segunda-feira, 1 de junho de 2020

Não há perdão possível

Volto a escrever uma crónica num estado de irritação e revolta nada aconselhável. Alinhavei as primeiras ideias no dia em que a redação do Notícias de Coura me lembrou a necessidade de escrever o artigo. Ordenei as ideias quatro dias depois. Deu para acalmar um bocadinho. 

Valentina, uma menina de 9 anos, morre às mãos do homem que mais a devia amar neste mundo, o Pai. André Ventura, esse fenómeno político amado por tantos, mas odiado talvez por mais, é apelidado de abutre por usar a sua rede social facebook para se promover, escrevendo que “não desistirá da prisão perpétua para monstros que cometem estes crimes”. De facto é um abutre. Podem multiplicar a malvadez do abutre por mil, ou dez mil, para me caraterizarem a mim. Aproveitamento político? Pois é nestas alturas que quem tem algum poder e visibilidade, tem de se fazer ouvir. Quando em 2015 o mundo ficou horrorizado com a imagem de Aylan Kurdi, um menino sírio de 3 anos morto numa praia da Turquia, imensos movimentos políticos se insurgiram contra a tragédia dos refugiados. E bem. Portanto, seja quem for que se insurja hoje contra este tipo de crimes em Portugal, e especialmente contra a leveza das penas máximas aplicadas, insurge-se bem. Sabemos bem que não podemos ter prisão perpétua, muito menos a outra pena máxima que abutres como eu defendem, mas acham mesmo que 25 anos para este tipo de crimes é suficiente? Ainda mais quando sabemos que em Portugal se premeia o bom comportamento de “bandidos e assassinos”, e cumpridos dois terços da pena saem em liberdade”? 

Obviamente que André Ventura não vai conseguir nada com as suas propostas de alteração à lei, consegue apenas fazer-nos ver a bondade de certos quadrantes políticos. É quase caso para perguntar: - E se fosse consigo? Era assim tão compreensiva/o para o assassino? 

Valentina Fonseca será mais uma criança, a juntar a Joana Cipriano, Vanessa Filipa, Daniel Carvalho, Maria João, André Fernandes, David Cabral, Tiago Monteiro, Henrique e Rahael, Ruben e David, Leonor, Henrique Barata, Samira e Viviane… em comum, todos mortos pelos progenitores. Nos últimos cinco anos, 55 crianças foram mortas em Portugal pelos seus progenitores. Em Portugal, leram bem. 

Para piorar a minha indignação, e espero bem que a de muitos outros leitores, leio na comunicação social que o advogado de defesa do “presumível” assassino vem dizer que “algo correu mal naquela casa”, e que o seu cliente é uma “pessoa como nós”. 

Sei bem que todos têm o direito à defesa e também à presunção de inocência, e é obrigação dos advogados fazerem a defesa dos seus clientes o melhor que souberem. Sei bem que nalguns casos, a tarefa dos advogados oficiosos não deve ser nada agradável, mas também sei que nada os obriga a prestar declarações à comunicação social, muito menos considerações deste tipo. Nem vale a pena apelidar este tipo de discurso, mas socorro-me de algo que li numa rede social: se o discurso de André Ventura é nojento, este é muito pior. E por favor, se o advogado tiver razão ao dizer que o seu cliente é “uma pessoa como nós”, caros amigos, se desconfiarem que eu possa ser uma pessoa como ele, mandem-me abater.* 

Vou tentar acabar isto de forma pacífica, tanta raiva e maldade não nos faz bem (e nem sequer resulta). Se a nossa indignação e revolta se puder transformar em “oração” (seja lá isso o que for para crentes ou não crentes), certamente que Valentina descansará em paz, num mundo melhor que queremos que exista. Num mundo melhor que precisamos que exista para melhor suportarmos tudo o que neste nos rodeia. 


* O autor usa a expressão “mandem-me abater” no sentido figurado. O autor não quer de maneira nenhuma os seus amigos condenados por nenhum tipo de crime. Se tal um dia se verificar, chamem-me à razão, mandem-me ler a poesia de Álvaro de Campos, talvez eu encontre o poema, “Se te queres matar”.


Crónica publicada na edição 387 do Notícias de Coura, 26 de maio de 2020.

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