segunda-feira, 31 de maio de 2021

Vergonhoso

O Sporting foi campeão! Justíssimo. Ainda há poucas semanas escrevi uma crónica sobre este assunto, portanto não vale a pena voltar a falar sobre a justiça da conquista e a alegria que iria sentir quando tal acontecesse. Aconteceu, e gostei. O que não gostei foi do clima de desobediência civil que se viveu no dia do jogo do título. De facto todos os adeptos de Sporting que conheço são boas pessoas, e para que assim continuem a ser espero bem que nenhum deles estivesse no meio daquele grupo de milhares de pessoas irresponsáveis (escrevo irresponsáveis mas no meu pensamento gravitam adjetivos que não posso aqui partilhar). Foi uma manifestação vergonhosa para o nosso país. De quem foi a culpa!? Castigue-se o Rúben Amorim.

Embora culpados, os adeptos são talvez os únicos a merecer uma pena suspensa pelo comportamento irrefletido que tiveram. Mas há algumas personagens no meio disto tudo que mereciam uns “puxões de orelhas”:

- O Sr. Presidente da Câmara de Lisboa. Apressou-se a afirmar que a Câmara não tinha o poder de autorizar, ou não, manifestações, que isso seria violar a Constituição, mas esquece-se que ainda estamos em Estado de calamidade, e o não cumprimento das regras de higiene sanitária ainda são punidas. Esquece-se também que alguém autorizou a colocação de ecrãs gigantes no exterior do estádio do Sporting, e que foi autorizado e preparado o cortejo do autocarro até ao Marquês de Pombal, apesar da discordância da PSP, num email que a Câmara de Lisboa diz só ter visto dois dias depois. Para Câmara da capital do país, é incompetência. Mas percebe-se, o Dr. Fernando Medina está mais ocupado a preparar o seu tempo de antena semanal televisivo, e não quis tomar medidas que lhe pudessem tirar votos nas próximas eleições. É político. É normal que atue desta maneira.

- O Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto apressou-se a afirmar que “não teve nada a ver como a forma como foi preparada a festa do título”, mas dias antes tinha afirmado que houve uma reunião entre o Ministério da Administração Interna e a Câmara de Lisboa para a preparação de uma possível festa, dizendo que as comemorações deviam “acontecer nas melhores condições, como as do 25 de abril e do dia do trabalhador.”

- O Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, junta mais um “caso” ao seu desempenho. Depois das golas anti fumo que afinal eram inflamáveis, do vergonhoso caso do emigrante assassinado no Aeroporto por inspetores do SEF, os braços-de-ferro com os bombeiros, o Sirespe, junta-se agora esta manifestação. O Ministério da Administração Interna tinha a obrigação de ter evitado que a festa sportinguista tomasse tais proporções. Ainda assim, António Costa afirma ter um excelente ministro da Administração Interna, o que prova que ser amigo do 1.º Ministro é condição quase única para se ser ministro.

- A DGS, que tão exigente foi com o PCP para autorizar a festa do Avante, neste acontecimento esteve completamente ausente. Talvez estejam ocupados com a vacinação, merecem portanto algum tipo de condescendência.

- O Sr. Presidente do Sporting é Médico. Nos tempos “negros” da pandemia em Portugal esteve na linha da frente do combate ao vírus, será que não considera tais festejos inadequados? Será que não se indigna, como tantos colegas seus, pelo comportamento das pessoas?

Para terminar, e porque até estou bem-disposto (embora combalido com a 2.ª dose da Pfizer), interessa salientar que foram definidas as regras para o povo ir à praia. Só se pode tirar a máscara quando se estiver a apanhar banhos de sol, as multas podem chegar aos 100 euros, e as raquetes estão proibidas. Talvez fique mais em conta estender uma toalha verde e branca na rotunda do Marquês.

Crónica publicada na edição 410 do Notícias de Coura, 25 de maio de 2021.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Soltem o povo

Depois de quase meio ano em estado de emergência, o país entra agora em estado de calamidade. Dito assim até parece mais assustador. Na verdade, é a forma do governo ter poderes para limitar algumas das liberdades e definir medidas de funcionamento da atividade económica para combater alguma esperança que o vírus possa ter de nos vencer, agora que nos vão “abrir as portas de novo”!

A vacinação processa-se a um ritmo que nos dá esperança de que pelo menos até ao final do mês do maio estejam vacinados a quase totalidade dos grupos de risco e dos maiores de 60 anos. Além destes, há outros grupos que vão chegar ao final do mês com as duas doses da vacina, entre eles, aquele em que me incluo, o dos professores, num processo de vacinação digno de um elogio do tamanho do mundo, extremamente rápido, organizado de uma forma fantástica, e com uma simpatia tal por parte dos profissionais de saúde, de tal forma que tive de perguntar se já estava vacinado pois quase nem senti a picada da agulha! Já que estou numa de elogiar, não posso deixar de dar aos parabéns ao Governo por ter colocado o Vice-almirante Gouveia e Melo como coordenador do Plano de Vacinação contra a covid-19, depois da sua nomeação, acabaram as “poucas-vergonhas” que se viram com a inclusão nos planos de vacinação de familiares e amigos de quem ocupava cargos de decisão. Se todas estas medidas me dão um certo alívio e esperança, aquilo que vejo na rua já me assusta um pouco. Nos últimos dias as esplanadas encheram-se de gente, sedenta de um café, de uma conversa com os amigos à mesa, sem máscara… os centros comerciais voltaram a encher-se… não que eu tenha entrado, mas habituei-me a ver cerca de 50 a 100 carros no parque de estacionamento, e da última vez que lá passei eram mais de 1000… e nos supermercados já se vê muita gente que se esquece do distanciamento social…

Enfim, isto tem tudo para correr mal, não me parece que o povo se sinta muito assustado com o vírus e esteja lembrado do que aconteceu depois do Natal, mas tenho a esperança que a coisa não vá correr assim tão mal, e embora o número de infetados vá por certo subir, a taxa de mortalidade não vai ser muito afetada, como dizia alguém informado que ouvi há dias, “quem tinha de morrer já morreu, os velhotes já estão quase todos vacinados e os riscos já são menores, e a malta que agora está a apanhar o vírus, muitos deles nem sintomas têm…”. Que assim seja, que as coisas possam lentamente voltar a algum tipo de normalidade, e que tudo não passe em breve de uma recordação, um período difícil pelo qual fomos obrigados a passar.

Em termos económicos é que não me parece que estes tempos se tornem numa recordação a curto prazo. O desemprego aumentou, centenas de empresas fecharam portas e dificilmente voltarão a abrir. O governo já apresentou muitos milhões num plano de recuperação e resiliência (PRR) que se apresenta como o salvador da pátria, são quase 17 mil milhões de euros. Mas as empresas já se queixaram que neste plano há muito investimento público e pouco apoio concreto à atividade empresarial. Ainda estes dias o governo foi confrontado com a ideia de que estava a esconder as reformas negociadas com Bruxelas, comprometendo-se depois de divulgada esta notícia a apresentar ao público todas as reformas estruturais que se propõe implementar até 2026. Vamos aguardar.

Disse um dia Winston Churchill “Nunca desperdice uma boa crise.” Curiosamente ouvi um dia destes num programa de rádio alguém afirmar uma coisa semelhante, que Portugal tinha saído mais forte da crise de 2008, e que esta crise era mais uma oportunidade para fortalecer o país. Perante isto, lembrei-me de uma frase que ouvi há imenso tempo, “Não sei se pense, não sei se diga, não sei se fale!” Não fazia ideia de quem a tinha proferido, verifiquei agora ter sido José Castelo Branco! Acabo de escrever esta crónica a rir! Que mais nos reservará o futuro!?

Crónica publicada na edição 409 do Notícias de Coura, 11 de maio de 2021.

terça-feira, 4 de maio de 2021

Prescreveu

Durante mais de três horas e em direto para as televisões, o Juiz Ivo Rosa fez a leitura da súmula da decisão instrutória da Operação Marquês.

José Sócrates foi detido no Aeroporto de Lisboa em novembro de 2014. Depois de quase 7 anos de investigações, de milhares e milhares de páginas e milhões de ficheiros informáticos, conseguir escrever uma decisão instrutória de 6728 páginas e fazer a leitura do seu resumo em pouco mais de 3 horas, é obra.

Depois da leitura atenta do documento… estou a brincar, não tive tempo obviamente de o fazer, teria de ficar um ano sem escrever as minhas crónicas no Notícias de Coura, mas li algumas páginas, e se mesmo à sorte consegui encontrar histórias delirantes, imaginem se fizesse a leitura na íntegra. Uma das primeiras coisas que fiz foi contar algumas palavras constantes no documento, e o que encontrei é interessante: Sócrates (7429); branqueamento (1769); corrupção (1598); prescrição (305); amigo (179); prescrito (63); inocente (3)! Obviamente que é natural o nome do ex-Primeiro Ministro aparecer tantas vezes, bem como das palavras branqueamento e corrupção, uma vez que se tratavam (tratam) dos crimes de que era (é) acusado, já a palavra amigo devia ser proibida de estar presente nestas coisas, a amizade é das coisas mais bonitas que pode existir, julgar alguém só pelos favores que um amigo nos faz não devia ser possível. Aproveitando aquela rábula que se vê muito das redes sociais: “Depois de saber que Sócrates tem um amigo como Carlos Santos Silva, eu sinto-me muito dececionado com os meus amigos”!

Após a leitura, e já no exterior do Tribunal, os portugueses tiveram a oportunidade de ver novamente José Sócrates com o ar de “político feroz” a que nos habituou. Assim à primeira vista até parece ter razões para isso, dos 31 crimes de que era acusado, vê apenas ser feita acusação para 6. No entanto, em muitos deles o que aconteceu foi que prescreveram, embora existam factos que os sustentem. (Isto é um bocado como aquelas histórias do bandido que foi preso em flagrante delito, se o polícia se esquecer de lhe ler os direitos, ele é libertado)! Ainda assim, e nunca esquecendo a presunção de inocência, José Sócrates esqueceu-se que foi pronunciado por 3 crimes de branqueamento de capitais e 3 crimes de falsificação de documentos, talvez não seja ainda o tempo de festejar. Nalgumas coisas não posso deixar de lhe dar razão, especialmente quando diz que foi preso e só depois investigado. De facto, quando se prende alguém já se devia ter bem sustentada a acusação e todos os factos, e tratando-se de um ex-Primeiro-Ministro mais cuidados deveria haver, não que ele mereça mais consideração que qualquer outro cidadão, mas pelas consequências para o país em termos de imagem e credibilidade internacionais. O Ministério Público foi arrasado, e talvez bem, pelo Juiz Ivo Rosa, quando considerou muitas das alegações como meras opiniões subjetivas com recurso à especulação e à fantasia. Já na questão do IRS, creio que o Juiz Ivo Rosa esteve bastante mal. De início quase parecia piada, mas afinal era mesmo a sério, José Sócrates não foi pronunciado pelo crime de fraude fiscal pois, segundo o juiz, não era obrigado a declarar no seu IRS proveitos provenientes de um crime. A verdade é que existe uma categoria no IRS para “Acréscimos patrimoniais não justificados”, seria bem engraçado saber quantos portugueses preenchem alguma coisa nesta categoria! (Qualquer dia vão obrigar os ladrões a passar recibo!) No mesmo sentido, todos os portugueses deveriam ter o direito de colocar como despesas extraordinárias no seu IRS, o que têm pago ao longo dos últimos anos para as vigarices que ocorreram nos bancos.

Por fim, deixo-vos uma das coisas engraçadas que li na decisão instrutória. Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, aparece neste processo por causa de compra de uma quinta, o “Monte das Margaridas”, com o dinheiro do amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva. Questionada sobre as razões de tal aquisição, Sofia Fava diz ter sido uma decisão dela e do companheiro, Manuel Costa Reis. Este último, estava em processo de partilhas com os irmãos e vendeu ao irmão uma quinta no norte por 200 mil euros. Como ficaram tristes, decidiram comprar uma quinta para eles no valor de 760 mil euros. Como depois era preciso dinheiro e fiador, recorreu ao amigo do ex-marido. O português comum, penso eu, quando fica triste chora, fecha-se em casa, embriaga-se… nunca pensei que houvesse gente que comprasse quintas!

Crónica publicada na edição 408 do Notícias de Coura, 27 de abril de 2021.