agora no crime de descaminho de coisa pública. Todos estes factos parecem retirados do argumento de um filme italiano mafioso, no meio de tanta vigarice e estratagema, a esposa arrisca-se a ser a única a ir parar atrás das grades. É mais um triste exemplo da justiça em Portugal.

A PJ encontra-se a analisar o vídeo da entrevista em busca de pistas que ajudem a localizar João Rendeiro. Pelo aspeto dos cortinados deve estar na casa de alguma Tia-Avó. Alguém já se lembro que as autoridades portuguesas têm ao seu serviço outro “condenado”, o hacker Rui Pinto? Coloquem o rapaz nos computadores da CNN e ele descobre a localização do ex-banqueiro em três tempos!

Numa coisa João Rendeiro é capaz de ter razão, quando diz “Como nunca paguei nada a ninguém e não tenho segredos de Estado, sou um poderoso fraco”, lembrando um outro ex-banqueiro que segue a sua vida tranquila em Lisboa, Ricardo Salgado. Afirma também que a justiça portuguesa tem dois pesos e duas medidas e justifica-o pelo facto de Ricardo Salgado ser “uma pessoa que tem muita informação sobre operações delicadas e intervenientes também complexos.”

Na minha mordaz forma de ironizar com tudo isto apetece-me dizer-lhe: - Esqueça-se de tudo. Já pensou em tentar safar-se alegando esquecimento?

É uma pena as centenas de pessoas que foram lesados pelas vigarices destes ex-banqueiros não possam também esquecer-se. É uma pena os portugueses não se poderem esquecer que estão há anos a pagar as vigarices de alguns bancos portugueses.

Crónica publicada na edição 422 do Notícias de Coura, 7 de dezembro de 2021.