terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A prova

Não poderia deixar de aproveitar esta oportunidade para me debruçar sobre um dos assuntos do momento: a prova de avaliação dos professores.
Desta vez, ao contrário do que normalmente faço, não consigo escrever de forma isenta e independente, pois como provavelmente todos os leitores destas crónicas sabem, sou professor, e como me orgulho muito da minha profissão, jamais deixaria de a defender.
Em primeiro lugar começo por questionar a insensatez com que muita gente da sociedade civil* costuma falar de educação, dos professores e da sua avaliação. Costumam eles dizer:
-Mas qual é o receio que os professores têm da avaliação? – Mas porque razão não querem ser avaliados? – Em todas as profissões as pessoas são avaliadas!
Pois bem, acreditem que os professores não têm medo nenhum da avaliação! Desde que ela seja minimamente séria. Para mim, e de certeza que para a maior parte dos meus colegas, o medo que temos da avaliação está patente na porta das nossas salas de aula, elas nunca são trancadas, apareçam quando quiseram e venham ver o que estamos a fazer! Mas cuidado, batam antes de entrar, não façam muito barulho e não perturbem aqueles que são por certo os nossos melhores avaliadores: os alunos.
Em todas as profissões as pessoas são avaliadas, acredito, mas digam-me lá em quantas é que se obriga os profissionais a repetir todos os anos um exame de acesso às mesmas?! Quantas vezes é que um motorista faz exame de código e condução? Quantas vezes é um advogado faz o exame nacional de avaliação e agregação?
Dito isto, chega a hora de atacar com todas as minhas forças, a dita prova de avaliação dos docentes.
Para começar, sinto-me muito feliz por não ser obrigado a realizá-la (pelo menos para já!), pois vou poupar cerca de 75€, entre taxas de inscrição e pedidos de consulta e reapreciação. Numa altura de crise orçamental, e com os cortes brutais que janeiro nos vai trazer, esta poupança é bem agradável. O mesmo já não podem dizer os cerca de 40000 professores contratados que não escapam à mesma. Visto noutro plano, isto parece-me uma extraordinária fonte de receitas, mas obviamente que tal ideia nunca passou pela cabeça dos teóricos criativos desta prova, não sejamos maldosos.
Depois, justifica-se a realização desta prova com a necessidade de garantir a qualidade dos docentes nas escolas. Estou de acordo, tão de acordo que até me atrevo a ir mais longe. Imagine-se que há um professor contratado que vai fazer a prova e, azar dos azares, tem nota negativa. Vamos analisar bem o passado deste professor. Tem duas licenciaturas, um mestrado, mais de dez anos de serviço, avaliações de desempenho de muito bom e excelente nos últimos anos. Há que questionar tudo isto, vamos ter de levar à justiça toda esta gente que avaliou este professor, há que investigar as universidades que o formaram, e já agora, quem é que certificou estas instituições?!
Voltando à prova, que chega às bancas no dia 18 de dezembro, o Ministério da Educação e Ciência já publicou alguns exemplos ilustrativos do tipo de itens que a mesma poderá conter. Fiquei maravilhado com o grau de exigência, especialmente da questão em que o professor terá de elaborar cálculos complicadíssimos, para saber se deve comprar uma máquina fotográfica na loja X, que custa 120€ + 10%, ou na loja Y, que custa 180€, mas tem um desconto de 30%. Conseguido isto, qualquer um está habilitado a ser professor.
Para terminar, estou absolutamente de acordo que na dita prova se descontem os erros de ortografia, morfologia e sintaxe. Já quanto às rígidas normas de pontuação, sou da opinião do escritor Valter Hugo Mãe: “A escrita convencional deita mão de tantos sinais que nos obriga a marcar uma distância permanente entre o que somos e o que o texto é.”

* Quando me refiro à sociedade civil, falo daqueles que, nada sabendo sobre a profissão docente e sobre o funcionamento das escolas, se acham no direito de tecer considerações baratas e sem fundamento. Os jornais estão cheios deste tipo de comentadores, e a blogosfera então, é o espaço de ataque primordial desta gente. Mas como eu lhes costumo dizer: - Se acham que ser professor é tão bom, porque se ganha muito e trabalha pouco, porque razão não apostam nesta carreira?! Já agora, ser professor é muito bom, muito bom mesmo, mas não é por nenhuma destas razões.

Crónica publicada na edição 239 do Notícias de Coura, 10 de dezembro de 2013.