terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Adeus ao REI

No passado dia 5 de janeiro Portugal acordou com a notícia da morte de Eusébio. O Rei tinha dado o último suspiro. Por vezes, nestas ocasiões ouvimos dizer que no fim, a morte acaba sempre por vencer. No caso de Eusébio, a morte jamais vencerá, pois a memória dele perdurará por certo para a toda a eternidade, e a história do nosso país jamais poderá ser escrita sem uma referência ao seu nome.
São decretados três dias de luto nacional, o país rende-se em homenagens sentidas e justas, a estátua de Eusébio é coberta de cachecóis de vários clubes, até dos rivais, numa demonstração da admiração e respeito que todos lhe tinham. E terão.
Eis senão quando, somos surpreendidos por dois testemunhos que nem sequer me arrisco a chamar de inoportunos ou infelizes, são de tal maneira lamentáveis, que me atrevo a classificá-los de ridículos. Naturalmente não vou referir os nomes dos seus autores, numa crónica com o nome de Eusébio, mais nenhum nome deverá ser referenciado.
Pouco depois da morte do Rei, as vozes multiplicaram-se sobre a ida do seu corpo para o Panteão Nacional (o local onde repousam os restos mortais de grandes figuras da nossa história). E então, quando a nação já assume que isso irá decerto acontecer, alguém nos alerta, afirmando que é necessário refletir bem, “pois há custos elevados, mesmo muito elevados, na ordem de centenas de milhares de euros.” Mais tarde, o gabinete da citada veio revelar que a última trasladação para o Panteão Nacional, a de Amália Rodrigues, rondou os 45.000€. Se tais afirmações fossem proferidas por alguém que recebe o salário mínimo nacional, ou por um dos milhares de pensionistas do país, eu até compreendia, mas proferias por uma das mais importantes figuras da nação, alguém que se reformou aos 42 anos, com uma pensão superior a 7000 €, por 10 anos de trabalho é, no mínimo, uma ofensa.
Pouco mais tarde, ainda não refeitos de tão despropositadas palavras, somos surpreendidos novamente. Desta vez, a minha indignação deu lugar à tristeza, por serem feitas por alguém por quem até tenho muita estima, não fosse ele um daqueles que sempre lutou pelo país livre que “ainda” hoje temos. “Eusébio era um homem bom, com pouca cultura”, e pior ainda “sabia que bebia muito whiskey, todos os dias, de manhã e à tarde”.
Mas afinal, o que é a cultura?! Édouard Herriot, político francês, disse um dia que “cultura é tudo aquilo que fica, depois de se esquecer tudo o que se aprendeu”. Eusébio, sendo um homem simples e bom, era um exemplo para um povo, um exemplo de humildade e de grandeza. A prova disto está patente da imagem que todos conhecem, Eusébio em lágrimas, a sair do terreno de jogo, após a derrota da sua seleção, a nossa seleção.
Dentro de algum tempo, Eusébio irá juntar-se a Amália Rodrigues no Panteão Nacional, mas não é isso que os torna eternos. Se um dia estiverem num país longínquo e vos perguntarem de onde são, e perante a vossa resposta surgir desconhecimento, experimentem proferir o nome de um deles (e também daquele que acaba de ser há uns minutos coroado como o melhor do mundo*), e verão quem são aqueles que merecem o reconhecimento e a admiração do povo.

* Como já depreenderam, esta crónica foi escrita durante a gala da FIFA, dia 13 de janeiro,  o dia limite para o envio desta crónica para a redação do Notícias de Coura, o que vai deixar o Diretor aflito com a minha mania de trabalhar a “queimar” os prazos.

Crónica publicada na edição 241 do Notícias de Coura, 21 de janeiro de 2014.