terça-feira, 4 de maio de 2021

Prescreveu

Durante mais de três horas e em direto para as televisões, o Juiz Ivo Rosa fez a leitura da súmula da decisão instrutória da Operação Marquês.

José Sócrates foi detido no Aeroporto de Lisboa em novembro de 2014. Depois de quase 7 anos de investigações, de milhares e milhares de páginas e milhões de ficheiros informáticos, conseguir escrever uma decisão instrutória de 6728 páginas e fazer a leitura do seu resumo em pouco mais de 3 horas, é obra.

Depois da leitura atenta do documento… estou a brincar, não tive tempo obviamente de o fazer, teria de ficar um ano sem escrever as minhas crónicas no Notícias de Coura, mas li algumas páginas, e se mesmo à sorte consegui encontrar histórias delirantes, imaginem se fizesse a leitura na íntegra. Uma das primeiras coisas que fiz foi contar algumas palavras constantes no documento, e o que encontrei é interessante: Sócrates (7429); branqueamento (1769); corrupção (1598); prescrição (305); amigo (179); prescrito (63); inocente (3)! Obviamente que é natural o nome do ex-Primeiro Ministro aparecer tantas vezes, bem como das palavras branqueamento e corrupção, uma vez que se tratavam (tratam) dos crimes de que era (é) acusado, já a palavra amigo devia ser proibida de estar presente nestas coisas, a amizade é das coisas mais bonitas que pode existir, julgar alguém só pelos favores que um amigo nos faz não devia ser possível. Aproveitando aquela rábula que se vê muito das redes sociais: “Depois de saber que Sócrates tem um amigo como Carlos Santos Silva, eu sinto-me muito dececionado com os meus amigos”!

Após a leitura, e já no exterior do Tribunal, os portugueses tiveram a oportunidade de ver novamente José Sócrates com o ar de “político feroz” a que nos habituou. Assim à primeira vista até parece ter razões para isso, dos 31 crimes de que era acusado, vê apenas ser feita acusação para 6. No entanto, em muitos deles o que aconteceu foi que prescreveram, embora existam factos que os sustentem. (Isto é um bocado como aquelas histórias do bandido que foi preso em flagrante delito, se o polícia se esquecer de lhe ler os direitos, ele é libertado)! Ainda assim, e nunca esquecendo a presunção de inocência, José Sócrates esqueceu-se que foi pronunciado por 3 crimes de branqueamento de capitais e 3 crimes de falsificação de documentos, talvez não seja ainda o tempo de festejar. Nalgumas coisas não posso deixar de lhe dar razão, especialmente quando diz que foi preso e só depois investigado. De facto, quando se prende alguém já se devia ter bem sustentada a acusação e todos os factos, e tratando-se de um ex-Primeiro-Ministro mais cuidados deveria haver, não que ele mereça mais consideração que qualquer outro cidadão, mas pelas consequências para o país em termos de imagem e credibilidade internacionais. O Ministério Público foi arrasado, e talvez bem, pelo Juiz Ivo Rosa, quando considerou muitas das alegações como meras opiniões subjetivas com recurso à especulação e à fantasia. Já na questão do IRS, creio que o Juiz Ivo Rosa esteve bastante mal. De início quase parecia piada, mas afinal era mesmo a sério, José Sócrates não foi pronunciado pelo crime de fraude fiscal pois, segundo o juiz, não era obrigado a declarar no seu IRS proveitos provenientes de um crime. A verdade é que existe uma categoria no IRS para “Acréscimos patrimoniais não justificados”, seria bem engraçado saber quantos portugueses preenchem alguma coisa nesta categoria! (Qualquer dia vão obrigar os ladrões a passar recibo!) No mesmo sentido, todos os portugueses deveriam ter o direito de colocar como despesas extraordinárias no seu IRS, o que têm pago ao longo dos últimos anos para as vigarices que ocorreram nos bancos.

Por fim, deixo-vos uma das coisas engraçadas que li na decisão instrutória. Sofia Fava, ex-mulher de José Sócrates, aparece neste processo por causa de compra de uma quinta, o “Monte das Margaridas”, com o dinheiro do amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva. Questionada sobre as razões de tal aquisição, Sofia Fava diz ter sido uma decisão dela e do companheiro, Manuel Costa Reis. Este último, estava em processo de partilhas com os irmãos e vendeu ao irmão uma quinta no norte por 200 mil euros. Como ficaram tristes, decidiram comprar uma quinta para eles no valor de 760 mil euros. Como depois era preciso dinheiro e fiador, recorreu ao amigo do ex-marido. O português comum, penso eu, quando fica triste chora, fecha-se em casa, embriaga-se… nunca pensei que houvesse gente que comprasse quintas!

Crónica publicada na edição 408 do Notícias de Coura, 27 de abril de 2021.



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