terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

As Comédias do Minho

Quando em 2006 cheguei a Paredes de Coura, uma das coisas que me surpreendeu foi a riqueza e diversidade de atividades que a agenda cultural apresentava. Depois, tive oportunidade de saber da existência de um Centro Cultural, um edifício espantoso, com uma sala de cinema, sala de exposições, e uma gigantesca sala de espetáculos. Pensei que estava perante uma coisa de difícil explicação: - Como é que um concelho pequeno, e tão distante dos grandes centros urbanos, conseguia investir desta maneira na cultura, uma das áreas que raramente é considerada prioritária nos esforços de desenvolvimento de um país?

Mas a admiração sentida por tudo isto não é comparável à que senti quando verifiquei que em Paredes de Coura existia teatro. E não estava anunciado um mero espetáculo, as atuações espalhavam-se pelas freguesias do concelho e visitavam também as freguesias dos concelhos vizinhos. Se a cultura é muitas vezes o parente pobre dos governos, o teatro então, é quase sempre o parente pobre da cultura.

- Como é que era isto possível? – Será que tinham público? – Como conseguiam sobreviver, se ainda por cima, não cobravam bilhetes?

Para que o meu espanto não ficasse por aqui, soube então que existia uma companhia de teatro sediada em Paredes de Coura, que fazia parte de um projeto de colaboração entre 5 municípios* do Vale do Minho e que, tinha como um dos propósitos da sua existência, levar o teatro às populações. Ao que parecia, este projeto não se caracterizava só pela existência desta companhia de teatro, existia também uma área de intervenção comunitária e um projeto pedagógico. Este último proporcionava ações de formação e ateliês de teatro para professores e alunos e muitos trabalhos direcionados aos alunos do pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico.

Admirável, pensei, mas ousado e com uma probabilidade de sucesso extremamente difícil.

Obviamente que comecei a assistir às peças de teatro e fiz questões de ir ver algumas apresentações às freguesias mais distantes e inóspitas do concelho. Muitas vezes, as noites estavam mais frias nas improvisadas salas de espetáculo das associações ou juntas de freguesia, que propriamente sob as estrelas da noite. E ainda assim, os atores lá estavam, com um profissionalismo de louvar, quer estivessem perante meia dúzia de espetadores, quer estivessem com uma sala cheia. Passados estes anos, muitas das salas continuam frias e até desconfortáveis, mas o público foi definitivamente conquistado, e os lugares vazios são praticamente inexistentes.

Ao longo destes anos tive oportunidade de conhecer a fundo o trabalho desta companhia e um dos seus graus de intervenção mais visíveis, o projeto comunitário, um trabalho feito com as associações e os grupos de teatro amadores dos concelhos. Uma vez por semana, os grupos trabalham com um ator da companhia, um trabalho de formação e de preparação para um espetáculo de teatro a apresentar à comunidade. (- Em quantos municípios deste país é que se poderá ter o prazer de contar com a formação gratuita de um ator profissional?)

Em 2011 nasceu o 1.º Fitavale, festival itinerante de teatro do Vale do Minho. O objetivo era permitir aos grupos amadores conhecerem o trabalho dos outros, durante 3 dias, todos os grupos atuam num concelho que não é o seu, e atrás deles viajam os amigos, e os atores das outras companhias. O público do Fitavale cresce a olhos vistos, acompanhado do público que já se tornou fiel do trabalho das Comédias do Minho. Depois do que vimos na 2.ª edição, há uma enorme expetativa para a 3.ª edição. Alguns, já acham necessário prolongar este festival no tempo, pois 3 dias é muito pouco! Os mais ousados já não o conseguem ver preso nas fronteiras do país!

O sucesso deste projeto deve-se a muita gente, todos eles sabem quem são, pelo que não é necessário citar nenhum nome. Mas mais que os nomes, são as intenções e a capacidade de trabalho de todos. Se tivesse que referir um nome, obviamente referia aquele que mais vezes é citado nas reuniões, nas entrevistas e nas publicações: “Comunidade”. O trabalho das Comédias do Minho é feito para a comunidade, mas principalmente, com a comunidade. Daí advém muito do seu sucesso, daí advém a responsabilidade que a comunidade tem na sustentabilidade deste projeto. A influência do trabalho das Comédias do Minho já se sente nas populações, especialmente nas camadas mais jovens, o seu trabalho ficará eternamente marcado nesta geração. Será isso que fica para o futuro, e a crer nas palavras da escritora sueca, Selma Lagerlöf, talvez fique o melhor, porque “a cultura, é tudo o que resta depois de se ter esquecido, tudo o que se aprendeu.” 

* Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira.

Crónica publicada na edição 221 do Notícias de Coura, 5 de fevereiro de 2013.