Ainda não é
desta que faço uso deste meu espaço publico, para dizer o que me vai na alma
como professor, fruto do tratamento que temos tido deste governo. A seu tempo…
Passei as duas
últimas semanas a corrigir trabalhos dos meus alunos dos sétimos e oitavos anos.
Foi-lhes proposto a realização de um powerpoint sobre um escritor de língua
portuguesa. No guião entregue pelo professor estava tudo o que tinham de fazer,
“pontinho por pontinho”, tal e qual uma receita culinária! Não será preciso
dizer que muitos deles não leram as instruções, se fosse mesmo uma receita
muitos dos pratos não teriam alguns dos ingredientes, alguns provavelmente
ficariam crus e outros seriam de sabor impossível de descrever!
Mas vamos aos
trabalhos propriamente ditos! As notas não foram boas (como deveriam ser), mas
também não foram muito más! As horas e horas passadas a corrigir ficaram mais
leves de suportar com as “coisas engraçadas”, que iam aparecendo! Aqui deixo
algumas delas:
Numa introdução
leio: “Neste trabalho vou falar do António Gedeão.” De quem?! DO António Gedeão?! Mas o António
Gedeão é teu colega ou quê?! Não é assim que se faz. Olha como fez um colega
teu: “Neste trabalho vou falar do Senhor Almeida Garrett.” Bem melhor!
Num outro
trabalho, também sobre António Gedeão, o aluno escolhe para abordar uma obra do
autor, o poema “Pedra filosofal”. Excelente escolha (embora indicada pelo
professor!). Agora vais à internet e arranjas uma imagem para ilustrar o poema.
E o que é que me aparece?! Uma imagem do livro “Harry Potter e a Pedra
Filosofal”! Alguém anda mesmo distraído…
Noutra
introdução leio: “Eu pela cara parece-me que já o conhecia…”. Ainda bem que não
me fez mais nenhuma consideração com base na cara do escritor. (Eu próprio quando
olho para o Miguel Sousa Tavares parece-me sempre um jornalista que odeia
professores, no entanto, é um escritor fabuloso!).
Numa conclusão
leio: “Com a elaboração deste trabalho aprendi a dar mais importância áquilo
que realmente interessa e ajudar sempre os outros”. Se o trabalho fosse sobre o
escritor Paulo Coelho eu percebia, mas assim torna-se difícil! Eu sei que “o
importante é ter saúde”, mas não exageremos!
No último
diapositivo (última folha para quem não estiver familiarizado com o
powerpoint), os alunos tinham de colocar a Webgrafia, isto é, os sites que consultaram
para a realização do mesmo. O mais despachado de todos escreve apenas: “Fui à
Wikipédia.” Se escrevesse apenas “Fui à Internet”, era bem mais difícil para
mim comprovar as suas pesquisas!
Para terminar, o
mais hilariante de todos! Num trabalho sobre Cesário Verde, na parte em que o
aluno tinha de falar de uma das suas obras, leio: “Cesario Verde est né en 1855
et mort de la tuberculose en 1886. Il est unanimemente…”. Espera lá! Isto está
em francês! Não posso crer! Já me tinham aparecido trabalhos com partes em
espanhol, mas em francês é a primeira vez! Calma rapaz… quando apresentares a
tese de doutoramento terás de o fazer em duas línguas, mas para já chega
perfeitamente o português!
Não me rio dos
alunos. Rio-me com eles. Mostro-lhes estas “habilidades” não para os ridicularizar, mas para que não voltem a cometer os mesmos erros, e para que tenham
consciência que muitas das falhas são por pura distração e falta de interesse,
fazem por fazer, escrevem as frases e nem sequer têm o cuidado de as ler e
pensar se fazem sentido. Já não me rio quando lhes digo que alunos do sétimo e
oitavo ano tinham obrigação de saber escrever melhor, muito melhor. As causas
dariam para escrever outra crónica, mas uma frase basta: Para saber escrever, é
preciso ler… ler muito.
Como podem ver,
ser professor é “bué” divertido! Será?! Lembro-me agora que se aproximam as
reuniões de avaliação do 2.º período. Tenho 17 turmas, 312 alunos, para cada um
é preciso lançar 5 elementos de avaliação… mais de 1500 registos! “Oh
Professor… deixe lá isso! Prá semana vai ter 17 reuniões de avaliação, mas
depois tem 15 dias de férias! Ah, e ganha 2000 euros por mês por isso não se
queixe!” Um dia usarei uma das minhas crónicas para provar por A+B que tudo
isto é falso.
* O autor
colocou a palavra bué entre aspas
por considerar que, embora constando dos dicionários, não faz parte do seu
dicionário pessoal.
Crónica publicada na edição 361 do Notícias de Coura, 9 de abril de 2019.