terça-feira, 14 de abril de 2020

A telescola

Escrevo este artigo ligeiramente fora do prazo que costumo cumprir. A contingência de estar fechado em casa há mais de duas semanas faz com que me falte tempo. Parece um paradoxo mas, quanto mais tempo tenho, menos tempo me sobra. Não é falta de organização, é mesmo o gosto de trabalhar sobre pressão. Um dia vai correr mal, eu sei, mas até lá é um prazer deixar as coisas para o fim e conseguir fazê-las! 
As escolas fecharam duas semanas antes do previsto para a interrupção letiva da Páscoa. Os alunos foram para casa e os professores também. A todos foi pedido que arranjassem forma de manter o contacto com os alunos, enviando tarefas, propondo trabalhos, garantindo que não era quebrado a 100% o contacto com as matérias e os professores. E todos o fizeram (estou obviamente a falar daqueles que dão aulas à minha direção de turma, sobre todos os outros, não sei, nem tenho que saber). Daquilo que se vê publicado em blogues e nas redes sociais, a grande parte dos professores fez o seu trabalho, alguns exageraram (como sempre acontece nestas coisas, há sempre alguns que se armam em heróis), outros provavelmente nada fizeram (como em todas as profissões há sempre quem nos envergonhe), outros foram comprar computadores e ligações à Internet para continuar o trabalho (há neste grupo os preocupados e os idiotas) e por fim, há alguns que continuam desligados, não têm computador em casa, não têm Internet, e vão lançando as avaliações por telefone, nalguns casos, telefone fixo. E perguntam alguns, mas que raio de professor é que hoje em dia não tem computador e Internet em casa!? Alguns, respondo eu. Mesmo sendo um instrumento de trabalho fundamental, nada “nos” obriga a tê-lo em casa, no local de trabalho sim. 
Voltando à realidade, a situação piora de dia para dia, sabemos agora que a nossa curva epidemiológica poderá não atingir os picos assustadores de Espanha e Itália, mas vai certamente ter milhares de infetados e centenas de mortos, será uma curva prolongada no tempo, só atingirá o pico nos finais de maio e provavelmente estaremos em quarentena até junho. Ora, se nós sabemos isto, o governo sabe muito mais, e é aqui que o Ministério da Educação já devia ter tomado algumas medidas, pois sabe muito bem que o 3.º período vai ser completamente atípico. Aproveito esta minha crónica para partilhar com os leitores algumas ideias, talvez algum dos meus leitores conheça o Sr. Ministro Tiago Brandão Rodrigues e lhas faça chegar. 

1. As provas de aferição já deviam ter sido anuladas. Não têm influência na avaliação nem na aprendizagem dos alunos, até agora ainda nunca foram dadas as conhecer as vantagens da sua existência, estão à espera de quê? 

2. Deviam ter pensado em tempo útil que talvez fosse sensato dar orientações aos professores para que a avaliação final do 2.º período fosse considerada a final do ano. Muitos de nós já tiveram essa sensibilidade. Ainda assim, há alunos que neste momento estão em condições de reprovar, alguns deles sem condição nenhuma de frequentar um 3.º período online, e pergunto eu: - Vão reprovar? Quem nos garante que se o 3.º período fosse “normal” não seriam aprovados? Pois bem, preparem-se para o fazer por decreto. 

3. Sobre as orientações utópicas que o Ministério tem partilhado, por favor, tentem conhecer a realidade e parem de escrever documentos bonitos, mas irreais. Não são apenas 5% os alunos que não têm computador e internet. E não se esqueçam que em muitos casos até há um ou dois computadores em casa, mas há pais em teletrabalho, e por vezes duas crianças em idade escolar. Acham mesmo que há possibilidade para imaginar um 3.º período normal? 

4. Telescola. Pois bem, parece-me até aqui uma das soluções mais sensatas e provavelmente aquela que tem mais condições de garantir uma igualdade no acesso a todos alunos. Mas em sinal aberto, ou será que pensam que toda a gente tem TV cabo!?

Para terminar, não estou a ser nenhum “Velho do Restelo”, até porque não sou grande especialista em Camões. É uma boa altura para a escola e toda a comunidade envolvida se reinventar, adaptar-se a novas formas de trabalhar, com novas ferramentas e em diferentes contextos. Mas não o façam de forma obrigatória, enquanto houver uma criança sem condições, não o façam. Eu sei que não é fácil ser político nestas alturas, mas é nestas alturas que o país precisa que sejam competentes e corajosos. Não estão nos cargos por obrigação. Mostrem aquilo que muitas vezes dizem, que estão nos cargos para servir a nação. 

Fiquem bem, todos.

Crónica publicada na edição 384 do Notícias de Coura, 06 de abril de 2020.

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