terça-feira, 26 de junho de 2018

O direito à vida

A eutanásia permanece uma questão fraturante, por um lado temos quem a defende justificando-o com o fim do sofrimento dos doentes, por outro, aqueles que defendem que a vida humana é inviolável e está acima de qualquer outra coisa.
Pegando no argumento dos últimos, de facto assim é, e assim está na nossa Constituição, artigo 24º, n.º 1, “A vida humana é inviolável.” Interpretando o artigo à risca podemos dizer que, sendo inviolável, ninguém a pode violar, nem mesmo o seu detentor. Desta forma, é lógico também dizer que a vida, a nossa vida, não é um direito pleno, pois dela não podemos dispor livremente. Temos ainda os argumentos daqueles que afirmam que a eutanásia é um ato de cobardia, daqueles que não têm a coragem de sofrer, pois segundo alguns o avanço da medicina já permite controlar a dor durante muito tempo.
Perante este último argumento arrisco-me a perguntar:
- Será aceitável controlar a dor anos a fio?
- Será aceitável sujeitar o corpo a tratamentos constantes, muitos deles dolorosos, para prolongar a vida? (- E que vida? Não será antes uma “estranha forma de vida”?)
Não me parece que seja. Mais, arrisco mesmo afirmar que não é, nem que para tal me tenha de socorrer da Constituição, e do n.º 2 do seu artigo 25º, “Ninguém pode ser submetido a tortura…”
Mas, mais dolorosa que esta dor física, será certamente a dor psicológica, aquela que os medicamentos dificilmente aliviam, e essa dor, não é exclusiva dos doentes em fase terminal. Afeta também, e muito, aqueles que os amam e pouco ou nada podem fazer para lhes aliviar o sofrimento, aqueles que os acompanham durante muitos anos e, quando o fim chega e termina o sofrimento dos seus doentes, permanece o deles. E, apesar de verem esse sofrimento atenuado pelo fim do sofrimento do outro, vão continuar a vivê-lo na saudade, e muitas vezes na revolta de pouco terem feito para o evitar, ou no mínimo aliviar.
Que a vida é um direito todos estamos de acordo. Mas um direito pleno, não. Não é.
Na Europa, há já quatro países, Holanda, Bélgica, Suíça e Luxemburgo, onde é permitida a eutanásia, ou a morte assistida. 
Em Portugal o assunto foi a votos há poucos dias na Assembleia da República. Ficou tudo na mesma.
No nosso país continua a existir o “dever de viver”, não o “direito de viver”.

Crónica publicada na edição 343 do Notícias de Coura, 19 de junho de 2018.