terça-feira, 30 de outubro de 2012

Escrever sobre tudo e nada

Escrever é, mais do que exprimir ideias ou relatar factos, deixar entre as palavras um espaço para a imaginação dos leitores. Este meu primeiro texto começa por contrariar desde já esta ideia, ao partilhar com os leitores a alegria que tenho em colaborar com o Notícias de Coura e a honra que senti pelo convite do seu Diretor. Aqui, neste parágrafo, o leitor vai-me perdoar por não ter dado espaço à sua imaginação, mas nas linhas que se seguem já o poderá fazer.
Assumido com agrado o desafio, vamos então à escrita. Qual o tema? Perguntei eu, na esperança de ter o trabalho facilitado. Escreva sobre o que quiser, respondeu-me o Diretor. Está à vontade, pode escrever sobre o tema que lhe apetecer. Que maravilha, pensei eu, imaginando-me já a martelar durante horas no teclado, e a ver as páginas a desaparecer à minha frente como que engolidas pelo desejo secreto de serem expulsas da minha mente!
Eis então que chega a hora de cumprir com a obrigação. Escrever e enviar o texto em tempo útil para ser publicado. Escolhido o título que decidi trazer para os meus textos, …, as horas passam e continuo à procura de um rumo…
Estás bem arranjado, pensei eu. Tanto querias escrever num jornal, e agora que tens essa possibilidade, ficas sem palavras? Não sabes qual tema escolher? Isso não é desculpa, sabes que podes escrever sobre o que gostas, e gostas de tanta coisa que decerto não te faltarão temas!
Claro! É isso mesmo, falar daquilo que gosto. Gosto de livros, desde sempre gostei de livros. Não imagino uma casa onde não existam livros, histórias escondidas à espera de serem interpretadas pelos leitores, páginas que anseiam pela força dos nossos dedos a virá-las, lombadas que suspiram ser puxadas para fora das estantes. Vou falar dos livros que tenho: nem pensar, nunca mais acabaria, e que interesse isso poderia ter?! Vou falar dos livros que me marcaram: impensável, são muitos e, se caísse na asneira de escolher alguns, os outros depressa se revoltariam contra mim, exigindo que lhes devolvesse as emoções roubadas. Desisto. Não posso falar dos livros.
Ah! Vou falar de música! É uma coisa que eu adoro. Quem é que não gosta de música?! Quem é que não tem um cantor ou banda de eleição? Quem é que não tem uma canção preferida? Todos têm, por isso talvez não seja boa ideia… muitas músicas têm o encanto de ficar associadas a momentos felizes ou tristes das nossas vidas, e essas são construções pessoais, só são entendidas por nós, demasiado íntimas para serem partilhadas.
Felizmente não gosto só de livros e música! Gosto imenso de teatro! E gosto imenso de fotografia! Lembro-me de repente que estas duas paixões nasceram em Paredes de Coura!
E se eu falasse sobre Paredes de Coura?! Mas, que posso eu falar de Paredes de Coura? Que posso eu dizer sobre uma terra onde só estou há seis anos? Seis anos?! Sinto um sobressalto, ainda me lembro do dia 27 de julho de 2006, em que cheguei cá para me instalar por três anos, pensava eu na altura. Os primeiros três passaram a correr, os três seguintes, a voar, e acredito que muitos outros “três” se seguirão. Há profissões que nos fazem saltar de terra em terra, e a dor de cabeça de andar sempre com “a casa às costas”, é compensada pela possibilidade de conhecer mais locais, mais pessoas e viver novas experiências. Há também quem diga que estar muito tempo no mesmo local pode ser mau, que podemos criar vícios. Ora, se esses vícios forem a vontade de trabalhar e de ter uma vida social ativa, são sempre de felicitar. Quem faz das terras uma coleção de vícios, dificilmente completará a caderneta da vida. Sempre me senti bem por todas as terras onde passei, em todas elas deixei amigos, de todas elas tenho boas recordações. Mas, mais importantes que as terras, são as pessoas que nelas habitam. Por aqui, não foi difícil fazer um grupo de amigos, amigos mesmo, e não daqueles a que, abusivamente, o facebook chama amigos. Encontrar distrações também não foi nada difícil. O peso da interioridade tem muitas vezes o condão de fazer florescer o espírito de iniciativa, e sempre considerei isso, uma das mais-valias do concelho. É por isso que não encontro razões para me ir embora, não sei se isso algum dia vai acontecer (é a incerteza do futuro no seu esplendor!), mas, não quero. Não quero perder o que tenho, não quero voltar a construir tudo de novo.
Estou a ver a página a chegar ao fim e penso: afinal, a dificuldade em escolher um tema fez-me andar perdido, por parágrafos dispersos, porventura sem sentido. Acabei por me encontrar na parte final, se calhar deveria ter começado por aí. Por agradecer a esta terra tudo o que me tem dado, mas provavelmente perder-me-ia novamente! As alegrias, quer pessoais, quer profissionais, têm sido muitas, e eu não quereria correr o risco de esquecer alguma delas.
Termino este texto consciente que o espaço que deixei à imaginação do leitor esteja demasiado sombrio, e sentir-me-ei culpado se o caminho que tracei o tiver feito perder. Para que tal não volte a acontecer, vou correr o risco de partilhar dois temas que me dão vontade de continuar a escrever, na promessa que um deles será alvo do meu próximo texto:
- A velhice: espero não me ter lembrado de ti tarde demais.
- A ousadia de publicar um livro, e oferecê-lo aos leitores.

Crónica publicada na edição 215 do Notícias de Coura, 23 de outubro de 2012.