A importância de um discurso é inegável. Podendo ser definido como uma simples comunicação, envolve não só quem o profere, os seus ouvintes e o tema, mas também algo que pode fazer toda a diferença, a forma e a convicção de quem discursa. E se alguém não concordar oiça por favor a declamação de “A nêspera que fica deitada” por Mário Viegas (basta procurar no Youtube). Na voz de muitos mortais seria mais um texto absurdo, na voz certa, até a lista telefónica se pode tornar interessante!
Vem este assunto a respeito da último discurso de António Guterres!
A discursar na Cimeira Climática da ONU, Guterres começou por afirmar “O
mundo está a perder a corrida contra a crise climática, mas estou esperançoso
por vossa causa. Têm sido implacáveis ao pedir contas aos decisores.” Parou
uns segundos e deu-se conta que aquele era o discurso errado… e afirmou-o
perante a plateia que riu com tal sinceridade: “Acho que me deram o discurso
errado!” O irónico da situação é Guterres estar perante os decisores, nunca
poderia estar esperançoso da sua causa, nos últimos tempos estas grandes
“conferências climáticas” limitam-se a enumerar os problemas existentes, a
assumir os erros cometidos, a estabelecer metas e ações a levar a cabo bem como
definir prazos, mas os anos vão passando e os problemas agravam-se. Guterres é
uma personalidade carismática, até quando se engana cria momentos
inesquecíveis, quem não se lembra de quando era 1.º Ministro e se baralhou nas
contas do PIB e terminou a dizer: “é fazer a conta!” Não poderemos estar mais de acordo quando Guterres
diz que o mundo está a perder a corrida contra a crise climática, já nos
devemos mostrar algo preocupados quando diz estar esperançoso por causa dos
jovens.
Em Portugal, os últimos dias têm sido marcados pelos
protestos de alguns jovens que se manifestam em escolas e universidades pelo
fim dos combustíveis fósseis, a demissão do Ministro da Economia e o fim dos
exames nacionais. (Esta parte dos exames deixou-me a pensar, será que querem
mesmo acabar com eles para se poupar papel? Ou querem uma alternativa aos
mesmos para entrar no ensino superior? Seja uma ou outra, eu concordo.)
Quando entrevistados por alguns órgãos de comunicação social,
muitos dos jovens ficaram baralhados, não sabiam sequer a razão pela qual
estavam a protestar. Um dos jovens que foi à televisão pediu a demissão do
Ministro da Economia pois o plano de resiliência tinha “fósseis por todo o
lado”! É importante os jovens protestarem, a causa é nobre, mas era bom que
soubessem do que estão a falar, dar tempo de antena a discursos destes é um
absurdo. Um outro jovem afirmava não ser preocupante faltar às aulas e perder a
formação, “de que serve a formação sem planeta”? Até posso ser tentado a
concordar, mas também tenho o direito de ficar preocupado com o futuro do
planeta, com jovens assim. Obviamente que estes entrevistados não são o espelho
da maioria (espero eu), o que é aborrecido é as televisões escolherem sempre os
menos preparados, já parecem aqueles entrevistas de rua onde os entrevistados
são sempre os que não sabem nada do assunto, ou são gagos, ou são estrangeiros
e não falam português! Fica aqui um conselho aos jovens: protestem, causas não
vos faltam, mas estudem-nas e escolham depois um porta-voz, daqueles capazes de
convencer um careca a comprar um pente e produtos para o cabelo!
A importância do discurso é primordial, assim fez Biden quando nos últimos dias chamou camaradas aos Republicanos quando ainda não tinha garantida a maioria no Senado; assim fez Lula da Silva quando disse ir ser o Presidente de todos os brasileiros, quando ainda estava receoso daquilo que poderiam fazer, e fizeram, os apoiantes radicais de Bolsonaro perante a derrota. Assim fez também o Ministro da Economia, António Costa Silva, quando afirmou estar solidário e disponível para ouvir os ativistas. Faça-o Sr. Ministro, mas antes disso envie-lhes por favor o Plano de Recuperação e Resiliência para que os jovens o possam ler, só dessa forma podem ter argumentos para o questionar e sugestões para lhe apresentar.
Crónica publicada na edição 444 do Notícias de Coura, 22 de novembro de 2022.