terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Tramado pelo filho

Os casos e casinhos políticos no nosso país aparecem que nem cogumelos numa floresta húmida e sombria. Depois da crise política desencadeada pela demissão de António Costa e óbvia marcação de eleições antecipadas, e enquanto o PS anda em lutas internas, o PSD sente a possibilidade de chegar ao poder, mas faltam-lhe ideias e o Chega rejubila com as sondagens, eis que entra em cena o Senhor Presidente da República, e por motivos no mínimo muito mal explicados. Vou fazer como ultimamente tem sido hábito nas confusões políticas a que temos assistido, e criar a minha própria linha do tempo!

1. Há uma estranha coincidência de datas, no dia em que a procuradora-geral da República foi chamada a Belém por causa da Operação Influencer que levou à demissão de António Costa, o Ministério Público começou a investigar o tratamento médico milionário dado a duas meninas brasileiras. Investigar o 1.º Ministro poderá dar chatice, vamos também investigar qualquer coisa relacionada com o Presidente da República para ninguém se ficar a rir!

2. A atitude dos pais das crianças é legítima, em toda esta história ninguém coloca em causa o tratamento feito às crianças, mas sim a forma como o processo decorreu. A obrigação dos pais é tudo fazer pela saúde dos filhos, estes tinham a sorte de conhecer o Doutor Nuno Rebelo de Sousa, por acaso filho do Presidente da República de Portugal, onde o tratamento era possível embora com custos astronómicos. Meteram a cunha, óbvio. Quem não o faria que se chegue à frente e assuma.

3. O Doutor Nuno Rebelo de Sousa, um ser humano decerto bondoso mandou logo um e-mail ao seu Pai, esquecendo-se que dessa forma estava a colocar em apuros não o Pai, mas o Presidente. Foi tonto, óbvio.

4. O Presidente da República ao ler o email do filho foi descuidado ao dar-lhe seguimento. Mandava a mensagem imediatamente para o spam e logo que tivesse oportunidade dava um valente puxão de orelhas, não ao Doutor Nuno Rebelo de Sousa, mas ao seu filho Nuno.

5. Obviamente que a partir daqui ficou tudo descontrolado, não foi preciso o Presidente da República pedir nada, bastava as entidades saberem de onde vinham as coisas para serem mãos largas, não todos, mas quase.

6. As crianças obtiveram a nacionalidade portuguesa num tempo recorde, segundo informação do Ministério da Justiça, foram catorze dias, um processo que normalmente demora de dois a quatro meses.

7. Ficou registado pelos médicos que a consulta destinada à decisão de administrar a vacina milionária foi marcada a pedido, ou por indicação de um secretário de estado da saúde. Lacerda Sales negou-o em absoluto nos primeiros dias, confrontado depois com as provas disse não se lembrar e que mandou recolher toda a informação.

8. A autorização para a administração da vacina foi dada num período de dois dias, num processo que demora em média duas a três semanas. Além disso, o procedimento foi aceite num sábado, uma prática estranha pois o Infarmed encontra-se encerrado ao fim-de-semana. O medicamento custa dois milhões de euros por paciente, mas isso é o menos grave, num país que gasta tantos milhões em negócios duvidosos, gastar na saúde devia ser prática comum, e já agora, com todos os pacientes, não apenas aqueles que têm a sorte de conhecer as pessoas certas. Certas não, pessoas com influência.

9. Ao que parece, está também provado que o Dr. Nuno Rebelo de Sousa teve várias reuniões com o Secretário de Estado da Saúde Lacerda Machado. Teria este assim tanto tempo livre para reunir com cidadãos comuns? Ou este não seria um cidadão comum?

10. Para terminar, o PS fez uso da sua maioria absoluta para não deixar ouvir pelos deputados a Ex-Ministra da Saúde Marta Temido e o Ex-Secretário de Estado da Saúde Lacerda Machado. Admite apenas ouvir o atual Ministro da Saúde. Para quê? Obviamente que vai dizer que na altura não estava no governo e que já mandou abrir processos de investigação e que estão sobre segredo de justiça.

Mais do que as vigarices e estratagemas que esta gente faz, e que se calhar é mesmo uma caraterística do povo português e todos vamos fazendo os nossos jeitos e metendo as nossas cunhas, na medida óbvia da nossa importância ou insignificância, o que me irrita é esta gente fazer do povo estúpido, dizerem que não se lembram, que não pediram nada a ninguém, que não influenciaram nenhuma decisão. Haja paciência. É por coisas destas que ainda não sei o que vou fazer no dia 10 de março. Começo a ter medo de fazer uma estupidez.

Bom Natal a todos!

Crónica publicada na edição 469 do Notícias de Coura, 19 de dezembro de 2023


terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Política, 25 de novembro e Argentina

Numa altura em que estive a atualizar o blog onde partilho estas crónicas, e faço-o sempre apenas uma semana depois das mesmas serem publicadas em papel, verifiquei que me tenho centrado essencialmente em temas políticos. Ora, a culpa não é minha! As últimas semanas têm sido ricas em assuntos que chegavam para dois ou três anos de textos. Tantas vezes ando aflito à procura de assunto, e agora os assuntos são tantos que o que custa é escolher. Assim sendo, deixo pequenos apontamentos sobre estas e outras coisas na ordem do dia:

Confusões políticas: são tantas e tão diversas que nem vou fazer grandes considerações, limito-me a enumerá-las: a crise política depois da demissão de António Costa (que me aprece estar arrependido); as eleições no PS e a difícil missão que Pedro Nuno Santos tem nas mãos (como vai ele convencer os eleitores que é diferente, quanto esteve no governo até há tão pouco tempo e foi igual aos outros!?); as promessas eleitoralistas do PSD que tanto parecem prometer (não voltarão a fazer como Pedro Passos Coelho e ir além daquilo que já era doloroso!?); o estranho acalmar de André Ventura que parece estar tão pacífico e adormecido (ninguém o quer para coligações, mas ele sabe que os seus votos serão decisivos para virar as coisas à direita, ou não!); os estranhos valores das sondagens que continuam a dar o PS como vencedor, PS e PSD a perderem votos, e o Chega sempre a subir; os recuos em determinadas propostas do Orçamento de Estado para 2024 que me “cheiram” já a campanha eleitoral. Enfim, com campanhas eleitorais, eleições e formação de um novo governo, não me faltará assunto até meados de 2024! (Assim tenham os leitores do Notícias de Coura paciência para ler as minhas considerações).

25 de novembro: A Câmara Municipal de Lisboa assinalou este ano o 25 de novembro com um diversificado conjunto de iniciativas na cidade. Segundo a autarquia, “Há datas que temos a obrigação ética e social de não esquecer, a bem da democracia, da liberdade e das novas gerações.” Julgo que esteve muito bem, e não me parece de modo nenhum que isto menorize ou tire significado à revolução de abril. O 25 de abril libertou-nos da ditadura, mas só o 25 de novembro consolidou definitivamente a nossa democracia, por isso se ouve às vezes dizer que “não fosse o 25 de novembro, e Portugal seria a Cuba da Europa!” Escreveu Mário Soares em 2010 num artigo de opinião na revista Visão, “O 25 de Novembro de 1975 é uma data tão importante, para a afirmação da democracia pluralista, pluripartidária e civilista que hoje temos, como a Revolução dos Cravos." E que não venham algumas “virgens ofendidas” apregoar que esta é uma data fraturante, o 25 de dezembro também o é para os portugueses muçulmanos, ateus ou agnósticos, e ninguém se ofende.

Argentina: O país vive uma grave crise social, uma taxa de inflação superior a 100%, elevados níveis de pobreza, sobrevalorização do dólar e uma dívida pública elevada. Foi neste quadro que a Argentina elegeu como Presidente Javier Milei, um político autodenominado anarcocapitalista e que propõe o encerramento do Banco Central Argentino, a legalização da venda de órgãos e o fim da educação obrigatória. Ao mesmo tempo que nega o aquecimento global, pretende criminalizar o aborto, mas defende o casamento gay. Depois da sua vitória, Donald Trump diz-se orgulhoso e vai viajar até Buenos Aires para reunir com ele, um encontro facilitado pelo filho de Bolsonaro. Os malfeitores conhecem-se todos uns aos outros, com esta gente toda junta é caso para dizer, “só se estraga uma casa!” Não se avizinham tempos fáceis para a Argentina.


Crónica publicada na edição 468 do Notícias de Coura, 5 de dezembro de 2023