quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O perigo da Cidadania.

A polémica instalou-se há uns tempos quando se soube que dois alunos de Famalicão tinham reprovado pois chumbaram na disciplina de Cidadania. História mal contada. Segundo informação recolhida nalguns meios de comunicação social o que se passou foi que as duas crianças chumbaram por faltas à disciplina. E porquê? Porque os pais não permitiram que frequentassem a mesma alegando “objeção de consciência”. E quando confrontados pela escola para a necessidade das crianças elaborarem tarefas de recuperação para dessa forma as faltas serem justificadas, recusaram. 

Algum tempo depois várias personalidades do nosso país subscreveram um manifesto contestando a existência dessa disciplina, defendendo que a mesma não pode ser obrigatória e que os pais têm direito à objeção de consciência. Se formos por este caminho vamos encontrar justificações para “livrar” as crianças de qualquer disciplina que não se queira frequentar. Ainda há pouco tempo li numa revista que “Einstein” escreveu no seu diário anotações xenófobas sobre o povo chinês, descrevendo-os como pessoas imundas e obtusas! Soubesse eu disto quando andava na escola e tinha-me recusado a aprender coisas como a “Teoria da Relatividade”.

Como Professor, e já tendo lecionado esta disciplina, não consigo perceber de que tem medo esta gente, por mais voltas que dê aos conteúdos, não consigo vislumbrar o perigo. Discutir assuntos como os direitos humanos, a sustentabilidade ambiental, a interculturalidade, a segurança rodoviária, a sexualidade ou a igualdade de género é extremamente importante nos tempos que vivemos. Nesta disciplina ninguém “chumba” por não saber, nesta disciplina discute-se, argumenta-se, exemplifica-se e cada um sustenta a sua opinião de acordo com um conjunto de princípios e valores que lhes está incutido, ou deveria estar. Quando se vai buscar a Constituição para acenar com liberdade de escolha, é importante lembrar que também lá estão as temáticas do respeito pelos direitos humanos, aliás, muitos das temáticas da disciplina estão na nossa Constituição. Richard Zimler escreveu a este propósito que "Tenho muito medo de jovens incultos mas não tenho medo de jovens instruídos", acrescentando também que a Cidadania, e tudo o que dela faz parte, é tão importante como a Matemática ou a Geografia. Lembro-me de há uns anos, em Coura, uma Encarregada de Educação me dizer: “Sabe Professor, fico feliz por a minha filha ter boas notas, mas fico muito mais feliz por ela ser uma criança educada e respeitadora”. E de facto era. E porquê? Porque tinha a melhor das escolas, a que trazia de casa.

Apetece-me dizer que aqueles pais de Famalicão devem ter pouca confiança nos valores que transmitiram aos seus filhos, só dessa forma se compreende o receio que têm daquilo que se discute na disciplina de Cidadania.

Entretanto li algures (e por mais que procure não encontro), que o Secretário de Estado da Educação tinha dado indicações para que as crianças progridam de ano, enquanto não é conhecida a decisão do Tribunal. Embora não concorde, creio que é uma bela lição de cidadania.


Para terminar, umas palavras para o estado do país: os novos casos de covid-19 sobem de dia para dia, a abertura das escolas vai certamente exponenciar estes números; o Sr. 1.º Ministro resolveu integrar a comissão de honra de um candidato a presidente de um clube de futebol que está nas “mãos” da justiça, os candidatos presidenciais voltam a aparecer quase como “cogumelos”; o futebol está de volta, mas “às ordens” daquilo que o covid-19 permite… enfim, tenho aqui assuntos suficientes para as próximas crónicas.



Crónica publicada na edição 394 do Notícias de Coura, 22 de setembro de 2020.

100!

E de repente, chegou a minha crónica número 100! Quando em 2012 escrevi a primeira nunca me passou pela cabeça chegar a este número. Na verdade não me passou pela cabeça nem este número nem outro qualquer, fui escrevendo ao longo dos anos e só de há uns meses para cá comecei a perceber que estava a chegar a um número histórico! Sente-se uma estranha felicidade em perceber que, melhor ou pior, conseguimos cumprir um compromisso e escrever sempre sobre alguma coisa. E tal como já tinha planeado há uns tempos, e como não há nenhum tema atual que me faça escrever sem me aborrecer, vou aproveitar esta crónica para recordar alguns dos temas sobre os quais me ocupei, alguns deles escritos de forma zangada e indignada, outros escritos com uma satisfação tão grande que dificilmente as palavras foram capazes de a transmitir. 
Na minha primeira crónica escrevi sobre tudo e nada, consegui entreter os leitores escrevendo sobre nenhum assunto em concreto. Já em 2013, lembro-me dos textos que escrevi sobre a ameaça que pairava sobre Coura, o Festival, uma ameaça fantástica que coloca o nome da terra no mundo; escrevi ainda sobre “Beethoven em Coura”, ou a fantástica ideia das crianças Courenses aprenderem música, “a sério”, desde pequeninos. Já em 2014 dediquei uma crónica à partida do Rei Eusébio, espantei-me com a “nova biblioteca itinerante” quando o Município se lembrou de, além de emprestar livros, emprestar também placas de acesso à Internet! Ainda nesse ano, zanguei-me com a escola pública por formar alunos todos da mesma forma, centrando-se anos a fio na primazia do Português e da Matemática. 2015 foi um ano que me encheu de alegria quando li neste jornal que a minha escola ia sofrer obras de remodelação, foi um ano em que um evento chamado “Mundo ao Contrário” começou a tornar-se um dos postais de visita de Coura. Terminei o ano com uma crónica sobre “A terra mais bonita do Mundo”, escrevendo algo que ainda hoje sinto, as terras por si só pouco valem, aquilo que as enriquece são as pessoas que lá conhecemos. Coura será sempre para mim, uma das terras mais bonitas do mundo! Em 2016 ironizei com a quantidade de candidatos à Presidência da República Portuguesa e com a votação para a destituição de Dilma Rousseff no Brasil. Vibrei com a vitória da seleção Portuguesa de Futebol no Europeu e com os Coura All Stars, esse “bando” de crianças Courenses que abriu a edição do melhor festival do mundo, e que me fez ir a esse festival pela primeira vez! Ainda os consigo ouvir… e sentir a brisa fresca do Tabuão! Comecei em 2017 por agradecer àquele que ainda hoje é para mim o Sr. Presidente, Mário Soares deixou o país triste, como talvez nenhum político volte a deixar. Escrevi ainda sobre uma estranha Universidade idealizada por um Senhor do Teatro, a Universidade Invisível, uma das loucas ideias de João Pedro Vaz, um senhor que semeou teatro no Vale do Minho. Ainda hoje por lá andam em digressão um grupo de “criaturas” inesquecíveis, chamam-lhe as “Comédias do Minho”, não há quem não os conheça. O ano de 2018 não foi muito rico nas crónicas que escrevi, vejo agora que dediquei tempo demais a assuntos políticos. Nem mesmo a crónica sobre o ex-Presidente do Sporting salva esse ano. Se tivesse de escolher apenas uma, seria aquela que dediquei ao “direito à vida”, e à sempre pertinente questão da eutanásia. Foi um ano tão pobre que o meu primeiro texto de 2019 chamou-se “2018… para esquecer”! Foi um ano mais divertido, voltei a irritar-me com as decisões de alguns juízes bem como com o atrevimento de Joe Berardo quando foi ouvido na comissão de inquérito na Assembleia da República. Terminei o ano a agradecer ao Mister Jorge Jesus ter ganho um troféu do outro lado do mundo! 2020 ainda não acabou e os assuntos já são tantos que nem me apetece escolher. Voltei a escrever sobre a questão da vida não ser uma obrigação, sobre a telescola e o nosso sofrível confinamento, indignei-me com os crimes que continuam a ser cometidos sobre crianças e os seus brandos e inadmissíveis castigos e já dediquei dois textos às questões do racismo que incendeiam o mundo nos últimos tempos. A crónica mais alegre foi talvez aquela em que dei os Parabéns ao “Notícias de Coura”! 
E assim termino a crónica número 100. Prometo só voltar a relembrar os meus próprios textos daqui a outras 100 crónicas. Assim eu tenha saúde para as escrever, e os leitores paciência para as ler! 

Crónica publicada na edição 393 do Notícias de Coura, 8 de setembro de 2020.