terça-feira, 1 de abril de 2014

A alegoria do mural

Numa tentativa desesperada de arranjar um assunto para esta crónica, servi-me do meu mural do facebook para pedir ajuda. Como sabem (todos os que têm facebook), é muito mais fácil colocar um gosto (Like) do que efetivamente comentar, pelo que tive mais pessoas a gostar do meu pedido, do que pessoas a ajudarem-me. Curiosamente, os que gostaram, nenhum comentou. Bela ajuda que me deram! Belos amigos!
Ainda assim, entre as sugestões de escrever sobre a dança do treinador do Benfica em Londres e a liberdade de voto que alguns deputados resolveram não exercer na votação sobre a coadoção, fiquei pensativo quando alguém escreveu: “Pode-se sempre falar sobre a falta de ideias por causa do excesso de informação, a cegueira humana da actualidade.[1]
Estas palavras fizeram saltar em mim uma estranha sensação de dependência e de prisão, e quase de arrependimento por na última edição destas crónicas ter escrito que não me queria sujeitar ao tratamento de estar dependente (viciado) na internet.
A falta de inspiração é muitas vezes fruto da imensidão de assuntos que nos preenche os dias. Hoje temos acesso a tudo, em tempo real sabemos o tempo, vemos as notícias acontecer, nem nos preocupamos muito em fixar datas, locais, curiosidades ou até nomes de pessoas, em menos de dez segundos abrimos a internet, fazemos uma pesquisa e temos as respostas.
Tudo isto me fez lembrar a alegoria da caverna de Platão. Nela, o autor desafia-nos a imaginar um grupo de homens, presos numa caverna, onde nasceram e de onde nunca saíram. Estão de costas para a entrada e forçados a olhar sempre para a parede do fundo dessa caverna, onde são projetadas as sombras da vida real, dos homens que vivem fora da mesma. Para eles, a realidade são as sombras. Platão incita-nos então a imaginar que um desses homens se liberta, sai da caverna e, é confrontado com a realidade. Afinal as sombras são homens como eles, e existe todo um mundo a ser descoberto. E se este homem voltasse à caverna? Qual seria a reação dos seus companheiros? Acreditariam nele? Deixariam que ele destruísse a ideia que eles tinham do mundo?
É neste momento fácil perceber a razão da escolha do título desta crónica.
O facebook é hoje em dia, sem dúvida, o diário de vida de muitos de nós, regista o que fazemos, o que comemos, com quem estamos, onde fomos e tudo aquilo em que pensamos.
Nos dias de hoje é muito fácil imaginar um grupo de homens, nascidos e criados em plena era digital, presos desde sempre a uma cadeira e olhando para o monitor de um computador. Para eles é aquela a realidade.
Quando um destes homens se libertar, não vai por certo sentir tantas diferenças como o homem da caverna de Platão. Afinal, a Internet mostra-nos o mundo tal como ele é, até tem a vantagem de nos mostrar coisas, que sem a qual provavelmente nunca teríamos oportunidade de ver. A diferença está no esforço com que chegamos às mesmas, e nas memórias que ficam desse esforço, das experiências vividas, das emoções sentidas, dos minutos ou horas até o conseguirmos.
Fica aqui o desafio: se precisarem de uma fotografia do mar ou do pôr-do-sol, não vão à Internet, saiam de casa. Se o professor de geografia vos mandar fazer uma pesquisa sobre o Caminho de Santiago, visitem a exposição que está patente no Centro Cultural de Paredes de Coura. Se a professora de português vos falar do escritor Aquilino Ribeiro, visitem a biblioteca com o seu nome. Se o professor de pintura vos desafiar a colorir uma paisagem, vão dar um passeio até à praia do taboão ou até à paisagem protegida de corno-de-bico. Se o professor de TIC vos mandar fazer um trabalho qualquer utilizando as tecnologias de informação e comunicação, desafiem-no a ler esta crónica antes!


* Estava quase a terminar esta crónica quando a Sandra Santos decidiu gostar do meu pedido de ajuda e comentar essa minha publicação. Portanto, quando nas próximas crónicas eu escrever sobre a crise de valores que grassa por este mundo, as pessoas que se dedicam a ajudar animais e à luta contra o cancro, entregando-se de coração sem nada pedir em troca, ou se eu deambular pelos temas da fotografia e do teatro, já sabem de quem foi a ideia.


[1] Sugestão da Sandra Araújo.

Crónica publicada na edição 245 do Notícias de Coura, 25 de março de 2014.