terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Está na hora de desligar a televisão.

Na tarde em que escrevo esta crónica, o país espera em frente à televisão, num qualquer canal noticioso, a medida de coação que vai ser aplicada ao ex 1.º ministro José Sócrates. Desde sexta-feira à noite que nada mais é noticiado. Os canais de televisão multiplicam-se em reportagens, convidam mil e um comentadores, aprofundam outros tantos debates, só falta fazerem inquéritos e passatempos através das linhas de valor acrescentado. Os jornais fazem capas negras, editam suplementos, elaboram frisos cronológicos e até fazem mapas com os trajetos de José Sócrates desde o momento em que saiu do avião, vindo de Paris. 
Entre as dezenas de curiosidades que têm vindo a público, e as centenas que certamente virão nos próximos tempos, é engraçado saber que, segundo declarações do mesmo, José Sócrates pediu um empréstimo para ir estudar para Paris, e escolheu uma casa de quase 3 milhoes de euros. Não admira, Paris é a 2.ª cidade mais cara do mundo, segundo o site TripAdvisor. Depois, e como o segredo de justiça é coisa que parece não existir, ficamos a saber que há escutas que comprovam que o motorista de José Sócrates ia periodicamente de automóvel a Paris entregar dinheiro vivo. Isto é o exemplo claro de quem não confia nas tecnologias, ou então quer poupar os 52 cêntimos que alguns bancos cobram pelas transferências online! 
No meio deste turbilhão de notícias, o jornal Público avança com um artigo sobre o advogado de defesa, João Araújo, classificando-o como “um especialista de excelência e com um estilo gozão”. Isto foi bem visível quando cercado de jornalistas lhes pediu para o ajudarem a encontrar o carro, e para não o filmarem enquanto entrava, afirmando que ficava ridículo, pois era gordo e o seu smart pequenino! Sobre as declarações, no primeiro dia disse que eventualmente faria uma declaração, no dia seguinte afirmou que certamente faria uma declaração, um interessante jogo de palavras, digno de um advogado da “velha guarda”, que já na primeira noite tinha pedido aos jornalistas para o deixarem, pois precisava de “sopas e descanso”. 
Entretanto, o atual 1.º ministro, Pedro Passos Coelho, sem querer comentar diretamente o assunto, deixando a justiça longe da política, não resistiu a deixar uma pequena farpa, afirmando que “os políticos não são todos iguais”. Ainda bem que assim é, penso eu. Quase me apetece deambular pela obra de George Orwell, “O triunfo dos porcos”, uma sátira política que narra uma história de corrupção e traição, e que recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas. Desta obra, muitos conhecem o mandamento “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros”. 
Já passaram mais de 45 minutos desde que comecei a escrever, a televisão continua ligada, e ainda nada se sabe das medidas de coação. Sinceramente, não me interessa, a justiça que faça o seu trabalho. Só espero que seja bem feito, que sejam defendidos os interesses do país, do povo. O povo que trabalha o dia inteiro por um salário de miséria, o povo que quando se vê a braços com a justiça, dificilmente se safa com os conhecidos estratagemas com que os poderosos fazem os processos durar anos e anos. Todos desejamos que os Tribunais sejam justos, como por exemplo o de Vila Nova de Gaia, que em março deste ano condenou um padeiro a uma multa de 315 euros por um furto de 70 cêntimos. 
Deixei passar mais 15 minutos e leio agora no portal Sapo.pt que o Tribunal vai divulgar as medidas de coação à hora dos telejornais. Não aprecio este tipo de mediatismo. Quase me apetecia sugerir que mais valia encomendar uma gala a um qualquer canal de televisão. A Teresa Guilherme poderia apresentar, as medidas de coação seriam decididas por votação telefónica, poderia ser sorteado um automóvel para incentivar a participação da população. O mais nomeado seria obrigado a abandonar o Tribunal em 10 minutos, depois dos abraços emocionados dos companheiros que ficariam. No dia seguinte, seria entrevistado nos vários programas populares desse canal, ganharia a vida em aparições públicas nas discotecas e mais tarde escreveria um livro ou gravaria um cd. 

Acabou-se a paciência. Está na hora de colocar um ponto final neste artigo. Agora vou imprimir e rever, depois enviar para a redação do Notícias de Coura. Antes disto tudo, é hora de desligar a televisão. Click. 

Crónica publicada na edição 261 do Notícias de Coura, 2 de dezembro de 2014.