terça-feira, 6 de maio de 2014

Onde estava eu no 25 de Abril?


Este ano o 25 de Abril faz 40 anos. Curioso ou não, eu também.
A história é muito fácil de contar. Se a tivesse que resumir a poucas palavras escreveria:
Era uma vez um país, as pessoas viviam tristes e amedrontadas por não serem livres, nem sequer se podiam expressar livremente. Um dia, um grupo de militares corajosos resolveu colocar um ponto final naquela ditadura que durava há 40 anos. Tomaram conta da rádio, passaram uma música do festival da canção para dar o sinal às tropas que o golpe militar estava em marcha e avançaram até à capital. Foi tudo tão rápido e estranho, que em poucas horas o povo estava nas ruas a festejar, junto com os militares de armas em punho e carregadas de cravos vermelhos!
Esta é a história que eu tive oportunidade ao longo dos anos de ouvir. Quando a revolução se deu, eu ainda estava a 5 meses de nascer. Naquela altura, Portugal era ainda um país imenso, o Brasil já se tinha tornado independente, mas as colónias africanas eram ainda parte integrante do nosso território. Um dos efeitos praticamente imediatos da revolução dos cravos foi o processo de descolonização. De tudo isto, eu não tenho recordações, nem sequer memórias, limito-me a ouvir os relatos de quem viveu esses tempos.
Eu, nasci em Luanda em pleno processo de libertação colonial, oiço muitas histórias sobre o que era a vida naquele país, e quase sou tentado a dizer que tenho saudades. O que aconteceu depois, está já escrito na história, seguiram-se períodos de guerra e de destruição, o país viu-se de repente inundado daqueles que ficaram conhecidos como retornados, os portugueses brancos que voltaram das ex-colónias. Fernando Dacosta, no livro “Os retornados que mudaram Portugal” de 2013, escreveu que, “quase quatro décadas depois, muitas centenas de milhares de portugueses continuam a carregar esse sentimento de amputação, essa saída forçada de uma terra que consideravam sua. Como conseguiram vencer, integrar-se numa sociedade que os olhava com desconfiança e os recebeu com hostilidade? Continuam a trazer África no coração?”
Conforme vou escrevendo vai-se apoderando de mim um sentimento estranho. Será que estou com saudades? Será que questiono por um momento sequer o que me teria acontecido se a revolução de Abril não tivesse sido bem sucedida? Se calhar questiono, mas não vale a pena, a vida é como é, foi como foi, e o que importa é o que ela é agora. E para me alegrar, basta voltar às histórias da ditadura, para me dar conta que seria difícil viver daquela forma, e que muito devemos aos militares que nos libertaram. Naqueles tempos, dificilmente eu teria uma crónica num jornal, completamente livre de opinião!
Mas, será que era tudo mau? A acreditar nas palavras do presidente da Comissão Europeia, o ensino era muito, muito melhor.
Durão Barroso disse há uns dias*, que lamenta que não tenha sido possível conciliar a democratização do ensino com a exigência e a qualidade", recordando que, antes do 25 de abril de 1974, "apesar de algumas liberdades cortadas, havia na escola uma cultura de mérito, exigência, rigor, disciplina e trabalho.” Esqueceu-se naturalmente que naquele tempo, a escola era para as elites, e a taxa de analfabetismo era assustadora.
Não consigo terminar esta minha pequena homenagem ao 25 de abril, sem me pronunciar sobre as palavras da Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves. Para as comemorações dos 40 anos da revolução dos cravos, foi convidada a Associação 25 de abril. O seu presidente, Vasco Lourenço**, afirmou que só estariam na cerimónia se pudessem usar da palavra. Assunção Esteves ripostou, dizendo que “houve um convite para virem ao parlamento, só.” Quanto ao uso da palavra, “o problema é deles.”
Acho curiosa esta troca de palavras: um homem que lutou para nos dar o direito à palavra, exige fazer uso desse direito. Do outro lado, a presidente da Assembleia da República, do local onde a voz do povo se diz representada, nega o uso dessa liberdade.



* Na cerimónia de entrega do donativo do prémio Carlos V à CAIS.
** Vasco Lourenço: militar português na Reserva que pertenceu à Comissão Política do Movimento das Forças Armadas.


Crónica publicada na edição 247 do Notícias de Coura, 29 de abril de 2014.