domingo, 2 de março de 2014

A nova Biblioteca itinerante

As crianças e jovens de Paredes de Coura, decerto não se lembram de umas carrinhas com livros, que visitavam as aldeias duas vezes por mês.
O Serviço de Bibliotecas Itinerantes, foi criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1958. Visava “promover e desenvolver o gosto pela leitura e elevar o nível cultural dos cidadãos[1]”. Em 1961 circulavam pelo país 47 carrinhas (biblio-carro), que levavam às regiões mais desfavorecidas, um serviço que de outra forma muito poucos teriam acesso. A principal preocupação deste serviço era o leitor, aquele que vivia afastado, sem possibilidades de se deslocar até uma cidade próxima que tivesse uma biblioteca, e com muito menos possibilidades para comprar livros, na altura, um privilégio de poucos.
No início da década de 90, este serviço entrou numa fase de extinção previsível; os fundos comunitários permitiram ao país dotar-se de bibliotecas públicas, as escolas viram o estado central apostar no reforço da biblioteca como centro de recursos fundamental das escolas, e a proliferação de universidades e institutos fez com que o acesso aos livros, e à cultura, fosse uma constante no dia-a-dia de todos.
Depois, surgiu a Internet, e o mundo nunca mais foi o mesmo.
Quando a Internet começou a ser disponibilizada nas universidades, escolas e bibliotecas públicas, o serviço era lento, e usado principalmente para a transmissão de mensagens e acesso a alguma informação que não se encontrava noutras fontes. Mas muito rapidamente o paradigma se alterou. Tudo passou a estar na Internet. Não tenho dados concretos e nem sequer me vou dar ao trabalho de os procurar, mas acredito que a maioria dos frequentadores das bibliotecas, não vão mexer nos livros, muito menos requisitar algum, vão é para um computador, e para esse “outro mundo” que existe à distância de um clique.
E as Bibliotecas souberam adaptar-se a essa necessidade. Há uns anos elas tinham 2 ou 3 computadores com acesso à Internet, hoje têm dezenas, e partilham também a rede wireless, para que todos possam estar ligados.
Infelizmente, as Bibliotecas não existem em todas as aldeias e lugares do país. A rede wireless gratuita também não é ainda um privilégio de todas as nossas terras, e apesar dos programas e-escolas, e-oportunidades e outros que tais, o certo é que ainda há muita gente, mais do que seria admissível nos dias de hoje, sem acesso à Internet.
E então, por terras do Alto Minho, surge um estranho protocolo entre a Fundação PT e a Biblioteca Aquilino Ribeiro de Paredes de Coura: os utilizadores da biblioteca podem requisitar uma placa de banda larga móvel, levá-la gratuitamente para casa durante 4 dias, e navegar na Internet. Esta preocupação em permitir a todos um acesso gratuito às tecnologias de informação e comunicação, é uma decisão estratégica de fundamental importância para a formação dos cidadãos do século XXI.
Aqui por Paredes de Coura há coisas estranhas a acontecer. As decisões do Estado Central visam fazer-nos sentir cada vez mais os custos do isolamento. Já decidiram fechar o Tribunal, nos cafés já ouvimos dizer que a seguir são as Finanças, depois a Segurança Social, a estação dos CTT, e até a escola pública parece que não escapa.
Já as decisões do Estado Local vão no sentido inverso. O isolamento não é por si só um fator de insuficiência ou de inferioridade perante o país. Afinal, estamos no território onde há dez anos nasceu um projeto único no país, “isto porque 5 presidentes de câmara (Monção, Melgaço, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira) decidiram que, tendo os problemas básicos das populações mais ou menos resolvidos, aquilo que é preciso é ter uma companhia de teatro que leve o teatro às aldeias[2].”
Com as Comédias do Minho, o teatro foi às aldeias.
Com a Biblioteca Aquilino Ribeiro, é a Internet que vai às aldeias.
O que se seguirá?

* Como não podia deixar de ser, aqui fica uma nota de rodapé. O autor tem saudades das bibliotecas itinerantes, do som da carrinha a apitar, do cheiro dos livros que viajavam pelas aldeias, dos conselhos e das sugestões dos técnicos que as conduziam. O autor adora livros, vive rodeado de algumas centenas mas, reconhece a importância da Internet, do conhecimento partilhado na rede, e admite a sua dependência da mesma. Se é prejudicial ou não, sinceramente não quero saber, pois não me quero sujeitar ao tratamento.


[1] www.gulbenkian.pt
[2] Isabel Alves Costa (depoimento para o filme Contra-Bando, 2009)

Crónica publicada na edição 243 do Notícias de Coura, 25 de fevereiro de 2014.