terça-feira, 23 de abril de 2013

D. Dinis em Linhares

Se no último artigo recuei 650 anos e recordei convosco as aventuras de amor de D. Pedro e D.ª Inês de Castro, desta vez vou ainda mais longe, numa longa cruzada até ao ano de 1279.
Com apenas 17 anos, subia ao trono do nosso reino D. Dinis. Dele todos se lembram do cognome “o lavrador”, e pelo mito de ter mandado plantar o pinhal de Leiria. A verdade é que este começou a ser semeado no reinado de D. Afonso III, seu pai. D. Dinis, teve o mérito de intensificar a sua expansão, contribuindo decisivamente para a importância deste pinhal, não só como uma barreira contra o avanço das areias, protegendo assim as terras agrícolas, como também sendo fonte de madeiras para a construção das embarcações que proporcionaram os descobrimentos marítimos portugueses.
Mas seria injusto recordá-lo apenas por isto. Foi um dos principais responsáveis pela criação da identidade nacional, instituiu a língua portuguesa como língua oficial da corte e criou a 1.ª universidade portuguesa, libertou as ordens militares, fundou a marinha portuguesa e tomou importantes medidas que visavam o desenvolvimento económico, redistribuiu terras, promoveu a agricultura e fundou várias comunidades rurais, assim como inúmeros mercados e feiras. Um último facto curioso, pensa-se ter sido o primeiro monarca português alfabetizado.
D. Dinis é ainda hoje reconhecido como um homem de elevada capacidade governativa, tendo sido percursor de uma política proativa, não tomando as decisões ao acaso, nem reagindo às necessidades do momento. A sua ligação à terra visava a construção de sólidos alicerces para as gerações futuras.
A razão desta estranha viagem ao reinado de D. Dinis é fácil de adivinhar para os leitores, e muitos já estão decerto a ver semelhanças entre estes tempos, e os tempos que se vivem na freguesia de Linhares.
Nunca será demais escrever sobre as iniciativas, verdadeiramente inovadoras que nos últimos anos têm sido tomadas pelos responsáveis autárquicos desta freguesia. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi falar delas, nomeadamente da distribuição de pintainhos pelos habitantes. Muita gente se riu é claro, a iniciativa era engraçada e nunca se tinha ouvido falar em tal coisa. Se calhar, também eu me ri, mas fiquei atento e fui lendo nos jornais e nos blogues o que se passava nesta freguesia tão particular. O trabalho era afinal muito simples: as receitas da junta de freguesia que provinham da exploração dos baldios, quer de rendas, quer da venda de madeiras, em vez de serem gastas em obras da junta, eram redistribuídas pela população, regressavam diretamente à terra, promovendo dessa forma o desenvolvimento rural e travando o abandono da aldeia. Que coisa tão simples, pensaram de certeza muitos, mas procuram-se exemplos semelhantes por este país, e eles escasseiam.
Depois das sementes, vieram os pintainhos e há pouco tempo, os porcos. É claro que existe uma contrapartida, para receber este incentivo é necessário semear um campo de milho. A falta de equipamentos agrícolas também não é desculpa, uma vez que a freguesia dispõe de um trator comunitário que cada família pode usar. Parece que pensaram em tudo!
Mas então, nesta freguesia só se preocupam com a agricultura e com a pecuária? A resposta volta a surpreender: Não.
Nesta freguesia, os habitantes com mais de 65 anos recebem, todos os anos, um carregamento de lenha para garantir o aquecimento da casa. Os alunos são apoiados financeiramente com a aquisição de material escolar e com a existência de um centro de explicações gratuito, dois sábados por mês, com professores que ajudam os alunos a estudar, especialmente português e matemática. A sede da junta transforma-se também em consultório médico uma vez por mês, onde um médico e uma enfermeira prestam serviços de despiste e prevenção de doenças.
Não é preciso muito mais para se conseguirem vislumbrar as semelhanças entre D. Dinis e o Sr. Amândio Pinto, presidente da Junta de Freguesia de Linhares. Ambos mostram uma forte ligação à terra, uma preocupação em criar alicerces sólidos para as gerações futuras, uma assinalável capacidade governativa, em prol do povo e da terra.
Como é natural, volto a questionar: - Será isto assim tão difícil de fazer?
Se a resposta é Não, qual a razão de não existirem mais exemplos destes no país?

Fontes consultadas: página web da região de turismo Leiria – Fátima e página web do Jornal Público de 15/01/2013)

Crónica publicada na edição 225 do Notícias de Coura, 16 de abril de 2014.