terça-feira, 14 de julho de 2020

Porque me chamas “de cor”?

Estive a tarde toda à procura de assunto para esta crónica. Encontrei dois temas que me podiam salvar: o agravamento dos números do Covid-19 em Portugal e os milhões de euros que o Estado Português está prestes a “enterrar” na TAP. Como o primeiro é desanimador e o segundo é revoltante, vejo-me obrigado a voltar ao assunto que me ocupou na última crónica, os efeitos que a morte de George Floyd provocou pelo mundo ainda se continuam a fazer sentir. Dir-me-ão que ainda bem. Concordo quando penso que de facto, é importante combater os abusos da polícia, especialmente contra indivíduos de cor*. Não concordo quando vejo que a pretexto das questões do racismo são trazidas para debate questões que considero absolutamente idiotas. Creio mesmo que estamos a entrar num tal exagero que qualquer dia vamos ser proibidos de usar as palavras branco e preto. Assim, pelas leis da física, e como branco e preto não são cores, preto passará a chamar-se “ausência de luz” e branco “a soma de todas as cores”. Mas não. Não podemos. Pois até esta definição pode vir a ser alvo de crítica, e não é preciso explicar porquê. Terminei a última crónica escrevendo que o racismo existe, não adianta negar, esconder ou tentar disfarçar. E com tanta coisa inexplicável a acontecer creio que se está a caminhar no sentido contrário. Senão vejamos: 

1. A extrema-direita portuguesa, perdão, o partido Chega, faz uma manifestação sob o tema “Portugal não é racista”. Quem o apoia diz ter sido um êxito, quem “não o pode ver” partilhou fotos de André Ventura com a mão esticada, numa clara alusão a Hitler. Eu mantenho-me em casa. Manifestações em altura de pandemia, sejam elas de que quadrante político forem, são uma irresponsabilidade. 

2. A série de animação “Os Simpsons” deixará de ter atores brancos a dar a voz a personagens não brancas. 

3. O Estado do Mississippi decidiu criar uma nova bandeira que não integre o padrão da confederação, memória do período esclavagista. 

4. Os agentes da PSP estão terminantemente proibidos de usar máscaras pretas sob pena de processo disciplinar, em Portugal claro. 

5. No sul de Inglaterra, uma estátua de Robert Baden-Powell, fundador do escutismo, é removida pela autarquia para evitar que seja alvo de militantes antirracistas. 

6. Em Coimbra, estátua semelhante foi vandalizada e ficou sem cabeça. 

7. Em Lisboa, já a estátua do Padre António Vieira tinha sido vandalizada. 

Será necessário tudo isto? Será que as pessoas vão ser menos racistas por deixarem de usar as palavras preto ou negro? Será que a PSP vai ser menos profissional se usar máscaras pretas? Será que este tipo de manifestação com atos recorrentes de vandalismo não tem efeito contrário? Qualquer manifestação deve ser ordeira sob pena de perder a credibilidade. Não podemos afirmar que vivemos numa sociedade civilizada e querer apagar o passado desta forma. Até porque nem adianta, não é possível alterar o passado. Devemos aprender com ele e evitar cometer os mesmos erros. A nossa obrigação é escrever o “presente” e fazê-lo sem a preocupação de querer desculpar o que quer que seja. 


* O autor escreveu “indivíduos de cor” com o único pretexto de contar uma pequena história. Numa conversa, diz um individuo preto a um branco: - Olha lá, tu quando nasces és cor-de-rosa, quando estás ao sol ficas vermelho, quando tens frio ficas azul, quando estás doente ficas amarelo, quando tens medo ficas verde e quando morres ficas cinzento. Porque ousas depois de tudo isto chamar-me “de cor”?

Crónica publicada na edição 390 do Notícias de Coura, 07 de julho de 2020.

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