segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A pão e água.

Fruto das dificuldades sentidas nos negócios, em muito provocadas pelas necessárias medidas de confinamento impostas pelo governo nestes tempos de pandemia, um grupo de empresários da restauração, elementos do movimento “Sobreviver a pão e água” decidiu acampar no fundo da escadaria da Assembleia da República e começar uma greve de fome. Esta forma de protesto contra as medidas restritivas do Estado de Emergência e a falta de apoios do Governo, visava chamar a atenção ao país para as dificuldades do setor, afirmando os seus elementos que o protesto só terminaria quando fossem recebidos pelo 1.º Ministro ou pelo Ministro da Economia. 

Ljubomir Stanisic, conhecido chefe de cozinha e figura mediática da televisão tornou-se o rosto da indignação e dos protestos. Não estando em causa o “motivo” do protesto, pois esse é mais do que justificado, a “escolha” desta figura para liderar o mesmo tornou-se quase como um feitiço que se vira contra o feiticeiro. E porquê? Recordemos algumas das coisas que se ouviram: 

- Comparou o nosso país ao do ditador Milosevic, dizendo que na Jugoslávia tiveram um “filho da ****” assim e também o derrubaram. Milosevic foi julgado por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Senhor Ljubomir, se acha que o nosso país é uma ditadura, o que está cá a fazer? Porque não ficou no seu país? 

- Afirmou que tiveram o apoio de muita gente, mas que nenhum funcionário público foi levar uma garrafa de água. Sabe Sr. Ljubomir, os funcionários públicos provavelmente não têm dinheiro para lhe oferecer uma garrafa de água, todos eles estão a juntar uns trocos para ir jantar ao seu restaurante, onde o único menu disponível custa cerca de 110€ sem bebidas, ficando a garrafa de água por 4,5€. 

- Soube-se entretanto que o Sr. Ljubomir foi acusado pelo Ministério Público de corromper a PSP com vinho durante o período de confinamento da Páscoa. Sr. Ljubomir, para quem telhados de vidro, é falta de inteligência pôr-se na plataforma de lançamento das pedras! 

- Quando Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS-PP, fez uma visita ao grupo de manifestantes, o Sr. Ljubomir “tirou” a máscara para se fazer ouvir melhor: “Se voltares a falar de um partido, vou ter de te pedir para saíres. Não há partidos, querido. Já não conseguimos ouvir falar de partidos…” O jovem líder, talvez mesmo por isso, por ser jovem e inexperiente, baixou a cabeça dizendo estar ali como cidadão. Fez mal, fez muito mal. O que deveria ter feito era abandonar o local e pôr fim à conversa. Já nem está em causa a falta de respeito em trata-lo por “querido”, está em causa um princípio de respeito pela democracia, a democracia são os partidos, são os seus líderes, são todos os deputados em representação do povo. Se o Sr. Ljubomir não quer ouvir falar em partidos, “que raio” está a fazer junto à Assembleia da República? 

- Para finalizar, o Sr. Ljubomir faz-se acompanhar de alguns empresários do setor que não me parece estarem a sentir grandes dificuldades, pelo menos a aparentar pelas vidas de luxo que fazem questão de partilhar nas redes sociais, vidas extravagantes com iates e carros de milhares e milhares de euros. Talvez um dia se venha a saber que estes empresários recorreram ao layoff, se calhar alguns deles vão ter de despedir funcionários e fechar restaurantes, e às tantas quando os bens lhe forem penhorados para saldar as dívidas, os Ferraris, os Bugattis e os Lamborghinis vão estar no nome de algum amigo. 

Entretanto, Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa reuniu com o grupo de manifestantes conseguindo que o protesto chegasse ao fim, tendo sido agendada uma nova reunião para se continuarem a discutir as medidas e propostas que certamente não agradarão a todos mas que permitirão algo mais para um setor que como sabemos está no limite da sobrevivência. É de louvar a atitude do Sr. Presidente da Câmara. Quanto aos empresários do setor, se eventualmente tiverem de fazer um novo protesto, não permitam que estas “figuras” assumam o protagonismo de uma causa séria, que pode deixar de o ser pelos intervenientes que a lideram.


Crónica publicada na edição 400 do Notícias de Coura, 15 de dezembro de 2020.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A terra amada.

Esta é uma crónica que há muito tinha vontade de escrever, e que há muito merecia ser escrita. 


Com mais de 16 mil membros, o grupo do facebook Paredes de Coura “terra amada” é um gigantesco baú das “coisas da terra”. Por lá se divulgam os eventos, as notícias, os avisos mais urgentes, desde um cão que fugiu da casa dos seus donos, até às chaves que foram encontradas num dia de feira e deixadas no café ou na pastelaria para serem entregues a quem provar ser o seu dono. Desde há uns anos, com a massificação da Internet e das redes sociais todos somos “divulgadores de informação”, todos nos achamos no direito de dar a conhecer o que se passa à nossa volta, todos nós somos aquilo que muitas vezes criticamos, nomeadamente ao “Correio da Manhã”, as coisas acontecem e nós publicamos e partilhamos para que rapidamente a notícia se espalhe. Por vezes isto pode ser mau, às vezes não corre muito bem, mas na verdade, é fantástico aceder à informação quase no momento em que a mesma nasce. 

Mas mais do que um diário vivo da terra, uma exposição das coisas do dia-a-dia, o grupo Paredes de Coura “terra amada” é um gigantesco álbum de memórias. Talvez só daqui a muitos anos os jovens de hoje lhe consigam dar valor, nos dias de hoje são os pais e os avós que muitas vezes se encantam com o que lá se publica. 

Gerir um grupo destes não é fácil, e dá imenso trabalho, acreditem, há quem pense que alguns dos administradores trabalham para o grupo… e trabalham é certo, mas não é por dinheiro, é por algo bem mais difícil de quantificar, é pelo amor à terra. De quem administra este grupo só me atrevo a falar de dois, a Cecília Pereira e o Flávio Rodrigues. Vou começar por falar da Cecília, e isto para ver se ela me perdoa um considerável número de “cachaços” que me prometeu dar! A preocupação da Cecília em publicar todas as festas e encontros, todos os eventos, espetáculos, acontecimentos e notícias é de louvar, algumas vezes até ficava triste quando havia “coisas” ao mesmo tempo e ela só conseguia registar uma delas. Fazia falta uma Cecília em cada freguesia, com o mesmo empenho e dedicação. Nalgumas das suas reportagens podia-se ler: “Cecília Pereira publicou 478 fotografias”, e pensava eu: “Mas eu não tenho paciência para as ver todas!” Pois não, eu não tenho agora, mas se no meu tempo houvesse facebook, e houvesse lá na terra uma Cecília que tivesse publicado 478 fotografias do desfile de carnaval de 1984, em que eu fui mascarado do cowboy, podem ter a certeza que eu ia ver fotografia a fotografia, e tentar recordar aquelas gentes, tantos e tantos já desaparecidos, aqueles que só podemos recordar na memória. Daqui a 30 ou 40 anos, se ainda existir facebook, acredito que muitas das crianças de hoje vão perder umas horas a vasculhar nas entranhas do grupo, procurar talvez as fotografias do baile de finalistas e mostrar aos vossos filhos e aos vossos netos. Vocês não têm bem noção da sensação, mas perguntem aos vossos pais e aos vossos avós o que sentem quando veem as fotografias de quando eram jovens! 

Do Flávio Rodrigues só posso dizer duas ou três coisas, vi-o e falei com ele, se não me falha a memória, apenas duas vezes. Não é preciso mais nem muito tempo para se perceber quando se está na presença de uma pessoa simples, genuína e sincera. Emigrante no Canadá, deve ser raro o dia em que o Flávio não publica uma fotografia da sua última vinda a Coura, uma fotografia de uma memória do seu passado, e até notícias da sua terra, que muitas vezes parecem chegar ao Canadá antes de quem cá está delas ter conhecimento. Mas mais do que as publicações diárias, reconhece-se nas publicações do Flávio, e nas de mais ninguém, o verdadeiro amor que tem a Paredes de Coura, um amor que só sente quem deixa a sua terra, um amor definido por uma palavra que dizem ser só portuguesa: saudade.


Crónica publicada na edição 399 do Notícias de Coura, 1 de dezembro de 2020.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Goodbye Trump!

Custou, mas aconteceu! Donald Trump perdeu as eleições. 

Ainda assim, foi o segundo candidato mais votado de sempre, com mais de 70 milhões de votos. Desta vez a América não ficou em casa, os democratas e muitos outros americanos, não confiaram nas sondagens e fizeram questão de dar o seu voto a Joe Biden. Mais do que eleger Biden, os Americanos quiseram derrotar Trump. 
Em 2016, o mundo ficou atónito quando percebeu que Hillary Clinton tinha perdido as eleições. Nessa altura os democratas perderam por culpa própria, acreditaram nas sondagens e nunca lhes passou pela cabeça que o seu país pudesse votar em alguém como Donald Trump, mas aconteceu. 
Uma das primeiras medidas de Trump foi proibir a entrada de cidadãos de sete países de maioria islâmica nos Estados Unidos, visava manter os terroristas islâmicos radicais fora do país. Proteger o país de terroristas é importante, mas não desta maneira, até porque são infelizmente cada vez mais os exemplos de que muitos atos terroristas são efetuados por radicais já nascidos nos próprios países que atacam. 
Depois mandou erguer um muro com o México, fazendo com que dessa forma o número de imigrantes ilegais que entravam nos Estados Unidos diminuísse para metade, mas separou inúmeras famílias que procuravam na América um futuro melhor. O ridículo foi afirmar várias vezes que o México iria pagar o muro. Obviamente que os países devem ter uma política de emigração bem definida e controlada, mas ao fechar desta forma as fronteiras Donald Trump esquece uma coisa muito importante, a América tornou-se naquilo que é graças a milhões e milhões de emigrantes. 
Mais tarde retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris e do Acordo Nuclear com o Irão. Provocou muitas vezes, nalgumas delas até de forma ofensiva, Kim Jong-un, o líder da Coreia do Norte que tantas e tantas vezes ameaçou a América. Alguns meses mais tarde tornaram-se amigos, ao ponto de Trump dizer que Kim Jong-un lhe escreveu imensas cartas, cartas muito bonitas. 
Em 2020, e para infelicidade de todo o planeta, surgiu o Covid-19. E não haja dúvidas que foi este o grande responsável pela derrota de Trump. Não fosse a pandemia, e talvez o nome desta crónica tivesse de ser: Trump, outra vez. 
Perante a pandemia que se espalhava pelo mundo Donald Trump começou por ignorar, depois menosprezar, e mesmo quando já tinha o país completamente apanhado pelo vírus nunca deu ouvidos à comunidade científica, chegando mesmo a sugerir injeções de desinfetante, e anunciando o corte de relações com a Organização Mundial de Saúde. Hoje, os EUA representam 20% das mortes por Covid-19, e somam já quase 250 mil mortos. 
Estas eleições terminam com Donald Trump a alegar fraude eleitoral em diversos Estados, embora sem apresentar provas. Aliás, Trump foi bem claro quando disse que “respeitaria os resultados eleitorais, se ganhasse.” Foram 4 anos de mentiras (mais de 20 mil segundo o jornal "The Washington Post", veiculadas nas contas pessoais do Presidente). Mesmo assim, obteve mais de 70 milhões de votos, “quase” metade dos eleitores queria continuar a ter Trump como Presidente. Existir um presidente como Trump parece-me perigoso, existirem 70 milhões que votam nele, parece-me muito mais. Vivemos tempos difíceis, inimagináveis para muitos de nós. As eleições na América são certamente um sinal de esperança. 

Crónica publicada na edição 398 do Notícias de Coura, 17 de novembro de 2020.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Irritações de outono.

Já por duas vezes tive oportunidade de partilhar com os leitores algumas das coisas que me irritam. Desta vez, e como estas são irritações do momento, resolvi juntá-las ao outono, esta fantástica estação cujas cores dão tanta beleza ao mundo e me fazem recordar com saudade as cores de Paredes de Coura. Aqui ficam então algumas das coisas com as quais me sinto irritado: 

1. Irritado com a Fórmula 1: gosto muito deste desporto e tenho saudades dos tempos em que os grandes-prémios eram transmitidos na televisão pública. A Fórmula 1 ter regressado ao nosso país foi uma notícia excelente, obviamente que tal só aconteceu por atravessarmos este período pandémico, em condições normais não sei se tal aconteceria. Aquilo que tivemos oportunidade de ver durante o fim-de-semana da sua realização foi simplesmente vergonhoso, e mostra bem os dois pesos e duas medidas que continuam a imperar nas decisões tomadas pelo governo e pela DGS. Trinta mil pessoas em Portimão, bancadas cheias de pessoas, sem distanciamento quase nenhum e muitas delas sem máscara. As autoridades que permitiram isto são as mesmas que impedem os estádios de futebol de ter público. O autódromo de Portimão tem capacidade para 100.000 espetadores e a DGS autorizou 30.000 (30%). O Estádio do Braga tem lotação para 30.000 espetadores, e a DGS resolveu autorizar apenas cerca de 2.200 para o jogo com o AEK a contar para a Liga Europa (7%). Falta saber porquê. Eu sei que o vírus está mais ativo no norte, mas será que ele é assim tão malandro que só ataca a malta que vai à bola? Eu sei que a malta que vai à Fórmula 1 é mais rica e tem mais estatuto mas… não diziam que este vírus atacava os pobres e os ricos?! 

2. Irritado com o fim-de-semana de circulação condicionada: desculpando-se com o aumento assustador dos números da pandemia nos últimos tempos, o Governo decidiu limitar a circulação entre concelhos no fim-de-semana de 30 de outubro a 3 de novembro. E decidiu com alguma antecedência, o que foi bom, pois deu a hipótese a muitas pessoas de em vez de ir à terra no dia de finados, irem até Portimão à Fórmula 1 no fim-de-semana anterior. Podia até ser uma decisão com algum sentido, caso não tivéssemos depois exemplos verdadeiramente contrários. Pela primeira vez na vida vou precisar de uma declaração da minha entidade patronal para poder ir trabalhar, e deslocar-me entre concelhos. Eu, que nasci já depois do 25 de abril, começo a ter experiências dos tempos da “outra senhora”. Mas compreendo. Todos temos de ter comportamentos responsáveis. Eu não posso ir à terra no dia dos finados, mas posso ir dar aulas a 28 alunos numa sala com pouco mais de 20 metros quadrados. O Covid-19 é respeitador, ele sabe que não pode entrar nas escolas, mas quando apanha o povo nos cemitérios, vinga-se. 

3. Irritado com as capas de jornais: escrevo esta crónica no dia seguinte ao final da volta à Itália em bicicleta, aquela em que João Almeida acabou em 4.º lugar depois de andar 15 dias com a camisola rosa de líder da prova, aquela em que Ruben Guerreiro venceu a camisola azul de líder da montanha, e apesar dos destaques nalguns jornais, apenas um dos desportivos apresenta uma capa que faz justiça a um feito desta magnitude. Mas já se sabe que o que importa é o futebol. Irritado fico com o título do jornal “A Bola”, que dá voz às palavras do Presidente do Benfica, “Ninguém apaga a minha passagem pelo Benfica”. Obviamente que não, e tem muito mérito por ter colocado o Benfica no caminho das vitórias. Gostava de sugerir a um jornal de cariz económico que pudesse dar voz ao Sr. Luís Filipe Vieira para um título parecido: “Alguém apagou as minhas dívidas ao Novo Banco”. O jornal “I” resolve dar destaque ao confinamento de Cristiana Ferreira e de Ricardo Araújo Pereira… quem é famoso, fica mais famoso só por ter de ficar em casa! 

Enfim… chega de me irritar com os jornais, não quero correr o risco de me irritar com as minhas próprias crónicas.

Crónica publicada na edição 397 do Notícias de Coura, 3 de novembro de 2020.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Coisas de outono

Estão-se a acabar os dias grandes, já não conseguimos dormir completamente destapados, já sabe bem colocar uma manta ou um cobertor na cama. Dentro de poucos dias mudará a hora, os dias ficarão mais tristes, e para quem trabalha de tarde o regresso a casa já será feito na escuridão. Nas terras frias apetece ficar em casa, e nas outras, mesmo que não apeteça, será isso o mais sensato. Estamos em plena segunda vaga de uma pandemia que nunca julgámos viver, e ela veio mais forte que nunca, e dificilmente abrandará. Escrevo-vos esta crónica com Portugal a apresentar mais de mil casos diários de covid-19. Temo bem que os números que se avizinham não sejam nada agradáveis, provavelmente daqui a um mês estaremos na casa dos dois mil e daí em diante, por mim, era bem melhor nem se fazerem as contas. Não acredito que a vacina chegue tão cedo, e mesmo que ela chegasse nos próximos tempos não me vejo com coragem para a tomar, acredito como muitas outras pessoas que poucos de nós escaparão, mais tarde ou mais cedo o vírus vai-nos apanhar. Até lá, não nos devemos descuidar, continuar a respeitar as regras de etiqueta respiratória e distanciamento social é mais do que um dever, é uma obrigação. Quantos de nós escaparam de apanhar o sarampo ou a varicela? Poucos… provavelmente daqui a uns anos vamos recordar esta pandemia como algo do qual poucos escaparam. Esperemos recordar. Será um bom sinal. Esta é mais uma crónica escrita em cima da hora, na falta de um assunto que me ajude a ocupar página e meia, aqui ficam três coisas que se repetem quase sempre, por esta altura do ano: 

1. Chegam as gripes e constipações. 

Começa o frio, os resfriados e as mudanças súbitas de temperatura, entre o carro onde viajamos, a empresa onde trabalhamos que não tem dinheiro para o aquecimento e a nossa casa, onde com mais ou menos calor, nos sentimos sempre melhor. O corpo tem dificuldade em suportar tamanhas diferenças e adoece. Este ano, para piorar, temos a companhia do corona vírus, aquele que o Presidente americano Donald Trump insiste em chamar de “vírus chinês”. 

2. A aprovação do Orçamento de Estado (OE). 

Enquanto escrevo esta crónica, os jornalistas esperam à porta da Assembleia da República pelo Ministro das Finanças, e pela entrega do OE para 2021. O governo tem gasto horas e horas em duras negociações com o Bloco de Esquerda (BE). Este último mostra-se inflexível na questão de não aceitar que o Estado Português injete mais dinheiro no Novo Banco. Mas todos sabemos que vai ter mesmo de injetar, esta coisa do Estado salvar os bancos em detrimento dos contribuintes já não é nova. Nem é de agora. António Costa decerto arranjará forma de “tapar os olhos” aos partidos da antiga geringonça. Aliás, até estranho esta inflexibilidade do BE, durante os anos em que apoiou o governo o Estado fartou-se de meter dinheiro nos bancos. Obviamente que quando chegar a hora da votação o orçamento passará, a oposição não existe e como o único partido que tiraria dividendos de eleições antecipadas seria o Chega, nenhum dos partidos do sistema se atreverá a correr semelhantes riscos. 

3. A surpresa do Nobel. 

Depois de em 2016 a Academia Sueca ter surpreendido com a atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan, desta vez surpreende pelo facto de galardoar a poetisa americana Louise Glück, pela “sua inconfundível voz poética que com austera beleza torna universal a existência individual”. Uma verdadeira surpresa para mais de meio mundo que nunca dela ouviu falar, mas acima de tudo para as casas de apostas! Imagine-se lá, que o seu nome não constava em nenhuma delas. Se em 2016 a Academia foi acusada de ter “politizado” a atribuição do Nobel, num claro sinal de discordância com a administração Trump, ela agora vem mostrar que está a tudo imune, e até é capaz de dar o prémio a alguém praticamente desconhecido. Fico à espera de poder ler, em português, alguma coisa desta escritora cujos poemas são capazes de dar sentido à existência humana. Mais poderia dizer destas pressões que a Academia sofre, ainda este ano li algures que o prémio deveria ir para uma mulher do continente africano… enfim, nada contra nem a favor, ficaria mais feliz se o prémio fosse sempre atribuído a quem o merece, e os galardoados também, decerto ficariam mais felizes se soubessem que ganharam por talento e mérito, e não por serem de um determinado sexo ou continente. 


Crónica publicada na edição 396 do Notícias de Coura, 20 de outubro de 2020.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Tu és o quê!? Influencer!?

Mas isso é lá profissão!? Influencer!? Mas quem afinal influencias tu com os teus vídeos de 10 segundos sobre perfumes, suplementos alimentares e roupas!? 

Já andava para escrever sobre este tema há uns tempos. Numa primeira fase até pensei em usá-lo para uma daquelas minhas crónicas intituladas “Coisas que me irritam”, mas este tema tem tanto para dizer que merece uma crónica inteira. 

Têm surgido aos milhares na rede social Instagram. Denominam-se influencers, em português, influenciadores digitais. O que fazem é simples, juntam uns milhares de seguidores e vão publicando vídeos onde fazem publicidade “positiva” de vários tipos de produtos, roupas, calçado, suplementos alimentares e perfumes são talvez os mais vistos, mas já se vê de tudo, material escolar, hotéis e até comida para animais! 

Quando os influencers se dedicam apenas a algumas marcas ou tipos de produtos até lhe podemos dar alguma credibilidade, agora quando começam a aconselhar e a “dar a cara” por centenas de produtos e de todo e qualquer tipo, não me parece que influenciem quem quer seja. Pelo menos, quem seja minimamente inteligente para perceber aquilo em que deve acreditar. Por esta razão, algumas marcas já não se interessam pelos utilizadores que mais seguidores têm, nestes casos a ligação com o público perde-se, perde-se o lado intimista e verdadeiro. Tudo isto faz-me lembrar um bocadinho as pequenas mercearias de bairro, a oferta é muito menor, mas a relação que se estabelece com quem nos serve é por vezes compensadora, e os preços, nem sempre são assim tão diferentes. Algumas pessoas ficariam absurdamente impressionadas se comparassem os preços de alguns produtos na pequena mercearia, com os preços dos grandes hipermercados. 

Não tenho nenhum tipo de inveja contra esta nova “espécie humana”, aliás, conheço até algumas destas personagens que graças a uma cara e um corpo bonito, somam e seguem nas redes sociais. E fazem muito bem! Aproveitem esta oportunidade enquanto ela existe. Já não me merecem tanta consideração as outras “personagens”, adultos responsáveis que “administram” os perfis das suas crianças, pequenos influenciadores digitais que têm a sua imagem a circular por esse mundo fora, quem sabem por onde, quem sabe entre quem. Faz-me lembrar uma piada que costumava ouvir a um professor, meu colega e amigo, que em jeito de brincadeira dizia: “Os meus filhos nunca mais fazem 18 anos… estou farto de viver à custa dos meus Pais, está na altura de viver à custa dos meus filhos”! 

Na verdade, o tema Influencer não me irrita nada, já quando se dizem produtores de conteúdo, aí sim, despertam em mim uma personagem revoltada. Mas onde está o conteúdo de um vídeo onde se ouve: - “Olhem que giras estas sapatilhas da Adi&#$ que eu recebi, são super fofas e super confortáveis, e têm cordões que dão para ajustar e eu posso até trocar os cordões por estes de outra cor!”. Perdoem-me lá mas, conteúdo zero. Este tipo de conversa até pode ser gira para algumas pessoas, mas daí até ser conteúdo… vai uma grande distância. Conteúdo é um vídeo com a análise por exemplo de um computador, onde o mesmo é testado e as suas caraterísticas são descritas e comparadas; conteúdo é uma vídeo-aula de alguém a explicar o Teorema de Pitágoras; conteúdo é um documento de opinião sobre por exemplo a interrupção voluntária da gravidez; conteúdo é uma infografia sobre por exemplo a Paisagem Protegida de Corno de Bico; conteúdo é um podcast do poema “A casa em que nasci, Marianinha” de Aquilino Ribeiro… conteúdo requer trabalho, investigação, pensamento, opinião… Eu sei aquilo em que estão a pensar, e é verdade… provavelmente o poema vai ter 30 visualizações e o vídeo das sapatilhas 30000… tenhamos esperança que um dia a nossa sociedade não possa ser qualificada por este tipo de comportamentos. 

Sejam influenciadores digitais, e continuem a aproveitar essa oportunidade, mas não se digam produtores de conteúdo. Por respeito a vós mesmos. Não se achem aquilo que não são.


Crónica publicada na edição 395 do Notícias de Coura, 6 de outubro de 2020.

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O perigo da Cidadania.

A polémica instalou-se há uns tempos quando se soube que dois alunos de Famalicão tinham reprovado pois chumbaram na disciplina de Cidadania. História mal contada. Segundo informação recolhida nalguns meios de comunicação social o que se passou foi que as duas crianças chumbaram por faltas à disciplina. E porquê? Porque os pais não permitiram que frequentassem a mesma alegando “objeção de consciência”. E quando confrontados pela escola para a necessidade das crianças elaborarem tarefas de recuperação para dessa forma as faltas serem justificadas, recusaram. 

Algum tempo depois várias personalidades do nosso país subscreveram um manifesto contestando a existência dessa disciplina, defendendo que a mesma não pode ser obrigatória e que os pais têm direito à objeção de consciência. Se formos por este caminho vamos encontrar justificações para “livrar” as crianças de qualquer disciplina que não se queira frequentar. Ainda há pouco tempo li numa revista que “Einstein” escreveu no seu diário anotações xenófobas sobre o povo chinês, descrevendo-os como pessoas imundas e obtusas! Soubesse eu disto quando andava na escola e tinha-me recusado a aprender coisas como a “Teoria da Relatividade”.

Como Professor, e já tendo lecionado esta disciplina, não consigo perceber de que tem medo esta gente, por mais voltas que dê aos conteúdos, não consigo vislumbrar o perigo. Discutir assuntos como os direitos humanos, a sustentabilidade ambiental, a interculturalidade, a segurança rodoviária, a sexualidade ou a igualdade de género é extremamente importante nos tempos que vivemos. Nesta disciplina ninguém “chumba” por não saber, nesta disciplina discute-se, argumenta-se, exemplifica-se e cada um sustenta a sua opinião de acordo com um conjunto de princípios e valores que lhes está incutido, ou deveria estar. Quando se vai buscar a Constituição para acenar com liberdade de escolha, é importante lembrar que também lá estão as temáticas do respeito pelos direitos humanos, aliás, muitos das temáticas da disciplina estão na nossa Constituição. Richard Zimler escreveu a este propósito que "Tenho muito medo de jovens incultos mas não tenho medo de jovens instruídos", acrescentando também que a Cidadania, e tudo o que dela faz parte, é tão importante como a Matemática ou a Geografia. Lembro-me de há uns anos, em Coura, uma Encarregada de Educação me dizer: “Sabe Professor, fico feliz por a minha filha ter boas notas, mas fico muito mais feliz por ela ser uma criança educada e respeitadora”. E de facto era. E porquê? Porque tinha a melhor das escolas, a que trazia de casa.

Apetece-me dizer que aqueles pais de Famalicão devem ter pouca confiança nos valores que transmitiram aos seus filhos, só dessa forma se compreende o receio que têm daquilo que se discute na disciplina de Cidadania.

Entretanto li algures (e por mais que procure não encontro), que o Secretário de Estado da Educação tinha dado indicações para que as crianças progridam de ano, enquanto não é conhecida a decisão do Tribunal. Embora não concorde, creio que é uma bela lição de cidadania.


Para terminar, umas palavras para o estado do país: os novos casos de covid-19 sobem de dia para dia, a abertura das escolas vai certamente exponenciar estes números; o Sr. 1.º Ministro resolveu integrar a comissão de honra de um candidato a presidente de um clube de futebol que está nas “mãos” da justiça, os candidatos presidenciais voltam a aparecer quase como “cogumelos”; o futebol está de volta, mas “às ordens” daquilo que o covid-19 permite… enfim, tenho aqui assuntos suficientes para as próximas crónicas.



Crónica publicada na edição 394 do Notícias de Coura, 22 de setembro de 2020.

100!

E de repente, chegou a minha crónica número 100! Quando em 2012 escrevi a primeira nunca me passou pela cabeça chegar a este número. Na verdade não me passou pela cabeça nem este número nem outro qualquer, fui escrevendo ao longo dos anos e só de há uns meses para cá comecei a perceber que estava a chegar a um número histórico! Sente-se uma estranha felicidade em perceber que, melhor ou pior, conseguimos cumprir um compromisso e escrever sempre sobre alguma coisa. E tal como já tinha planeado há uns tempos, e como não há nenhum tema atual que me faça escrever sem me aborrecer, vou aproveitar esta crónica para recordar alguns dos temas sobre os quais me ocupei, alguns deles escritos de forma zangada e indignada, outros escritos com uma satisfação tão grande que dificilmente as palavras foram capazes de a transmitir. 
Na minha primeira crónica escrevi sobre tudo e nada, consegui entreter os leitores escrevendo sobre nenhum assunto em concreto. Já em 2013, lembro-me dos textos que escrevi sobre a ameaça que pairava sobre Coura, o Festival, uma ameaça fantástica que coloca o nome da terra no mundo; escrevi ainda sobre “Beethoven em Coura”, ou a fantástica ideia das crianças Courenses aprenderem música, “a sério”, desde pequeninos. Já em 2014 dediquei uma crónica à partida do Rei Eusébio, espantei-me com a “nova biblioteca itinerante” quando o Município se lembrou de, além de emprestar livros, emprestar também placas de acesso à Internet! Ainda nesse ano, zanguei-me com a escola pública por formar alunos todos da mesma forma, centrando-se anos a fio na primazia do Português e da Matemática. 2015 foi um ano que me encheu de alegria quando li neste jornal que a minha escola ia sofrer obras de remodelação, foi um ano em que um evento chamado “Mundo ao Contrário” começou a tornar-se um dos postais de visita de Coura. Terminei o ano com uma crónica sobre “A terra mais bonita do Mundo”, escrevendo algo que ainda hoje sinto, as terras por si só pouco valem, aquilo que as enriquece são as pessoas que lá conhecemos. Coura será sempre para mim, uma das terras mais bonitas do mundo! Em 2016 ironizei com a quantidade de candidatos à Presidência da República Portuguesa e com a votação para a destituição de Dilma Rousseff no Brasil. Vibrei com a vitória da seleção Portuguesa de Futebol no Europeu e com os Coura All Stars, esse “bando” de crianças Courenses que abriu a edição do melhor festival do mundo, e que me fez ir a esse festival pela primeira vez! Ainda os consigo ouvir… e sentir a brisa fresca do Tabuão! Comecei em 2017 por agradecer àquele que ainda hoje é para mim o Sr. Presidente, Mário Soares deixou o país triste, como talvez nenhum político volte a deixar. Escrevi ainda sobre uma estranha Universidade idealizada por um Senhor do Teatro, a Universidade Invisível, uma das loucas ideias de João Pedro Vaz, um senhor que semeou teatro no Vale do Minho. Ainda hoje por lá andam em digressão um grupo de “criaturas” inesquecíveis, chamam-lhe as “Comédias do Minho”, não há quem não os conheça. O ano de 2018 não foi muito rico nas crónicas que escrevi, vejo agora que dediquei tempo demais a assuntos políticos. Nem mesmo a crónica sobre o ex-Presidente do Sporting salva esse ano. Se tivesse de escolher apenas uma, seria aquela que dediquei ao “direito à vida”, e à sempre pertinente questão da eutanásia. Foi um ano tão pobre que o meu primeiro texto de 2019 chamou-se “2018… para esquecer”! Foi um ano mais divertido, voltei a irritar-me com as decisões de alguns juízes bem como com o atrevimento de Joe Berardo quando foi ouvido na comissão de inquérito na Assembleia da República. Terminei o ano a agradecer ao Mister Jorge Jesus ter ganho um troféu do outro lado do mundo! 2020 ainda não acabou e os assuntos já são tantos que nem me apetece escolher. Voltei a escrever sobre a questão da vida não ser uma obrigação, sobre a telescola e o nosso sofrível confinamento, indignei-me com os crimes que continuam a ser cometidos sobre crianças e os seus brandos e inadmissíveis castigos e já dediquei dois textos às questões do racismo que incendeiam o mundo nos últimos tempos. A crónica mais alegre foi talvez aquela em que dei os Parabéns ao “Notícias de Coura”! 
E assim termino a crónica número 100. Prometo só voltar a relembrar os meus próprios textos daqui a outras 100 crónicas. Assim eu tenha saúde para as escrever, e os leitores paciência para as ler! 

Crónica publicada na edição 393 do Notícias de Coura, 8 de setembro de 2020.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Jesus voltou


Desta vez não deixei a crónica para o último dia. Embora seja no último dia do prazo que esteja a fazer a revisão, já a escrevi há dois dias! Grande vitória! Desta vez não foi preciso pensar muito nem fazer grandes pesquisas na Internet em busca de assunto, desde que foi anunciado o seu regresso que eu senti que Jesus me ia salvar! Salvou-me, mais uma vez, ao dar-me assunto para mais uma crónica. E provavelmente não vai ser a última. Desta vez não são os Reis Magos que vão levar ofertas a Jesus, desta vez é Jesus que traz riqueza, salvação e motivação. Podemos olhar para Jesus como a fonte destas três riquezas: 

1. Fonte de riqueza para a comunicação social 

Desde que foi para Benfica, Jorge Jesus tornou-se uma figura de destaque nas capas dos jornais e nos noticiários televisivos. Algumas vezes pelas coisas engraçadas que dizia, muitas vezes pelos méritos desportivos que alcançou (e muito bem), e algumas vezes também pelas polémicas! Se os méritos alcançados no Benfica foram muitos, no Flamengo foram ainda mais, pois apenas lá esteve pouco mais de um ano. Todos estes méritos tiveram o merecido destaque mas, foram as polémicas que mais alimentaram a “feroz” comunicação social desportiva: desde os títulos perdidos naquele ano em que quase ganhava tudo e acabou por não ganhar nada, até à mudança para o eterno rival Sporting. Ainda hoje há benfiquistas que não se coíbem de dizer que Jesus foi um traidor. O pior nem foi sequer ter ido treinar o rival (até porque o Benfica continuou a ter sucesso desportivo), o pior foi mesmo a “sombra” de Jesus que continuou a pairar no Estádio da Luz, sempre que os resultados desportivos eram piores, o nome de Jesus vinha logo à baila. A imprensa desportiva não tem de se preocupar tão cedo em arranjar assunto, e não importa se esta segunda passagem de Jesus pelo Benfica vai correr bem ou mal, de uma forma ou de outra, terão sempre conteúdo. 

2. Fonte de salvação para o Presidente 

Pouco depois de ter sido constituído arguido pelo Ministério Público no âmbito do caso Saco Azul relacionado com crimes de fraude fiscal, e numa altura em que vieram a público algumas escutas telefónicas comprometedoras para o Presidente do Benfica no caso da Operação Lex, Luís Filipe Vieira contrata Jorge Jesus, numa verdadeira jogada de mestre. Mesmo que pudesse contratar Jürgen Klopp ou Pep Guardiola, nenhum deles traria a projeção e teria tanto destaque como Jorge Jesus. Basta ver que desde que se tornou oficial o regresso de Jesus, ele tem estado presente em todas as edições dos jornais desportivos, em grande parte das edições dos jornais generalistas, em todos os noticiários televisivos. Conhecem alguém, ou até outro assunto, com tamanho destaque nos últimos tempos? Desta forma o Presidente do Benfica viu “serem esquecidos” os seus problemas com a justiça, bem como os problemas com a oposição interna no seu clube. 

3. Fonte de motivação para os adeptos 

Embora ainda possa vencer a Taça de Portugal, esta será sempre uma época de fracasso desportivo para o clube, mas já ninguém parece importar-se, agora que o salvador voltou. Embora ainda haja alguns adeptos descontentes, a maioria está desejosa que o novo ano desportivo comece. Até aqui Luís Filipe Vieira jogou acertadamente, nenhum outro treinador traria tamanha esperança. Obviamente que se o campeonato não começar bem e se o acesso à Liga dos Campeões não tiver sucesso, as vozes discordantes serão imensas mas, como diz o provérbio, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”! 



* Mais uma vez não resisto a uma nota de rodapé! O autor até nem gosta do Benfica, é adepto do Desportivo de Chaves e quando este não está na 1.ª divisão torce pelo atual campeão, o Porto. Mas o autor sempre gostou de Jorge Jesus. O autor ficou triste quando viu Jorge Jesus no aeroporto, de lágrimas nos olhos a abandonar Portugal. O autor festejou quando Jorge Jesus ganhou a Taça dos Libertadores do outro lado do mundo. O autor compreende perfeitamente o desejo do treinador em voltar, especialmente em voltar ao seu país.



Crónica publicada na edição 392 do Notícias de Coura, 4 de agosto de 2020.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Está Bem!

Desta vez resolvi brincar com um dos títulos mais curiosos deste nosso jornal. Como os leitores bem sabem, a última página do Notícias de Coura intitula-se quase sempre “Está mal”, e nela os leitores têm a oportunidade de ver “coisas” menos boas da terra. A curiosidade dos leitores é sempre mais espevitada com coisas que estão mal do que o contrário, mas não me parece que seja esse o objetivo, chamar a atenção de alguns problemas é muitas vezes a melhor forma de os resolver. E funciona quase sempre. Nós que vivemos num século em que as coisas se conhecem no momento em que estão a acontecer, que temos acesso às redes sociais que espalham as notícias à velocidade da luz, já tivemos por certo experiências de partilhar problemas e de os ver resolvidos pouco tempo depois. Lembro-me de em tempos, quando vivia em Coura, me aperceber que não tinha iluminação pública junto a casa há uns dias. Partilhei a escuridão da minha rua, e mesmo com pouca luz, a informação chegou a quem o conseguiu resolver o problema em pouco tempo. Alguns dirão que estas são as vantagens de se viver nos meios pequenos, têm razão, mas mais importante, são as vantagens de quem “governa” os meios pequenos se importar com aqueles que os elegeram. Vem esta conversa a respeito de algumas das notícias que li, primeiro no Facebook e depois nalguma comunicação regional de que “A câmara municipal ia dar 200 euros aos comerciantes para os apoiar na compra de materiais de proteção e de forma a responderem aos requisitos de segurança impostos pelas autoridades de saúde”. Mas que excelente iniciativa pensei. Em nenhum momento fiquei admirado, ficaria era se visse iniciativas destas acontecer um pouco por todo o país. Ver uma autarquia esforçar-se por apoiar os agentes económicos e dessa forma tentar mitigar os prejuízos causados pela atual pandemia do Covid-19, devia ser “o pão-nosso de cada dia”, devia ser uma obrigação de todas as autarquias do país. Além deste apoio, a autarquia implementou também uma medida de apoio “aos munícipes em situação de vulnerabilidade económica originada ou agravada em contexto da pandemia.” Este apoio seria dado através de vales de compras destinados “à aquisição de bens de primeira necessidade a serem descontados na rede de estabelecimentos protocolada com o Município.” Ora mais uma excelente iniciativa, além de apoiar quem mais precisa, é apoiado o comércio local. Até aqui este assunto não teria motivos para me levar a escrever uma crónica, mas eis senão quando, algures numa rede social, leio alguém indignado que comenta: “A Câmara Municipal está a dar estes apoios mas é preciso preencher uma quantidade de papéis.” Mas que grande chatice pensei. Queres ver que agora as empresas que pretendem beneficiar do apoio vão ter de comprovar que não têm dívidas ao fisco ou à segurança social? Ou que o volume de negócios é inferior a uns milhares de euros? Queres ver que agora que as famílias carenciadas têm de comprovar os rendimentos, ou melhor, a falta deles? Mas que grande burocracia pensei! Julgava que era só telefonar, dar o nome e depois ir buscar o cheque. Já me estava a ver a caminho de Coura para levantar o meu vale de compras e “estourá-lo” no comércio local, comer uma bela truta, e vir carregado de biscoitos de milho! Oh meus amigos, sabemos bem que as burocracias são coisas aborrecidas, mas é talvez a melhor forma de garantir que os apoios não vão parar às mãos erradas. Temos milhares de exemplos no nosso país onde a falta deste tipo de obrigações, aliada à “vigarice” de muitos gestores, levou empresas à banca rota, e onde o setor bancário é o exemplo perfeito do pior que pode acontecer. 

Desta minha indignação resulta portanto o título desta crónica. Está bem! Está mesmo muito bem! Está muito bem ajudar quem de facto precisa, e com a ajuda a uns, ajudar outros. E está bem porque é essa a obrigação de quem governa: ajudar as suas gentes. 


* Como gosto muito de notas de rodapé, não resisto a fazer a mais uma. Aconselho os leitores a não terem o atrevimento de ler esta minha crónica e ver nela um elogio político com segundas ou terceiras intenções. O autor não tem, nem nunca teve ambições políticas. O autor falará bem quando achar que o deve fazer e criticará quando tal se justificar. Sempre assim tem sido. E acreditem que é bem mais fácil criticar, do que fazer o contrário. 


Crónica publicada na edição 391 do Notícias de Coura, 21 de julho de 2020.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Porque me chamas “de cor”?

Estive a tarde toda à procura de assunto para esta crónica. Encontrei dois temas que me podiam salvar: o agravamento dos números do Covid-19 em Portugal e os milhões de euros que o Estado Português está prestes a “enterrar” na TAP. Como o primeiro é desanimador e o segundo é revoltante, vejo-me obrigado a voltar ao assunto que me ocupou na última crónica, os efeitos que a morte de George Floyd provocou pelo mundo ainda se continuam a fazer sentir. Dir-me-ão que ainda bem. Concordo quando penso que de facto, é importante combater os abusos da polícia, especialmente contra indivíduos de cor*. Não concordo quando vejo que a pretexto das questões do racismo são trazidas para debate questões que considero absolutamente idiotas. Creio mesmo que estamos a entrar num tal exagero que qualquer dia vamos ser proibidos de usar as palavras branco e preto. Assim, pelas leis da física, e como branco e preto não são cores, preto passará a chamar-se “ausência de luz” e branco “a soma de todas as cores”. Mas não. Não podemos. Pois até esta definição pode vir a ser alvo de crítica, e não é preciso explicar porquê. Terminei a última crónica escrevendo que o racismo existe, não adianta negar, esconder ou tentar disfarçar. E com tanta coisa inexplicável a acontecer creio que se está a caminhar no sentido contrário. Senão vejamos: 

1. A extrema-direita portuguesa, perdão, o partido Chega, faz uma manifestação sob o tema “Portugal não é racista”. Quem o apoia diz ter sido um êxito, quem “não o pode ver” partilhou fotos de André Ventura com a mão esticada, numa clara alusão a Hitler. Eu mantenho-me em casa. Manifestações em altura de pandemia, sejam elas de que quadrante político forem, são uma irresponsabilidade. 

2. A série de animação “Os Simpsons” deixará de ter atores brancos a dar a voz a personagens não brancas. 

3. O Estado do Mississippi decidiu criar uma nova bandeira que não integre o padrão da confederação, memória do período esclavagista. 

4. Os agentes da PSP estão terminantemente proibidos de usar máscaras pretas sob pena de processo disciplinar, em Portugal claro. 

5. No sul de Inglaterra, uma estátua de Robert Baden-Powell, fundador do escutismo, é removida pela autarquia para evitar que seja alvo de militantes antirracistas. 

6. Em Coimbra, estátua semelhante foi vandalizada e ficou sem cabeça. 

7. Em Lisboa, já a estátua do Padre António Vieira tinha sido vandalizada. 

Será necessário tudo isto? Será que as pessoas vão ser menos racistas por deixarem de usar as palavras preto ou negro? Será que a PSP vai ser menos profissional se usar máscaras pretas? Será que este tipo de manifestação com atos recorrentes de vandalismo não tem efeito contrário? Qualquer manifestação deve ser ordeira sob pena de perder a credibilidade. Não podemos afirmar que vivemos numa sociedade civilizada e querer apagar o passado desta forma. Até porque nem adianta, não é possível alterar o passado. Devemos aprender com ele e evitar cometer os mesmos erros. A nossa obrigação é escrever o “presente” e fazê-lo sem a preocupação de querer desculpar o que quer que seja. 


* O autor escreveu “indivíduos de cor” com o único pretexto de contar uma pequena história. Numa conversa, diz um individuo preto a um branco: - Olha lá, tu quando nasces és cor-de-rosa, quando estás ao sol ficas vermelho, quando tens frio ficas azul, quando estás doente ficas amarelo, quando tens medo ficas verde e quando morres ficas cinzento. Porque ousas depois de tudo isto chamar-me “de cor”?

Crónica publicada na edição 390 do Notícias de Coura, 07 de julho de 2020.

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Qualquer vida importa.



Em Portugal, no passado mês de março, três inspetores do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) prenderam um cidadão ucraniano com fita-cola e algemas durante mais de 15 horas numa sala do aeroporto. Esse interrogatório teve como resultado a morte de um homem de 40 anos que vinha para o nosso país para trabalhar na construção civil, e teve a triste ideia de mentir dizendo que era turista. 

Nos EUA, George Floyd foi apanhado pela polícia depois de ser acusado de ter pago um maço de cigarros com dinheiro falso. Detido pela polícia, e após alguma resistência acabou por ser controlado por um polícia que, com o joelho em cima do pescoço, precisou apenas de 9 minutos para lhe acabar com a resistência, apesar dos vários pedidos de socorro da vítima dizendo que não conseguia respirar. 

Estes dois casos têm um denominador comum: o abuso da força por parte das autoridades policiais, ambos condenáveis obviamente. Relativamente ao cadastro de cada uma das vítimas não devemos ter opinião, por um lado por não existir informação relativamente ao cidadão ucraniano, por outro, e mais importante, não é o cadastro criminoso* de George Floyd que justifica a atuação policial. Não devemos chegar ao extremo a que chegou Ron Johnson, um executivo de uma empresa de jogos que afirmou que “George Floyd foi assassinado pelo seu estilo de vida criminoso”. Um outro ponto comum entre estes dois casos foi a detenção dos polícias envolvidos. Esperemos pelos julgamentos. 

O que distingue completamente estes casos foi a reação da população. Nos EUA a população de muitas cidades saiu para a rua, e à boleia dos protestos contra o preconceito racial e a violência policial, incendiaram e saquearam inúmeros estabelecimentos comerciais, destruindo carros e edifícios. Percebe-se a indignação, a causa é mais do que justificável, agora quando vemos centenas de pessoas de sorrisos rasgados a fugir de lojas com produtos roubados… 

Portugal também se juntou aos protestos que ocorreram um pouco por todo o mundo. Lisboa esqueceu durante algumas horas as regras de saúde pública impostas na atual pandemia e aderiu à causa “Black Lives Matter”. Milhares de pessoas, sobretudo jovens, percorreram as ruas da capital gritando palavras de ordem e empunhando cartazes defensores da causa. Num desses cartazes, nas mãos de um jovem “provavelmente inconsciente”, podia ler-se a frase: “Polícia bom é polícia morto”. Talvez o jovem se tenha enganado, queria escrever bandido e enganou-se e escreveu polícia. Se o jovem não se tivesse enganado, eu próprio lhe enviaria um abraço solidário, assim, só me resta desejar-lhe que tenha uma vida pacífica, e que nunca venha a precisar das forças de segurança. Um outro jovem, mais empolgado, gritava cara a cara com um polícia: “Tem vergonha por estares aqui, sou eu que te pago o salário.” É urgente identificar este jovem com este espírito tão bondoso, e importa também informar o Sr. Polícia que não devia aceitar o salário pago por um cidadão comum. Dias depois, muros e estátuas pintadas. E absurdo dos absurdos, escrever a palavra “Descoloniza” na estátua do Padre António Vieira, é mesmo de quem não está atento na escola, ou será que não aprendeu que o Padre António Vieira se destacou como Missionário no Brasil e defendeu os direitos dos povos indígenas combatendo a sua exploração e escravização? 

Escrevo tudo isto num tom irónico, mas revoltado. Envergonha-me ver o meu país aderir a estas causas (a causa merece-o obviamente), e depois esquecerem causas como as crianças que são assassinadas pelos pais, os idosos agredidos e abandonados, e o caso particular de Ihor Homeniuk, um ucraniano que queria vir trabalhar para Portugal. Portugal tem muitas causas internas sobre as quais se pode revoltar e manifestar, provavelmente não lhe trarão tanto mediatismo internacional, mas isso era o que deveria importar menos. O racismo existe, não adianta negar, esconder ou tentar disfarçar. O que me parece é que manifestações destas podem ter um efeito exatamente contrário. 

O título desta crónica esteve para se chamar “Ucranian Lives matter”, mas a tempo alterei para melhor, pois qualquer vida importa. 


* O autor adjetiva o cadastro de George Floyd como criminoso no sentido literal da palavra, “pessoa que já cometeu um crime”. (George Floyd esteve preso 5 anos por assalto à mão armada e invasão de domicílio).

Crónica publicada na edição 389 do Notícias de Coura, 23 de junho de 2020.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Parabéns Notícias de Coura!

Apesar de ter sido escrita em cima do prazo limite de envio, o que já é habitual, desta vez não tenho desculpa na busca de assunto para esta crónica, uma vez que foi o próprio Diretor do jornal a sugerir-ma! Na altura de me lembrar de que este seria mais um fim-de-semana em que uma das minhas obrigações seria a de escrever o meu texto, é-me também lembrado de que, nesta edição, o Notícias de Coura celebra 17 anos. Sem que isso se revele como uma sugestão obrigatória, sou eu próprio que me aproveito da mesma e declaro: “Caro Tinoco, poupa-me ao esforço de pensar noutro assunto, obviamente que vou aproveitar a data para escrever sobre a mesma!” Entretanto, lembro-me agora de outra benesse desta lembrança, as últimas duas crónicas foram escritas num estado de espírito nada aconselhável, tudo o que liberte o autor desse tom, é vantajoso. 

Vamos lá então tentar dar os Parabéns aos 17 anos do Notícias de Coura, jornal que conheço apenas há cerca de 13! 

Cheguei a Paredes de Coura em 2006, não me lembro bem de quando comecei a ler aquele que na altura era “um dos jornais da terra”, mas lembro-me perfeitamente de a certa altura ter lido e não ter gostado. Na altura ainda era um jovem, o coração ainda mandava mais que a razão, e escrevi zangado à redação do Notícias de Coura manifestando a minha indignação sobre o título de uma notícia. Uns dias depois recebo um telefonema do seu Diretor, provando-me certamente a minha falta de razão, mas garantindo-me que o meu texto seria publicado, porque o Notícias de Coura dava sempre voz aos seus leitores, independentemente de falarem bem ou mal do jornal. Na altura ouvi, não esqueci, vim a perceber anos mais tarde o sentido daquelas palavras. 

Uns anos depois recebo um telefonema do Diretor do Jornal convidando-me a ser correspondente do jornal. Na altura nem me lembro bem do que senti, apenas de ter perguntado: - E posso escrever sobre o quê? E lembro-me bem da resposta: - Escreve sobre o que quiser. 

Até hoje, 95 crónicas depois, sempre escrevi o que bem me apeteceu. Como os leitores bem sabem, ando muitas vezes até à última em busca de assunto, mas sempre me salvei, quer por algum talento pessoal, quer muitas vezes por meros acasos que me batem à porta e me “oferecem assuntos” sobre os quais sou capaz de exprimir meia dúzia de opiniões. Muitas das minhas crónicas podem ter conotação política, mas isso nunca foi um inconveniente. Politicamente já tive oportunidade de esclarecer muitas vezes que “não me sinto carneiro de nenhum partido”, sinto-me livre de exprimir a minha opinião seja a favor ou contra que partido for. Lembro-me de em criança andar numa campanha de Cavaco Silva (ainda hoje me apetece bater na criança que fui!), festejei com alegria quando Mário Soares foi eleito Presidente em 1986 (percebi anos mais tarde a razão), fiz 500 km num dia para votar em José Sócrates, 800 km num outro para votar em Mário Soares (embora sem sucesso), e até numas eleições autárquicas em Paredes de Coura votei em 3 partidos políticos diferentes (sabem bem que nestes casos, a pessoa é quem mais importa). Como podem ver, sou um camaleão político, e com direito à sua livre opinião numa página de um jornal. 

E não foram apenas nestas crónicas da “sombra das palavras” que fui um escritor livre, ao longo dos últimos anos tive oportunidade de colaborar com este jornal em assuntos relacionados com a educação e com o teatro. Várias foram as vezes em que me foram confiadas as missões de falar sobre a abertura de vários anos letivos, a municipalização da educação, as atividades daquela que ainda é a minha escola, bem como sobre as peças de teatro do Mais Teatro Amador Courense. Ao longo destes anos vi sempre no Notícias de Coura preocupação em divulgar as atividades culturais da terra. E se mais não divulgam, deixem-me que vos diga, é por nossa culpa. Sempre que houve desejo em publicar notícias sobre educação ou teatro, o Notícias de Coura esteve sempre disponível. 

Esta é a minha crónica número 95, vai sair na edição 388, a primeira saiu na edição 215, em 23 de outubro de 2012. Já são quase 8 anos de um compromisso que muito me honra e satisfaz. Os planos são chegar à 100! Depois, e enquanto acharem que mereço, será um prazer continuar. 

Parabéns a todos quantos tornam possível a existência de um jornal regional durante tantos anos. Obrigado Tinoco por me ter proporcionado esta obrigação, que cumpro com grande satisfação. 

Muitos Parabéns Notícias de Coura!

Crónica publicada na edição 388 do Notícias de Coura, 09 de junho de 2020.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Não há perdão possível

Volto a escrever uma crónica num estado de irritação e revolta nada aconselhável. Alinhavei as primeiras ideias no dia em que a redação do Notícias de Coura me lembrou a necessidade de escrever o artigo. Ordenei as ideias quatro dias depois. Deu para acalmar um bocadinho. 

Valentina, uma menina de 9 anos, morre às mãos do homem que mais a devia amar neste mundo, o Pai. André Ventura, esse fenómeno político amado por tantos, mas odiado talvez por mais, é apelidado de abutre por usar a sua rede social facebook para se promover, escrevendo que “não desistirá da prisão perpétua para monstros que cometem estes crimes”. De facto é um abutre. Podem multiplicar a malvadez do abutre por mil, ou dez mil, para me caraterizarem a mim. Aproveitamento político? Pois é nestas alturas que quem tem algum poder e visibilidade, tem de se fazer ouvir. Quando em 2015 o mundo ficou horrorizado com a imagem de Aylan Kurdi, um menino sírio de 3 anos morto numa praia da Turquia, imensos movimentos políticos se insurgiram contra a tragédia dos refugiados. E bem. Portanto, seja quem for que se insurja hoje contra este tipo de crimes em Portugal, e especialmente contra a leveza das penas máximas aplicadas, insurge-se bem. Sabemos bem que não podemos ter prisão perpétua, muito menos a outra pena máxima que abutres como eu defendem, mas acham mesmo que 25 anos para este tipo de crimes é suficiente? Ainda mais quando sabemos que em Portugal se premeia o bom comportamento de “bandidos e assassinos”, e cumpridos dois terços da pena saem em liberdade”? 

Obviamente que André Ventura não vai conseguir nada com as suas propostas de alteração à lei, consegue apenas fazer-nos ver a bondade de certos quadrantes políticos. É quase caso para perguntar: - E se fosse consigo? Era assim tão compreensiva/o para o assassino? 

Valentina Fonseca será mais uma criança, a juntar a Joana Cipriano, Vanessa Filipa, Daniel Carvalho, Maria João, André Fernandes, David Cabral, Tiago Monteiro, Henrique e Rahael, Ruben e David, Leonor, Henrique Barata, Samira e Viviane… em comum, todos mortos pelos progenitores. Nos últimos cinco anos, 55 crianças foram mortas em Portugal pelos seus progenitores. Em Portugal, leram bem. 

Para piorar a minha indignação, e espero bem que a de muitos outros leitores, leio na comunicação social que o advogado de defesa do “presumível” assassino vem dizer que “algo correu mal naquela casa”, e que o seu cliente é uma “pessoa como nós”. 

Sei bem que todos têm o direito à defesa e também à presunção de inocência, e é obrigação dos advogados fazerem a defesa dos seus clientes o melhor que souberem. Sei bem que nalguns casos, a tarefa dos advogados oficiosos não deve ser nada agradável, mas também sei que nada os obriga a prestar declarações à comunicação social, muito menos considerações deste tipo. Nem vale a pena apelidar este tipo de discurso, mas socorro-me de algo que li numa rede social: se o discurso de André Ventura é nojento, este é muito pior. E por favor, se o advogado tiver razão ao dizer que o seu cliente é “uma pessoa como nós”, caros amigos, se desconfiarem que eu possa ser uma pessoa como ele, mandem-me abater.* 

Vou tentar acabar isto de forma pacífica, tanta raiva e maldade não nos faz bem (e nem sequer resulta). Se a nossa indignação e revolta se puder transformar em “oração” (seja lá isso o que for para crentes ou não crentes), certamente que Valentina descansará em paz, num mundo melhor que queremos que exista. Num mundo melhor que precisamos que exista para melhor suportarmos tudo o que neste nos rodeia. 


* O autor usa a expressão “mandem-me abater” no sentido figurado. O autor não quer de maneira nenhuma os seus amigos condenados por nenhum tipo de crime. Se tal um dia se verificar, chamem-me à razão, mandem-me ler a poesia de Álvaro de Campos, talvez eu encontre o poema, “Se te queres matar”.


Crónica publicada na edição 387 do Notícias de Coura, 26 de maio de 2020.

terça-feira, 19 de maio de 2020

Manifestação vergonhosa

Ainda bem que o 1.º de maio não coincidiu com o envio da minha crónica para a redação do Notícias de Coura. Nesta altura, passados que estão 3 dias, já me encontro relativamente mais calmo, embora ainda me sinta indignado e revoltado com aquilo que se passou no feriado. 
Não está aqui em causa a importância do feriado nem a legitimidade da CGTP em defender os direitos dos trabalhadores, inclusive daqueles que, segundo a mesma, têm visto os seus direitos violados neste difícil momento que o país atravessa. A CGTP, mais do que o dever de defender os trabalhadores, tem essa obrigação, mas não desta forma. 
Aquilo que se passou no dia 1.º de maio em Lisboa foi uma autêntica vergonha para um país que se diz civilizado. Centenas e centenas de pessoas a celebrar um feriado, nalgumas fotografias é visível a “bonita encenação” na colocação dos manifestantes no parque, mas em muitas outras é perfeitamente visível o “forrobodó” que se viveu por aqueles lados. Num fim-de-semana em que era proibido circular entre concelhos, os manifestantes chegaram de camioneta, vindos de concelhos vizinhos, nos transportes cedidos pelos respetivos municípios. E não vale a pena a líder da CGTP vir com conversas de que “foi tudo concertado com as autoridades de saúde”, “as pessoas vinham devidamente afastados nos autocarros”, “havia dispensadores de desinfetante nos autocarros”, “o distanciamento social foi respeitado”, mentiras, um rol de mentiras que nem vale a pena adjetivar, as imagens falam por si. (Dou-me conta neste momento que a raiva está a tomar conta de mim, o teclado do computador está a sofrer com isso, e não querendo correr o risco de utilizar palavras impróprias, vou parar uns minutos, já volto.) … 
Voltei. Fui descansar uns minutos, apanhar um pouco de ar à janela e voltei ao computador. (Nesta altura alguns leitores estão a pensar: “- Lá está ele com esta conversa para ganhar mais meia dúzia de linhas!”) Compreendo a vosso pensamento, é aceitável, mas não é verdade. Sinceramente, fiquei mesmo zangado com tamanha falta de respeito por um país em confinamento. 
Esta gente a assinalar o 1.º de maio, e no resto do país, milhares de profissionais de saúde e de agentes das forças de segurança na linha da frente, expostos ao vírus, semanas a fio sem abraçar os filhos, milhares de pessoas sem poder visitar os seus familiares internados em hospitais e em lares, talvez milhares de pessoas que não se puderam despedir dignamente dos seus familiares e amigos falecidos, e esta gente, com máscaras e bandeiras da CGTP, a “laurear a pevide”. Enfim, uma vergonha, num dos mais agressivos sentidos da palavra, o de ato indecoroso. 
Não queria entrar com questões políticas neste assunto, mas só não vê quem não quiser ver. Rui Rio tem razão quando diz que para o governo “a geringonça goza de estatuto especial.” Tenho pena que assim seja, António Costa tem tido um desempenho excelente, podia bem ver-se livre destas idiotices. Por falar em assuntos sobre os quais o Sr. 1.º Ministro bem se podia livrar, a Senhora Ministra da Saúde, Marta Temido, reagindo a esta polémica, desvalorizou-a, admitindo até celebrações em Fátima. Valha-nos a decisão sensata do Senhor Cardeal D. António Marto ao vir esclarecer que se mantém a “opção dolorosa” de celebrar o 13 de maio sem peregrinos. 
Escrevo esta crónica já em estado de calamidade, (o país, não eu, embora não me sinta muito bem.) Se vejo diferenças? Ainda não, como não saí de casa parece-me tudo na mesma. Amanhã é dia de ir às compras, de máscara, com mil cuidados como sempre tenho feito desde março. Demoro menos tempo no supermercado, fujo das pessoas nos corredores e não perco tempo a comparar os preços, compro o que sempre comprei, mas gasto mais, bem mais. E depois, limpar as mãos, deitar fora as luvas, limpar as embalagens todas com água e lixívia antes de as arrumar, limpar os sacos… enfim, se há efeito que o vírus já me trouxe foi este… Vamos todos ter de reaprender a viver, obviamente que o país não pode parar e não podemos ficar eternamente fechados. E quem é que há dois meses seria capaz de imaginar isto? Quem? Respondam…

Crónica publicada na edição 386 do Notícias de Coura, 12 de maio de 2020.

terça-feira, 5 de maio de 2020

Coisas dispersas

Pior do que não saber sobre o que escrever, é dar voltas e voltas e os únicos assuntos que parecem interessar estão relacionados com o difícil momento que atravessamos. Estive quase a intitular esta crónica de “Obviamente que não vai ficar tudo bem”, mas não vale a pena ser mais uma voz pessimista num momento onde se precisa de esperança. Aliás, nem há essa necessidade, para muita gente já não está tudo bem, e de uma forma geral, todos temos consciência que as coisas nunca mais serão as mesmas. Assim sendo, e despachado que está o primeiro parágrafo, vamos lá tecer algumas considerações sobre coisas dispersas. Um Português que se preze tem sempre opinião sobre tudo e mais alguma coisa! 


Reclusos em liberdade. Acho mal. E acho mal por várias razões. Para começar, não havendo casos de Covid-19 nos estabelecimentos prisionais, creio que estariam mais seguros lá dentro, bastava que se tomassem todas as medidas necessárias para proteger os locais, como se devia ter feito com os lares de idosos e não se fez. Depois, libertaram-se os presos à pressa, durante o fim-de-semana de proibição de viajar para fora dos concelhos. Eles até tinham as autorizações para circular, mas sem transportes públicos e sem possibilidade dos familiares os irem buscar, ficaram “presos” em liberdade. E para terminar este assunto, não me venham com a história que só foram libertados os que estavam doentes ou os bem comportados, que dizer daquele que foi apanhado poucas horas depois em Lisboa numa zona de tráfico de droga? 

Máscaras obrigatórias. Acho bem. Depois de no mês de março não considerar necessário o uso de máscara, a Direção Geral de Saúde vem agora recomendar o uso da mesma em espaços públicos. Não acho que seja suficiente a recomendação, acho que deveria ser obrigatório e bem controlado pelas forças da autoridade o uso das mesmas em todos os espaços onde se juntem duas ou mais pessoas. Numa coisa a Senhora Diretora Geral de Saúde, “O uso da máscara só por si não é suficiente”, mas que ajuda, ajuda. 

Telescola. Independentemente de como esteja a correr, é de louvar o esforço do Ministério e de todos os profissionais envolvidos. Colocar aquilo a funcionar em poucos dias não deve ter sido fácil. Estaria excelente se fosse obrigatória para todos os alunos, mas apenas como recurso esporádico dos professores e a servir para “ocupar” aqueles que não têm computador e Internet, torna-se mais um fator de desigualdade entre os alunos. 

Abertura das Creches. Acho mal. E acho mal porque não acredito que estejam garantidas as condições mínimas para garantir a segurança de todos os envolvidos, crianças, educadores, auxiliares e Pais. Sei bem que pelo que se ouve “as crianças parecem safar-se bem do vírus” mas, e os outros? Irão os Pais ficar descansados ao deixar os filhos nos infantários e irem trabalhar? Sei bem que isto é, nas palavras do Jaime Pacheco, “uma faca de dois legumes”, temos a saúde de um lado e a economia do outro, todos concordamos que a saúde é o mais importante, mas … 

Investigar os Chineses. Acho bem. Donald Trump ignorou os perigos da pandemia, vê-se a braços com milhares de mortos mas nem por isso mantém o registo de dar mais importância à economia e deixar para segundo plano a saúde. Numa coisa ele tem razão, a origem do vírus tem de ser investigada, de preferência por autoridades competentes e independentes, e se a China tiver responsabilidades elas têm de ser apuradas e obviamente que têm de existir consequências. Este vírus surgiu na cidade de Wuhan, onde se situa um laboratório de biotecnologia que trabalha com infeções virais, sendo uma das especialidades desse laboratório o “estudo da forma como os coronavírus se transmitem dos morcegos”. Entretanto, já diversos cientistas afirmaram que de acordo com as informações genéticas estudadas, o vírus tem origem natural. Eu não acredito em bruxas “pero que las hay, las hay”. 

Computadores e Internet para todos. Acho bem. Na noite que escrevo esta crónica leio com satisfação nas redes sociais a notícia de que o Município de Paredes de Coura garantiu condições de igualdade a centenas de alunos, disponibilizando computadores, tablets e internet a todos quantos não tinham. Leio com revolta alguns comentários de gente que afirma, “atenção, só foram emprestados”. Sinceramente, isso é o que menos interessa, o importante neste momento é garantir que todos os alunos têm condições semelhantes de acesso ao ensino. Há gente que quer tudo “dado e arregaçado”, lembra-me aquele provérbio chinês, não basta emprestar a cana de pesca, esta gente quer que lhe pesquem o peixe, o cozinhem, o sirvam à mesa e ainda lhe arrumem a cozinha. Haja paciência. Já em tempos o escrevi, e repito: “Fizesse o Ministério da Educação pelo país, o que o Município de Coura faz pela educação do concelho.” 

Fiquem bem.

Crónica publicada na edição 385 do Notícias de Coura, 28 de abril de 2020.

terça-feira, 14 de abril de 2020

A telescola

Escrevo este artigo ligeiramente fora do prazo que costumo cumprir. A contingência de estar fechado em casa há mais de duas semanas faz com que me falte tempo. Parece um paradoxo mas, quanto mais tempo tenho, menos tempo me sobra. Não é falta de organização, é mesmo o gosto de trabalhar sobre pressão. Um dia vai correr mal, eu sei, mas até lá é um prazer deixar as coisas para o fim e conseguir fazê-las! 
As escolas fecharam duas semanas antes do previsto para a interrupção letiva da Páscoa. Os alunos foram para casa e os professores também. A todos foi pedido que arranjassem forma de manter o contacto com os alunos, enviando tarefas, propondo trabalhos, garantindo que não era quebrado a 100% o contacto com as matérias e os professores. E todos o fizeram (estou obviamente a falar daqueles que dão aulas à minha direção de turma, sobre todos os outros, não sei, nem tenho que saber). Daquilo que se vê publicado em blogues e nas redes sociais, a grande parte dos professores fez o seu trabalho, alguns exageraram (como sempre acontece nestas coisas, há sempre alguns que se armam em heróis), outros provavelmente nada fizeram (como em todas as profissões há sempre quem nos envergonhe), outros foram comprar computadores e ligações à Internet para continuar o trabalho (há neste grupo os preocupados e os idiotas) e por fim, há alguns que continuam desligados, não têm computador em casa, não têm Internet, e vão lançando as avaliações por telefone, nalguns casos, telefone fixo. E perguntam alguns, mas que raio de professor é que hoje em dia não tem computador e Internet em casa!? Alguns, respondo eu. Mesmo sendo um instrumento de trabalho fundamental, nada “nos” obriga a tê-lo em casa, no local de trabalho sim. 
Voltando à realidade, a situação piora de dia para dia, sabemos agora que a nossa curva epidemiológica poderá não atingir os picos assustadores de Espanha e Itália, mas vai certamente ter milhares de infetados e centenas de mortos, será uma curva prolongada no tempo, só atingirá o pico nos finais de maio e provavelmente estaremos em quarentena até junho. Ora, se nós sabemos isto, o governo sabe muito mais, e é aqui que o Ministério da Educação já devia ter tomado algumas medidas, pois sabe muito bem que o 3.º período vai ser completamente atípico. Aproveito esta minha crónica para partilhar com os leitores algumas ideias, talvez algum dos meus leitores conheça o Sr. Ministro Tiago Brandão Rodrigues e lhas faça chegar. 

1. As provas de aferição já deviam ter sido anuladas. Não têm influência na avaliação nem na aprendizagem dos alunos, até agora ainda nunca foram dadas as conhecer as vantagens da sua existência, estão à espera de quê? 

2. Deviam ter pensado em tempo útil que talvez fosse sensato dar orientações aos professores para que a avaliação final do 2.º período fosse considerada a final do ano. Muitos de nós já tiveram essa sensibilidade. Ainda assim, há alunos que neste momento estão em condições de reprovar, alguns deles sem condição nenhuma de frequentar um 3.º período online, e pergunto eu: - Vão reprovar? Quem nos garante que se o 3.º período fosse “normal” não seriam aprovados? Pois bem, preparem-se para o fazer por decreto. 

3. Sobre as orientações utópicas que o Ministério tem partilhado, por favor, tentem conhecer a realidade e parem de escrever documentos bonitos, mas irreais. Não são apenas 5% os alunos que não têm computador e internet. E não se esqueçam que em muitos casos até há um ou dois computadores em casa, mas há pais em teletrabalho, e por vezes duas crianças em idade escolar. Acham mesmo que há possibilidade para imaginar um 3.º período normal? 

4. Telescola. Pois bem, parece-me até aqui uma das soluções mais sensatas e provavelmente aquela que tem mais condições de garantir uma igualdade no acesso a todos alunos. Mas em sinal aberto, ou será que pensam que toda a gente tem TV cabo!?

Para terminar, não estou a ser nenhum “Velho do Restelo”, até porque não sou grande especialista em Camões. É uma boa altura para a escola e toda a comunidade envolvida se reinventar, adaptar-se a novas formas de trabalhar, com novas ferramentas e em diferentes contextos. Mas não o façam de forma obrigatória, enquanto houver uma criança sem condições, não o façam. Eu sei que não é fácil ser político nestas alturas, mas é nestas alturas que o país precisa que sejam competentes e corajosos. Não estão nos cargos por obrigação. Mostrem aquilo que muitas vezes dizem, que estão nos cargos para servir a nação. 

Fiquem bem, todos.

Crónica publicada na edição 384 do Notícias de Coura, 06 de abril de 2020.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Fechados

Assim estamos, fechados. Alguns de nós, muitos não o podem fazer, há trabalhos que simplesmente não se podem parar, quer seja pela sua importância (médicos, enfermeiros, forças de segurança), quer seja pelo facto de ser a única fonte de rendimento que muitas pessoas têm. 
Escrevo esta crónica no meu 4.º dia de clausura, após o anúncio por parte do 1.º Ministro António Costa de uma série de medidas para travar o avanço da Covid-19. Gostei de o ouvir, mas devia ter ido um “poucochinho” mais longe, e devia tê-lo feito há mais tempo. Estar fechado em casa não é para mim um grande sacrifício, mas ainda que o fosse, a minha obrigação é cumprir. Hoje é o dia em que ocorreu a primeira morte em Portugal provocada pela Covid-19. Ontem tive oportunidade de ouvir uma entrevista de um médico que afirmava que a situação é muito mais grave do que aquilo que se ouve na comunicação social. Afirmou que as pessoas podiam esquecer o europeu de futebol e os jogos olímpicos, e que este ano não haveria mais escola para ninguém. A situação está a entrar numa fase em que já não interessa saber a origem da infecção, já se perdeu o controlo à expansão da doença, devemos ficar em casa, tratar os sintomas e só mesmo em último caso ir às urgências. O Serviço Nacional de Saúde poderá entrar em colapso em poucos dias, e com a falta de ventiladores caberá aos médicos “escolher” quem salvar. São momentos terríveis os que vivemos, e ainda há dois meses a Diretora Geral de Saúde, Graça Freitas, declarava que “não havia grande probabilidade de chegar um vírus destes a Portugal”. Ainda hoje, Marta Temido, Ministra da Saúde, apelou aos portugueses que reflictam sobre os seus comportamentos, e bem. Não esteve bem quando os mandou trabalhar, lembrando que “os Ingleses também não deixaram de trabalhar quando estavam a ser bombardeados na 2.ª guerra mundial”. Obviamente que a Senhora está a fazer o melhor que sabe e pode, mas é em situações destas que se exigem ministros com experiência e sentido de Estado, infelizmente são poucos neste executivo. 
Entretanto, o Senhor Presidente da República voltou a dar sinal de vida. Afirmou ter estado a acompanhar a situação minuto a minuto e declarou que vai reunir o Conselho de Estado para daí a 3 dias. Neste país nunca nada é para já, nem numa situação destas. Decide-se numa quinta-feira o fecho das escolas, mas só para segunda-feira. A Assembleia da República tem de reunir para aprovar a dispensa do visto do Tribunal de Contas para a compra de material médico urgente (máscaras, luvas, ventiladores), decide-se ao sábado, marca-se o plenário para quarta-feira. O Presidente da República tem de reunir o Conselho de Estado para a hipótese de se declarar o estado de emergência, sabe-se no domingo que só acontecerá na quarta-feira. “É para amanhã, deixa lá não faças hoje, que amanhã tudo se há-de arranjar.”
No dia em que escrevo esta crónica, Portugal tem 331 casos confirmados, 1 morte, 3 recuperados e 2908 casos suspeitos. Quando daqui a uma semana o jornal vos chegar às mãos estes números serão superiores, muito superiores. 
Não sei o que aí vem. Mas sinto medo, não especialmente por mim mas principalmente pelos que me são mais queridos. Portugal vai passar por dificuldades, e muitas, a situação que enfrentamos exige de todos uma atitude de responsabilidade e respeito, por nós e pelos outros. Este vírus coloca em perigo qualquer um, independentemente da raça, do estatuto ou da riqueza, todos estamos expostos, para ele, somos mesmo todos iguais.

Sejamos iguais na luta.

Crónica publicada na edição 383 do Notícias de Coura, 24 de março de 2020.

terça-feira, 17 de março de 2020

O aeroporto

Escolher o tema para a presente crónica foi relativamente fácil. Ainda estive para falar no desalento de Vitalino Canas, que depois de afirmar estar a preparar-se há 40 anos para ir para o Tribunal Constitucional, viu o seu nome ser chumbado pela Assembleia da República, e pior, nem sequer teve os votos dos deputados do seu partido. Também me ocorreu falar da “tragédia” que se abateu sobre as equipas portuguesas de futebol na Liga  Europa, quatro equipas em competição, todas eliminadas. Assim se vê o “tamanho” do nosso futebol na europa, cá dentro é que todos lhe dão demasiada importância. Descartados estes dois temas, resta-me falar do Aeroporto.

Há anos que se fala na necessidade de Lisboa ver alargada a sua capacidade em receber voos de todo o mundo. O Aeroporto Humberto Delgado está há anos esgotado, embora esteja quase sempre em obras de alargamento não consegue responder às necessidades turísticas que o país enfrenta. (Digo o país mas, é Lisboa e pouco mais). Já se fizeram muitos estudos sobre a localização ideal de um novo aeroporto que possa servir de apoio à capital, os interesses envolvidos são imensos, e cada um, quer seja município, empresa, político, apresenta os argumentos que bem entende para defender a sua posição.
A opção do Montijo foi “obra” lançada pelo governo de Pedro Passos Coelho. Nessa altura, houve a preocupação de tentar chegar a um acordo com as câmaras municipais da margem sul. Tal não se concretizou pois as câmaras socialistas recusaram assumir um compromisso antes das eleições legislativas.
Já no governo de António Costa, o projecto é abraçado e visto como a única alternativa. A oito de janeiro de 2019 a ANA-Aeroportos de Portugal e o Estado assinam o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, num investimento de 1,15 mil milhões de euros, e onde se inclui a abertura do Aeroporto do Montijo à aviação civil. Houve quem estranhasse como podia o Estado assinar um compromisso desta magnitude sem saber o resultado do Estudo de Impacto Ambiental, obrigatório neste tipo de obras. Mas que assinou, assinou. O referido estudo só passados seis meses foi publicado e colocado para consulta pública. A 30 de Outubro, a APA-Agência Portuguesa do Ambiente deu parecer favorável condicionado ao novo aeroporto, mediante um conjunto de contrapartidas com valores que rondam os 50 milhões de euros. Enfim, tudo a correr bem ao governo, o palpite de que o estudo de impacto ambiental seria favorável foi certeiro!
Será que é desta? Pois, parece que entretanto há um outro pequeno problema. Parece que há uma lei que obriga a que todos os municípios estejam de acordo com a construção do aeroporto, e das 10 câmaras que deram o seu parecer, 4 são a favor (Montijo, Barreiro, Alcochete e Almada) e 6 são contra (Moita, Seixal, Sesimbra, Benavente, Palmela e Setúbal).* Que chatice. O Ministro Pedro Nuno Santos afirma que a lei é obsoleta e “estúpida”, e portanto, tem de se mudar. Segundo o Sr. Ministro, um município não pode condicionar a interesse do país. Mas agora pergunto eu, então se o que está em causa é o interesse do país, por que razão não se ouvem todos os municípios do país? Isto de se querer mudar a lei para satisfazer um projecto em particular parece-me uma coisa muito pouco democrática. E tudo isto, porque a geringonça se zangou, BE e PCP não estão dispostos a votar a favor da alteração da lei, e o PSD também não. Pois… é que o PS estava a contar com os votos a favor do PSD, afinal, o PSD até concorda com a solução do Montijo. Mas sob o voto do PSD, eu só acredito, quando vir. Na verdade, eu “aposto” que o PS vai conseguir arranjar forma de dar a volta à situação, afinal, António Costa já provou ser o político mais habilidoso de que há memória. Ainda assim, tem de ter cuidado com a “criatividade” dos Secretários de Estado que o rodeiam. Alberto Souto de Miranda, Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, escreveu num artigo de opinião afirmando que não há novos aeroportos sem impactos ambientais, que os pássaros do Montijo não são estúpidos e que se vão adaptar, e que os caranguejos não se vão “safar” por serem lentos mas também não há problema pois não estão em vias de extinção. A qualidade deste tipo de discurso está ao nível das melhores piadas do humorista Ricardo Araújo Pereira!

* Informação da SIC.

Crónica publicada na edição 382 do Notícias de Coura, 10 de março de 2020.