segunda-feira, 31 de julho de 2023

Vaga de calor.

A Europa está a enfrentar uma intensa vaga de calor. A Organização Meteorológica Mundial anunciou que este ano podem ser ultrapassados os 48,8 graus centígrados atingidos na Sicília em 2021. Para já, Portugal está a passar um bocadinho ao lado desta vaga, o que é uma boa notícia, especialmente para os bombeiros que todos os anos sofrem imenso com os incêndios. Ainda assim, não faltam casos e casinhos que aquecem a vida dos portugueses e dão motivos para aquecer as conversas de café!

Política: Fomos surpreendidos na semana passada com a imagem de Rui Rio, ex-líder do PSD, na varanda de sua casa a dizer aos jornalistas que agora é que iam descobrir todos os crimes que tinha cometido. O Ministério Público procedia a buscas relacionadas com a utilização do dinheiro que o partido recebe para financiar a sua atividade parlamentar. Pinto Moreira, atual deputado do PSD, recusa-se a abandonar o seu lugar na Assembleia da República mesmo já não tendo a confiança política do partido. Foi acusado por corrupção e tráfico de influências. “Por cada démarche que faça quero 25 mil euros.”, foi a escuta que o tramou, e era assim que o deputado mexia os cordelinhos para aprovar alguns projetos imobiliários. Como percebo muito pouco de francês até imaginei, por momentos, que fosse alguma ação de caridade ou beneficência, mas depois pensei: “Ui, isto vindo de um político não deve ser coisa boa, os políticos são quase todos iguais!” Estas notícias vieram dar imenso jeito ao governo, não pelo seu conteúdo, mas pela altura em que aconteceram. É que dias antes, o governo tinha sofrido mais uma baixa, António Costa tinha recebido de Marco Capitão Ferreira, Secretário de Estado da Defesa, uma mensagem de telemóvel que, num país normal, seria grave: “Sou arguido por corrupção, tenho de me demitir.” Corrupção no Ministério de Defesa? Onde é que isto irá parar!?

Educação: Podia falar da falta de Professores e nas medidas de remediação que o Ministério da Educação tomou para as minimizar, mas não o vou fazer, até porque no meu tempo de estudante, fartei-me de ter Professores sem habilitação, e muitos deles foram bem melhores que outros que tinham as competências todas, aliás, muitos deles eram bem mais profissionais naquela altura que muitos dos que tenho conhecido ao longo desta vida de Professor. Podia falar dos resultados dos exames e das provas nacionais, mas ia voltar ao mesmo, a matemática continua a ter resultados desastrosos e culpa-se o português e as dificuldades de interpretação dos alunos. Atualmente as escolas vivem preocupadas com as aprendizagens significativas e o ensino centrado no aluno e nos seus interesses. Saber ler, escrever e contar eram as competências básicas do ensino no tempo dos nossos avós e dos nossos pais, e até do nosso tempo (pessoas com meio século de vida). Ainda me lembro das cartas que a minha avó escrevia, só tinha a quarta classe, mas não dava erros ortográficos daqueles que hoje se encontram nos exames nacionais. Podia falar de tantas outras coisas…

Desporto: A pré-época futebolística está muito pobrezinha, os únicos que têm dinheiro à farta são os árabes que podem comprar os jogadores que quiserem, se o dinheiro faltar faz-se mais um buraco no jardim e vendem-se mais uns litros de petróleo! João Félix continua sem clube, Cristiano Ronaldo está quase a comprar o grupo Cofina, que integra o Correio da Manhã e a CMTV, Lionel Messi (esse jogador cheio de títulos individuais), foi jogar para o Inter de Miami, equipa americana que está em último lugar no seu campeonato. Em termos desportivos a única coisa interessante neste verão é mesmo a Volta a França em bicicleta.
 
Jornadas Mundiais da Juventude: É sem dúvida o maior evento jamais realizado no nosso país. Ninguém sabe se estarão por Lisboa um, ou dois ou três milhões de pessoas. Se não se viver um caos, é mais uma prova de que os milagres existem e que existem forças superiores atentas. Gostava imenso de ver o Papa Francisco, mas ainda não sei se cometerei a loucura de atravessar o rio.


Crónica publicada na edição 460 do Notícias de Coura, 25 de julho de 2023.

terça-feira, 18 de julho de 2023

França e Pedrógão a arder.

França volta a estar na ordem do dia pelos piores motivos. Um jovem de dezassete anos foi morto pela polícia depois de ter fugido a uma operação stop por não ter documentos, em Nanterre, nos arredores de Paris. O polícia já foi preso e mostrou-se arrependido, mas nada disso travou uma onda de indignação e revolta que se alastrou pelo país. Já foram presas mais de mil pessoas, a sua maioria jovens com menos de 18 anos, mais de mil veículos foram incendiados, centenas de edifícios danificados, lojas pilhadas e milhares de incêndios na via pública. A casa do presidente da Câmara Municipal de L’Haÿ-les-Roses, foi invadida e vandalizada, vários polícias já ficaram feridos nos confrontos e um bombeiro morreu no combate a um incêndio ateado num parque de estacionamento. É um país em estado de sítio. Nahel, o jovem morto pela polícia, vivia com a mãe na periferia de Paris, onde abunda a pobreza e a exclusão social. A morte de Nahel foi o detonador que fez explodir o vandalismo. Por mais que nos indigne a morte deste jovem, a motivação destes milhares de manifestantes é apenas destruir e roubar. Assiste-se em direto à impotência da polícia em deter estes bandos organizados de criminosos, enquanto uns se deslocam para um lado para atrair a atenção da polícia, outros grupos destroem e roubam em pontos opostos. Assaltam-se lojas de telemóveis e computadores, lojas de roupa e calçado de luxo, e partilha-se tudo nas redes sociais. Os bandidos registam as suas conquistas. E ao mesmo tempo que roubam o “grande capital”, destroem e vandalizam edifícios públicos, esquadras, escolas, mercados. A extrema-direita francesa denuncia uma guerra de civilizações, num país aberto ao mundo, mas que se tem mostrado incapaz de responder à crescente segregação social e discriminação que se instalou na periferia das grandes cidades. Estes sinais em França são mais do que preocupantes, são assustadores. França é um terreno fértil para este tipo de incêndios, incêndios que podem alastrar a outros países europeus. Ouvi há dias uma amiga dizer: “França já não é o país para onde os meus avós emigraram para trabalhar, naquele tempo os emigrantes fugiam de Portugal para trabalhar, e ajudaram a França a prosperar.” Os emigrantes portugueses das décadas de setenta e oitenta “comeram o pão que o diabo amassou”, mas serão sempre um exemplo daquilo que a emigração devia ser, a procura de melhores condições de vida, de mais dinheiro, em troca de trabalho honesto. Custa-me escrever isto, se calhar estou a ser influenciado pelo discurso radical da extrema-direita quando fala em controlar as fronteiras. Só espero que nada de parecido aconteça no meu país.

Em Portugal ainda não começaram os já habituais incêndios de verão. Pelo menos à data em que escrevo esta crónica e em que o país atravessa uma vaga de calor insuportável, num fim-de-semana em que tive a triste ideia de ir passear até ao Alentejo. Outro incêndio me indigna, o de Pedrógão. E não é o incêndio de 2017 que matou 66 pessoas. Foi aberto há dias, sem qualquer cerimónia pública, o memorial às vítimas dos incêndios florestais de 2017. E assim devia ter ficado. Não havia nenhuma necessidade de dias depois alguns membros do governo e o Presidente da República lá terem estado. Não conseguem desta forma esconder o sentimento de culpa que têm de ter, por terem esquecido rapidamente as terras e as gentes de Pedrógão. O que sobrou de Pedrógão foi a vergonha de dezenas de casos suspeitos de gente que se aproveitou para ver casas reconstruídas, casas onde nunca morou e onde os incêndios apenas queimaram paredes velhas. Pedrógão foi esquecido e segundo especialistas, está em ponto de combustão, tal como outras zonas do país. Ordenar o território e a floresta continuam a ser palavras de circunstância. Como dizia uma das personagens interpretadas pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, “Eles falam, falam, falam, falam, falam, mas eu não os vejo a fazer nada.”


Crónica publicada na edição 459 do Notícias de Coura, 11 de julho de 2023.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Racismo ou provocação?

Escolher a cidade da Régua para as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades foi uma excelente escolha, mas mais um exemplo de uma escolha “para Inglês ver”, por vezes lembram-se de fazer estas comemorações no interior do país, mas depressa se esquecem, por muitos e muitos meses. Gosto imenso da cidade da Régua, lembro-me de ver as águas do Douro inundar a marginal no Inverno e de passar lá nas tardes de calor tórrido de Verão, quando tinha um carro sem ar condicionado. Passei na Régua durante vários meses, quando era professor em Mesão Frio e morava em Montalegre, cruzava o distrito de Vila Real diariamente, 300 km por dia, 5 dias por semana, 50.000 km num ano letivo duro, mas dos mais gratificantes profissionalmente. Hoje era incapaz de tal façanha… a idade tem destas coisas!

Voltemos então ao 10 de junho e à justificação do título desta crónica.

António Costa indignou-se com alguns cartazes que estranhamente só agora viu. Os cartazes onde o 1.º Ministro aparecia com lápis espetados nos olhos e um nariz de porco já não são novos. Podemos discutir o bom gosto dos mesmos, mas cartoons são isso mesmo, exagerar e ridicularizar. António Costa, visivelmente chateado, apelidou os cartazes de racistas. Já fiz uma recolha de algumas das dezenas de significados da palavra racismo e ainda não consegui perceber onde é que o Sr. 1.º Ministro vê racismo: que representem uma atitude hostil em relação a ele ou ao governo até aceito, agora que isso seja com base na sua origem étnica ou racial é que me parece patético. O descontentamento é com as políticas e com o reconhecimento, não com a raça ou etnia dos governantes. Obviamente que nestas coisas há sempre quem ofenda, mas não são as árvores isoladas que fazem a floresta! E por falar em floresta, eis que, curiosamente, o Sr. Presidente da República fala no seu discurso da necessidade de “cortar ramos mortos que atingem a árvore toda.” Tenho esta imagem bem presente na figueira centenária que existia na quinta dos meus Pais em Trás-os-Montes. A minha mãe, teimosa, nunca nos deixou podar devidamente aquela figueira gigante, era a última árvore viva e que tinha sido plantada pelo meu avô, e ela achava que se fosse demasiado limpa podia secar. Acabou por morrer no ano passado, os ramos velhos e mortos deram cabo dela. Vejo naquela árvore António Costa, teimoso como só ele sabe ser, insiste em manter alguns ramos velhos e mortos, corre o risco sério de fazer secar a árvore.

Não acredito que tudo isto tenha sido um mero acaso, um mero descuido da comitiva ao passar pelo meio dos manifestantes. Foi uma jogada do 1.º Ministro em fazer-se passar por vítima de alguns professores mal-educados. E se calhar até resultou. Os comentadores andaram dias a opinar sobre se os cartazes eram ou não racistas. Momentos antes, e quando o povo apupava o Ministro João Galamba, uma corneta do exército ou da marinha começava a tocar! Por duas vezes as cornetas se sobrepuseram ao som dos apupos. Acham mesmo que foi uma coincidência?

Ver o Ministro João Galamba nas cerimónias oficiais foi uma óbvia provocação de António Costa ao Presidente da República. António Costa continua a mostrar-se um político difícil de bater, continua a surpreender, mas as jogadas já foram mais limpas. Está a entrar no jogo da oposição, da pior oposição que se possa imaginar, e isso é assustador. O Estado tem os cofres cheios, défice quase zero, crescimento económico muito positivo… de que está à espera António Costa para fazer bem ao povo? Ao menos que injetasse no povo tantos milhões quantos injetou na TAP. Ou será que o POVO não é estratégico para a economia, para o desenvolvimento do país e para a coesão territorial?


Crónica publicada na edição 458 do Notícias de Coura, 27 de junho de 2023.