terça-feira, 28 de julho de 2020

Está Bem!

Desta vez resolvi brincar com um dos títulos mais curiosos deste nosso jornal. Como os leitores bem sabem, a última página do Notícias de Coura intitula-se quase sempre “Está mal”, e nela os leitores têm a oportunidade de ver “coisas” menos boas da terra. A curiosidade dos leitores é sempre mais espevitada com coisas que estão mal do que o contrário, mas não me parece que seja esse o objetivo, chamar a atenção de alguns problemas é muitas vezes a melhor forma de os resolver. E funciona quase sempre. Nós que vivemos num século em que as coisas se conhecem no momento em que estão a acontecer, que temos acesso às redes sociais que espalham as notícias à velocidade da luz, já tivemos por certo experiências de partilhar problemas e de os ver resolvidos pouco tempo depois. Lembro-me de em tempos, quando vivia em Coura, me aperceber que não tinha iluminação pública junto a casa há uns dias. Partilhei a escuridão da minha rua, e mesmo com pouca luz, a informação chegou a quem o conseguiu resolver o problema em pouco tempo. Alguns dirão que estas são as vantagens de se viver nos meios pequenos, têm razão, mas mais importante, são as vantagens de quem “governa” os meios pequenos se importar com aqueles que os elegeram. Vem esta conversa a respeito de algumas das notícias que li, primeiro no Facebook e depois nalguma comunicação regional de que “A câmara municipal ia dar 200 euros aos comerciantes para os apoiar na compra de materiais de proteção e de forma a responderem aos requisitos de segurança impostos pelas autoridades de saúde”. Mas que excelente iniciativa pensei. Em nenhum momento fiquei admirado, ficaria era se visse iniciativas destas acontecer um pouco por todo o país. Ver uma autarquia esforçar-se por apoiar os agentes económicos e dessa forma tentar mitigar os prejuízos causados pela atual pandemia do Covid-19, devia ser “o pão-nosso de cada dia”, devia ser uma obrigação de todas as autarquias do país. Além deste apoio, a autarquia implementou também uma medida de apoio “aos munícipes em situação de vulnerabilidade económica originada ou agravada em contexto da pandemia.” Este apoio seria dado através de vales de compras destinados “à aquisição de bens de primeira necessidade a serem descontados na rede de estabelecimentos protocolada com o Município.” Ora mais uma excelente iniciativa, além de apoiar quem mais precisa, é apoiado o comércio local. Até aqui este assunto não teria motivos para me levar a escrever uma crónica, mas eis senão quando, algures numa rede social, leio alguém indignado que comenta: “A Câmara Municipal está a dar estes apoios mas é preciso preencher uma quantidade de papéis.” Mas que grande chatice pensei. Queres ver que agora as empresas que pretendem beneficiar do apoio vão ter de comprovar que não têm dívidas ao fisco ou à segurança social? Ou que o volume de negócios é inferior a uns milhares de euros? Queres ver que agora que as famílias carenciadas têm de comprovar os rendimentos, ou melhor, a falta deles? Mas que grande burocracia pensei! Julgava que era só telefonar, dar o nome e depois ir buscar o cheque. Já me estava a ver a caminho de Coura para levantar o meu vale de compras e “estourá-lo” no comércio local, comer uma bela truta, e vir carregado de biscoitos de milho! Oh meus amigos, sabemos bem que as burocracias são coisas aborrecidas, mas é talvez a melhor forma de garantir que os apoios não vão parar às mãos erradas. Temos milhares de exemplos no nosso país onde a falta deste tipo de obrigações, aliada à “vigarice” de muitos gestores, levou empresas à banca rota, e onde o setor bancário é o exemplo perfeito do pior que pode acontecer. 

Desta minha indignação resulta portanto o título desta crónica. Está bem! Está mesmo muito bem! Está muito bem ajudar quem de facto precisa, e com a ajuda a uns, ajudar outros. E está bem porque é essa a obrigação de quem governa: ajudar as suas gentes. 


* Como gosto muito de notas de rodapé, não resisto a fazer a mais uma. Aconselho os leitores a não terem o atrevimento de ler esta minha crónica e ver nela um elogio político com segundas ou terceiras intenções. O autor não tem, nem nunca teve ambições políticas. O autor falará bem quando achar que o deve fazer e criticará quando tal se justificar. Sempre assim tem sido. E acreditem que é bem mais fácil criticar, do que fazer o contrário. 


Crónica publicada na edição 391 do Notícias de Coura, 21 de julho de 2020.

terça-feira, 14 de julho de 2020

Porque me chamas “de cor”?

Estive a tarde toda à procura de assunto para esta crónica. Encontrei dois temas que me podiam salvar: o agravamento dos números do Covid-19 em Portugal e os milhões de euros que o Estado Português está prestes a “enterrar” na TAP. Como o primeiro é desanimador e o segundo é revoltante, vejo-me obrigado a voltar ao assunto que me ocupou na última crónica, os efeitos que a morte de George Floyd provocou pelo mundo ainda se continuam a fazer sentir. Dir-me-ão que ainda bem. Concordo quando penso que de facto, é importante combater os abusos da polícia, especialmente contra indivíduos de cor*. Não concordo quando vejo que a pretexto das questões do racismo são trazidas para debate questões que considero absolutamente idiotas. Creio mesmo que estamos a entrar num tal exagero que qualquer dia vamos ser proibidos de usar as palavras branco e preto. Assim, pelas leis da física, e como branco e preto não são cores, preto passará a chamar-se “ausência de luz” e branco “a soma de todas as cores”. Mas não. Não podemos. Pois até esta definição pode vir a ser alvo de crítica, e não é preciso explicar porquê. Terminei a última crónica escrevendo que o racismo existe, não adianta negar, esconder ou tentar disfarçar. E com tanta coisa inexplicável a acontecer creio que se está a caminhar no sentido contrário. Senão vejamos: 

1. A extrema-direita portuguesa, perdão, o partido Chega, faz uma manifestação sob o tema “Portugal não é racista”. Quem o apoia diz ter sido um êxito, quem “não o pode ver” partilhou fotos de André Ventura com a mão esticada, numa clara alusão a Hitler. Eu mantenho-me em casa. Manifestações em altura de pandemia, sejam elas de que quadrante político forem, são uma irresponsabilidade. 

2. A série de animação “Os Simpsons” deixará de ter atores brancos a dar a voz a personagens não brancas. 

3. O Estado do Mississippi decidiu criar uma nova bandeira que não integre o padrão da confederação, memória do período esclavagista. 

4. Os agentes da PSP estão terminantemente proibidos de usar máscaras pretas sob pena de processo disciplinar, em Portugal claro. 

5. No sul de Inglaterra, uma estátua de Robert Baden-Powell, fundador do escutismo, é removida pela autarquia para evitar que seja alvo de militantes antirracistas. 

6. Em Coimbra, estátua semelhante foi vandalizada e ficou sem cabeça. 

7. Em Lisboa, já a estátua do Padre António Vieira tinha sido vandalizada. 

Será necessário tudo isto? Será que as pessoas vão ser menos racistas por deixarem de usar as palavras preto ou negro? Será que a PSP vai ser menos profissional se usar máscaras pretas? Será que este tipo de manifestação com atos recorrentes de vandalismo não tem efeito contrário? Qualquer manifestação deve ser ordeira sob pena de perder a credibilidade. Não podemos afirmar que vivemos numa sociedade civilizada e querer apagar o passado desta forma. Até porque nem adianta, não é possível alterar o passado. Devemos aprender com ele e evitar cometer os mesmos erros. A nossa obrigação é escrever o “presente” e fazê-lo sem a preocupação de querer desculpar o que quer que seja. 


* O autor escreveu “indivíduos de cor” com o único pretexto de contar uma pequena história. Numa conversa, diz um individuo preto a um branco: - Olha lá, tu quando nasces és cor-de-rosa, quando estás ao sol ficas vermelho, quando tens frio ficas azul, quando estás doente ficas amarelo, quando tens medo ficas verde e quando morres ficas cinzento. Porque ousas depois de tudo isto chamar-me “de cor”?

Crónica publicada na edição 390 do Notícias de Coura, 07 de julho de 2020.