terça-feira, 18 de outubro de 2022

O desespero de Putin

Vamos com sete meses de guerra. Aquilo que Putin apelidou de operação militar que duraria cerca de três a quatro dias, prolonga-se indefinidamente. A Ucrânia é um país quase destruído, estima-se que tenham morrido cerca de dez mil soldados e ficado feridos trinta mil. Do lado do agressor não se sabe a verdade, o que não é novidade nenhuma, mas há estimativas de cerca de oitenta mil soldados mortos ou feridos. Ao lançar a mobilização de trezentos mil reservistas, Putin dá sinais de desespero, e há suspeitas de que o número verdadeiro de mobilizações seja três vezes superior. Chama à guerra quase todos quantos respiram, até velhos e inválidos viram os seus nomes nas listas daqueles que não serão mais do que “carne para canhão”, engrossar as frentes de batalha com homens sem preparação tem semelhanças ao genocídio nazi, com a agravante (se é que há agravante possível), de estar a mandar para a morte os seus próprios cidadãos. A primeira consequência desta medida foi a fuga de milhares de russos do país, estima-se que mais de duzentos mil homens já saíram da Rússia. O resultado foi a emissão de um decreto para impedir a fuga. Na Rússia não se combate por amor à pátria, é mesmo por obrigação. Alguns cidadãos corajosos, ou suficientemente loucos, ainda esboçaram uma tentativa de manifestação nas ruas, logo controlada pela polícia.

Ao mesmo tempo, Putin lança referendos nas regiões de Donetsk, Luhansk, Zaporíjia e Kherson, e, tal como seria de esperar, obtém os resultados que queria, mais de 90% do povo dessas regiões quer a anexação dos territórios à Rússia. (Melhores resultados que estes só me lembro do das eleições legislativas de 1965, onde a União Nacional elegeu a totalidade dos deputados!)

Entretanto, sentem-se explosões no Mar Báltico, junto aos gasodutos Nord Stream e onde já tinham sido detetadas fugas de gás. Este gasoduto é gerido pela Grazprom, a maior empresa de gás da Rússia e há fortes suspeitas de sabotagem. Obviamente que a Rússia nega estar envolvida e ainda ironiza com a situação, afirmando que de facto se trata de um problema para todo o continente europeu, forma disfarçada de fazer uma ameaça.

Na Rússia, vários magnatas russos têm sido encontrados mortos em circunstâncias misteriosas, o último deles caiu da janela do hospital onde estava internado, outros foram encontrados enforcados, alguns deles, morreram ao lado da esposa e dos filhos. Todos eles tinham em comum o facto de estarem ligados a grandes empresas relacionadas com o governo russo, alguns teriam sido obrigados a declarar lealdade a Putin, o último tinha sido imprudente ao lamentar publicamente os “trágicos acontecimentos na Ucrânia”.

Temos de nos preparar para o pior, o desespero de Putin pode-o levar a abrir a gaveta onde está o botão vermelho da ameaça nuclear. E não me quer parecer que seja bluff, já afirmou recorrer a todas as medidas para defender território russo, quando na verdade é a Rússia que está a atacar território alheio. Mesmo sem acreditar muito em bruxas e feitiços, não posso deixar de considerar assustadoras as previsões do profeta Nostradamus (1503-1566), que previu uma ameaça do Leste em 2022, e para 2023 uma guerra terrível, elevados níveis de inflação e grandes índices de fome e miséria.

Aproveito para confessar que escrevi esta crónica com dois dias de antecedência, num fim-de-semana onde não me faltaram as ideias, a morte de Isabel II, a estranha amizade que se sente entre o PS e o PSD em torno do novo aeroporto ou até as assustadoras sondagens que retiram a maioria absoluta ao PS e dão ainda mais expressão ao Chega. Achei também que não valia a pena esperar pelos resultados das eleições no Brasil. Haja ou não “segundo turno”, não tenho dúvidas de que terei certamente assunto para um próximo texto!




Crónica publicada na edição 441 do Notícias de Coura, 11 de outubro de 2022.

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O perigo das crianças no futebol.

Quando há dias li a notícia daquela criança, adepta do Benfica, obrigada a assistir a um jogo de futebol em tronco nu, fiquei com uma imensa vontade de desabafar sobre o assunto (nos meus desabafos normalmente parece que destilo ódio, e é um bocadinho isso, é uma espécie de revolta de quem, se pudesse, era capaz de fazer alguma asneira).

Resumindo os acontecimentos, uma criança adepta do Benfica e vestida com uma camisola do clube, foi obrigada a despi-la e a assistir ao jogo em tronco nu. Segundo os regulamentos de segurança dados a conhecer pelo promotor do evento, o Famalicão, é proibido o uso de adereços do clube visitante no setor da bancada onde estão os adeptos do clube visitado. Podemos dizer que os seguranças foram insensíveis? Talvez… mas menos sensível e irresponsável foi o pai* da criança ao insistir em ficar naquela bancada nem que para isso tivesse de despir a camisola ao filho. Poucos dias depois, foi a vez de um adepto do Porto e da sua filha, ambos vestidos a rigor, terem de abandonar a bancada do Estoril por estarem a ser insultados pelos adeptos adversários (nem vou aqui debruçar-me sobre o facto de, pelos vistos, terem sido provocados). Obviamente que os adeptos do Estoril, mesmo sendo provocados, podiam ter sido menos agressivos tendo em conta a criança, mas muito maior condenação merece aquele pai* que se vai meter com a filha na bancada adversária… e pelos vistos com atitudes provocadoras. Ainda que sem culpa, o Estoril emitiu um pedido de desculpa à criança e ao pai, o que me fez ficar ainda mais irritado, (sou um homem do Norte, e custa-me imenso ver os clubes cá de baixo terem uma forma de estar mais educada.)

Não estou de maneira nenhuma com isto a dizer que os regulamentos estão certos, na minha opinião parece-me tal proibição absolutamente ilegal, trata-se de uma violação clara do direito à liberdade pessoal de cada um se vestir e se “enfeitar” com aquilo que quer. Mas percebo o regulamento… se calhar, se todos os adeptos de futebol fossem pessoas com comportamentos normais, nada disto fosse necessário.

Sempre que vejo este tipo de comportamentos nos estádios de futebol lembro-me, com revolta, daquilo que vivi no dia 30 de outubro de 1996. Eu e mais dois amigos resolvemos ir ao Porto ver um jogo da Taça dos Campeões com o Rosenborg. Durante alguns serões pintámos num lençol de 2 metros de altura por 8 ou 10 de comprimento a frase de apoio: “Vilarandelo apoia FC Porto”. (Vilarandelo era, e é, a nossa aldeia) Nesse dia, viajámos para o Porto ainda de manhã, fomos almoçar e comemos duas doses de tripas cada um! Mal as portas abriram, entrámos no estádio e fomos prender com algumas molas da roupa, a nossa tarja na rede da bancada, atrás de uma das balizas no antigo Estádio das Antas. Depois disso, felizes, fomos ao bar comprar uma bebida para nos ajudar a passar o tempo, e a digerir a imensa comida do almoço! Qual não é o nosso espanto, quando regressámos, estava a tarja toda dobrada no meio da bancada. Quem foi!? Tinham sido os adeptos de uma das claques do FC Porto, refilaram que aquela rede era deles. Os meus dois amigos ainda lhes deram conversa, eu só pensava: “- Que sorte a nossa sermos adeptos do mesmo clube, se fossemos adversários nem sei o que aconteceria.” Calei-me, fui buscar a tarja e afastei-me daquela gente. Quando os meus dois amigos voltaram mandei cada um deles para uma ponta da tarja ficando eu no meio, e ficámos assim no meio da bancada a segurar a nossa frase de apoio! Sempre que a bola vinha para aquela zona do relvado, ficávamos de pé com a mensagem bem visível! Vi mais tarde na cassete VHS que ficou a gravar, que a televisão nos apanhou várias vezes! Voltámos felizes para a terra, o Porto tinha ganho por 3-0. Foi a última vez que vi um jogo do Porto ao vivo. Nunca devemos dizer nunca, mas não creio que o volte a fazer, pelo menos junto de adeptos daquela espécie. No nosso país muitos dos jogos não são vistos como um desafio entre adversários, mas sim, como uma batalha entre inimigos. E a avaliar pelos últimos acontecimentos, alguns comportamentos continuam a passar de geração em geração, o que é uma pena.

* O autor optou por escrever a palavra pai em letras minúsculas, por se tratar destes pais em particular.

Crónica publicada na edição 440 do Notícias de Coura, 27 de setembro de 2022.