terça-feira, 27 de novembro de 2012

A velhice

Terminei o meu artigo anterior lançando a promessa de me dedicar a um de dois temas, mas consciente que a vontade de escrever sobre a velhice, me levaria a debruçar-me sobre este: A velhice: espero não me ter lembrado de ti tarde demais. Desta vez, o espaço que a sombra das minhas palavras vai deixar, estará cheio de luz, é minha intenção, que após esta leitura, todos pensem no tema, por pouco tempo que seja, mas que pensem.
Fruto de obrigações profissionais, tenho passado algumas horas a ler textos sobre psicologia da velhice. Mais importante que as teorias explicativas do envelhecimento, bem como das mudanças físicas e psicológicas que o mesmo provoca, tenho dedicado uma especial atenção à forma como a nossa sociedade encara o envelhecimento e os problemas daí resultantes. É com preocupação que devemos olhar para as notícias, que quase diariamente invadem os noticiários e provam que vivemos numa sociedade que tende a depreciar e até a marginalizar a velhice. Parece quase inacreditável que em pleno século XXI, num apogeu permanente de evolução e desenvolvimento tecnológico, se vejam, especialmente nos grandes centros urbanos, velhos desamparados, relegados ao esquecimento, nas ruas, nos hospitais, nas suas próprias casas. No passado mês de outubro foi encontrado em França, um homem morto em casa, há 15 anos. - Como é possível, alguém estar desaparecido há 15 anos, sem que ninguém tivesse denunciado o seu desaparecimento? – Quem ousa chamar desenvolvido a um país, a um mundo, onde isto acontece?
Sabemos que vivemos num país cada vez mais envelhecido, o aumento da esperança média de vida e o aumento sucessivo da idade de reforma, aliado à necessidade imperiosa de ambos os elementos do casal trabalharem, mudou muito do conceito tradicional de família e de obrigações familiares. Antigamente, os avós cuidavam dos netos enquanto os pais trabalhavam, quando os avós chegavam ao fim da vida, eram tratados pelos filhos até ao final dos seus dias. Hoje, os pais trabalham, os avós também, os filhos acabam por passar muito tempo afastados da família, e no fim da vida, quantas vezes os filhos não têm possibilidade de cuidar dos seus pais até à morte. Temos o direito de exigir ao nosso país que sejam criadas condições para a dignificação da vida humana até ao fim, mas devemos começar por exigir a nós mesmos, uma mudança de comportamentos, temos de ser nós os primeiros a lutar por essa dignificação e respeito. Afinal, se a nossa geração anterior não tivesse existido, nós não estávamos cá. Penitencio-me de forma sincera, por que também eu, como tanta gente, perdi tantas vezes a paciência em situações banais e no fundo insignificantes. Acredito que ainda vou a tempo, acredito que todos vamos a tempo de mudar. Para o ilustrar, não resisto a partilhar com os leitores, aquilo que há dias me aconteceu.
Fui à estação dos correios despachar uma encomenda. Estava com alguma pressa, faltavam pouco mais de 15 minutos para o início de uma reunião e não queria de forma nenhuma chegar atrasado. Esperava bem que não estivesse lá ninguém, para ser logo atendido e ir-me embora. Mas estava. À minha frente estava um velhinho[1], tinha acabado de pagar uma fatura, e guardava de forma vagarosa os trocos dentro do envelope. A funcionária perguntava-lhe se não queria comprar um bilhete da lotaria, para o Natal, talvez tivesse sorte desta vez. Ele sorriu, dizendo que no ano passado tinha comprado um e não lhe tinha saído nada. Ela, cumprindo talvez uma obrigação comercial, lá lhe foi dizendo os números que ainda tinha disponíveis, é claro que quando acabou, o velhinho riu, dizendo-lhe: - diga lá, quais os números! É claro que a funcionária lhos repetiu, e quando chegou ao último, ele respondeu: - pode ser esse. Quem sabe, nem sequer ouviu os outros, talvez a memória já estivesse cansada e aquilo que ele queria mesmo ouvir era uma voz, que lhe fizesse companhia, falando com ele, que importava o número em que o bilhete terminava. Enquanto pagou o bilhete, e o guardou na carteira, despediu-se alegremente, por entre palavras de desejo de sorte no novo sorteio e de despedida até ao próximo mês, quando provavelmente viria novamente até à estação dos correios pagar a conta da eletricidade. Chegou a minha vez de ser atendido, talvez tivessem passado 4 ou 5 minutos desde que entrei. Pensei no velhinho que, se calhar, só daqui a um mês voltaria a sair da sua casa, da solidão da sua pequena aldeia, do seu pequeno mundo…
- Que importância têm afinal 4 ou 5 minutos de espera, perante aqueles que levam mais de 80 anos de vida, esperando um final que todos temos como certo?
Se aquela espera se tem prolongado pela tarde inteira, nada daquilo que pudesse perder da minha vida se compararia à alegria e satisfação daquele velhinho, por falar com outras pessoas, por partilhar as suas angústias, por sentir-se vivo entre nós.
 Se daqui a 40 anos o velhinho for eu, perdoem-me a demora com que guardarei os trocos na minha carteira, perdoem-me se as minhas palavras nenhum interesse vos suscitarem. Lembrem-se que aqueles que agora são velhos, já foram um dia crianças, e é essa a memória que todos devemos preservar, na esperança de um dia, lá chegarmos…

[1] Utilizo a palavra “velhinho”, no mais profundo respeito e carinho que os idosos me merecem.

Crónica publicada na edição 217 do Notícias de Coura, 20 de novembro de 2012.