terça-feira, 12 de novembro de 2013

O novo papa-reformas.

Não resisto a partilhar com os leitores um pequeno segredo e peço-lhes para terem o cuidado de nunca o revelarem a ninguém, em especial ao diretor deste jornal, não vá ele desvendar a sorte que eu tenho na descoberta das ideias para as minhas crónicas e ficar assustado, pensando no que acontecerá, se um dia essa sorte me faltar!
Estamos no final da tarde do dia 25 de outubro, recebo um telefonema do diretor do jornal, que apesar de saber que eu nunca me esqueço de enviar a crónica dentro do prazo estabelecido, tem a simpatia de me telefonar, mais por mero descargo de consciência do que preocupação propriamente dita. Eu sabia que esta era uma das tarefas que tinha para este fim-de-semana, e só ainda não a tinha feito porque a verdade é que não fazia a mínima ideia sobre o que escrever. Então, vou dar uma volta a pé, em busca de inspiração ou de algo que me chame a atenção e justifique uma reflexão escrita. E é então, que mais uma vez, tenho uma sorte impressionante, passa por mim um papa-reformas. Quando o vejo, penso:
- Já há poucos carros destes. Houve uma altura em que via imensos, mas agora, são mesmo poucos.
Imediatamente, o meu lado mais cruel e irónico exclama:
- Claro que não vejo. Agora, com os cortes que até as reformas dos mais necessitados estão prestes a sofrer, já nem dinheiro há para carros destes.
Quase me apetece dizer que agora, o papa-reformas é o Estado, mas não o vou fazer. Vou-me limitar a falar de algumas das medidas contempladas no Orçamento de Estado para 2014, e que nos devem fazer parar, pensar, e refletir sobre a melhor forma de enfrentar o novo ano.
A primeira que merece destaque é a redução remuneratória progressiva, que dizem ser de caráter transitório, e que vai tributar os vencimentos a partir dos 600€. Eu acho que é um castigo bem merecido, quem ganha mais de 600€ pode ter uma vida bem folgada, ainda mais, num país onde os combustíveis são dos mais caros da Europa e onde a taxa de desemprego tem vindo a crescer de forma galopante. O que não me parece justo nesta medida é o seu caráter transitório, pois quase me apetece apostar que ela vai ser suspensa quando se aproximar aquela altura em que, as ruas se enchem de cartazes e o futuro se enche de promessas, aquele fenómeno verdadeiramente maravilhoso e que nos faz encher de esperança: as eleições.
Outra medida que nos deve fazer ficar felizes é o aumento da idade da reforma para os 66 anos. A razão é simples, ela justifica-se porque aumenta a esperança média de vida, logo, se vivemos mais tempo, devemos trabalhar durante mais tempo também. Aquilo que eu não acredito, é que a esperança média de vida continue a ter a ousadia de aumentar desta maneira, porque com as políticas de cortes na saúde, vai ser difícil isso acontecer. É verdade, é mesmo, não estou enganado, 2014 vai trazer para a saúde um corte de 300 milhões de euros. Coisa pouca, quando comparada com os custos com as PPP (parcerias público-privadas), nestas não há corte, os seus custos vão duplicar e atingir os 1645 milhões de euros.
Na educação, o corte é de 500 milhões de euros. Será que o Estado tem medo que as crianças aprendam demais?! Será que tem medo que a escola os faça ver o mundo como ele verdadeiramente devia ser?! Será que nos querem manter a todos na ignorância, para não nos atrevermos a contestar seja o que for?! Nada disso. Lembro-me então de ter ouvido o Ministro da Educação há dias dizer que em termos de infra-estruturas, está tudo bem na educação, e fico bem mais descansado. (Deixa-me tomar aqui uma nota para não me esquecer de lhe enviar umas fotos da escola secundária de Paredes de Coura, e de com bela e confortável ela está, especialmente agora que começou o inverno e a chuva tem sido visita constante!).
Vou terminar, já chega de falar das catástrofes que se vão abater sobre todos nós em 2014. Temos de acreditar que mais tarde ou mais cedo, as coisas vão mudar, as coisas vão ter que melhorar. Temos que acreditar na justiça. (Ah, quase me esquecia, os cortes na Justiça só serão de 95 milhões, portanto, haja esperança!).

Crónica publicada na edição 237 do Notícias de Coura, 5 de novembro de 2013.