terça-feira, 29 de novembro de 2022

O discurso

A importância de um discurso é inegável. Podendo ser definido como uma simples comunicação, envolve não só quem o profere, os seus ouvintes e o tema, mas também algo que pode fazer toda a diferença, a forma e a convicção de quem discursa. E se alguém não concordar oiça por favor a declamação de “A nêspera que fica deitada” por Mário Viegas (basta procurar no Youtube). Na voz de muitos mortais seria mais um texto absurdo, na voz certa, até a lista telefónica se pode tornar interessante!

Vem este assunto a respeito da último discurso de António Guterres! A discursar na Cimeira Climática da ONU, Guterres começou por afirmar “O mundo está a perder a corrida contra a crise climática, mas estou esperançoso por vossa causa. Têm sido implacáveis ao pedir contas aos decisores.” Parou uns segundos e deu-se conta que aquele era o discurso errado… e afirmou-o perante a plateia que riu com tal sinceridade: “Acho que me deram o discurso errado!” O irónico da situação é Guterres estar perante os decisores, nunca poderia estar esperançoso da sua causa, nos últimos tempos estas grandes “conferências climáticas” limitam-se a enumerar os problemas existentes, a assumir os erros cometidos, a estabelecer metas e ações a levar a cabo bem como definir prazos, mas os anos vão passando e os problemas agravam-se. Guterres é uma personalidade carismática, até quando se engana cria momentos inesquecíveis, quem não se lembra de quando era 1.º Ministro e se baralhou nas contas do PIB e terminou a dizer: “é fazer a conta!”  Não poderemos estar mais de acordo quando Guterres diz que o mundo está a perder a corrida contra a crise climática, já nos devemos mostrar algo preocupados quando diz estar esperançoso por causa dos jovens.

Em Portugal, os últimos dias têm sido marcados pelos protestos de alguns jovens que se manifestam em escolas e universidades pelo fim dos combustíveis fósseis, a demissão do Ministro da Economia e o fim dos exames nacionais. (Esta parte dos exames deixou-me a pensar, será que querem mesmo acabar com eles para se poupar papel? Ou querem uma alternativa aos mesmos para entrar no ensino superior? Seja uma ou outra, eu concordo.)

Quando entrevistados por alguns órgãos de comunicação social, muitos dos jovens ficaram baralhados, não sabiam sequer a razão pela qual estavam a protestar. Um dos jovens que foi à televisão pediu a demissão do Ministro da Economia pois o plano de resiliência tinha “fósseis por todo o lado”! É importante os jovens protestarem, a causa é nobre, mas era bom que soubessem do que estão a falar, dar tempo de antena a discursos destes é um absurdo. Um outro jovem afirmava não ser preocupante faltar às aulas e perder a formação, “de que serve a formação sem planeta”? Até posso ser tentado a concordar, mas também tenho o direito de ficar preocupado com o futuro do planeta, com jovens assim. Obviamente que estes entrevistados não são o espelho da maioria (espero eu), o que é aborrecido é as televisões escolherem sempre os menos preparados, já parecem aqueles entrevistas de rua onde os entrevistados são sempre os que não sabem nada do assunto, ou são gagos, ou são estrangeiros e não falam português! Fica aqui um conselho aos jovens: protestem, causas não vos faltam, mas estudem-nas e escolham depois um porta-voz, daqueles capazes de convencer um careca a comprar um pente e produtos para o cabelo!

A importância do discurso é primordial, assim fez Biden quando nos últimos dias chamou camaradas aos Republicanos quando ainda não tinha garantida a maioria no Senado; assim fez Lula da Silva quando disse ir ser o Presidente de todos os brasileiros, quando ainda estava receoso daquilo que poderiam fazer, e fizeram, os apoiantes radicais de Bolsonaro perante a derrota. Assim fez também o Ministro da Economia, António Costa Silva, quando afirmou estar solidário e disponível para ouvir os ativistas. Faça-o Sr. Ministro, mas antes disso envie-lhes por favor o Plano de Recuperação e Resiliência para que os jovens o possam ler, só dessa forma podem ter argumentos para o questionar e sugestões para lhe apresentar.


Crónica publicada na edição 444 do Notícias de Coura, 22 de novembro de 2022.



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