segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

A pão e água.

Fruto das dificuldades sentidas nos negócios, em muito provocadas pelas necessárias medidas de confinamento impostas pelo governo nestes tempos de pandemia, um grupo de empresários da restauração, elementos do movimento “Sobreviver a pão e água” decidiu acampar no fundo da escadaria da Assembleia da República e começar uma greve de fome. Esta forma de protesto contra as medidas restritivas do Estado de Emergência e a falta de apoios do Governo, visava chamar a atenção ao país para as dificuldades do setor, afirmando os seus elementos que o protesto só terminaria quando fossem recebidos pelo 1.º Ministro ou pelo Ministro da Economia. 

Ljubomir Stanisic, conhecido chefe de cozinha e figura mediática da televisão tornou-se o rosto da indignação e dos protestos. Não estando em causa o “motivo” do protesto, pois esse é mais do que justificado, a “escolha” desta figura para liderar o mesmo tornou-se quase como um feitiço que se vira contra o feiticeiro. E porquê? Recordemos algumas das coisas que se ouviram: 

- Comparou o nosso país ao do ditador Milosevic, dizendo que na Jugoslávia tiveram um “filho da ****” assim e também o derrubaram. Milosevic foi julgado por genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Senhor Ljubomir, se acha que o nosso país é uma ditadura, o que está cá a fazer? Porque não ficou no seu país? 

- Afirmou que tiveram o apoio de muita gente, mas que nenhum funcionário público foi levar uma garrafa de água. Sabe Sr. Ljubomir, os funcionários públicos provavelmente não têm dinheiro para lhe oferecer uma garrafa de água, todos eles estão a juntar uns trocos para ir jantar ao seu restaurante, onde o único menu disponível custa cerca de 110€ sem bebidas, ficando a garrafa de água por 4,5€. 

- Soube-se entretanto que o Sr. Ljubomir foi acusado pelo Ministério Público de corromper a PSP com vinho durante o período de confinamento da Páscoa. Sr. Ljubomir, para quem telhados de vidro, é falta de inteligência pôr-se na plataforma de lançamento das pedras! 

- Quando Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS-PP, fez uma visita ao grupo de manifestantes, o Sr. Ljubomir “tirou” a máscara para se fazer ouvir melhor: “Se voltares a falar de um partido, vou ter de te pedir para saíres. Não há partidos, querido. Já não conseguimos ouvir falar de partidos…” O jovem líder, talvez mesmo por isso, por ser jovem e inexperiente, baixou a cabeça dizendo estar ali como cidadão. Fez mal, fez muito mal. O que deveria ter feito era abandonar o local e pôr fim à conversa. Já nem está em causa a falta de respeito em trata-lo por “querido”, está em causa um princípio de respeito pela democracia, a democracia são os partidos, são os seus líderes, são todos os deputados em representação do povo. Se o Sr. Ljubomir não quer ouvir falar em partidos, “que raio” está a fazer junto à Assembleia da República? 

- Para finalizar, o Sr. Ljubomir faz-se acompanhar de alguns empresários do setor que não me parece estarem a sentir grandes dificuldades, pelo menos a aparentar pelas vidas de luxo que fazem questão de partilhar nas redes sociais, vidas extravagantes com iates e carros de milhares e milhares de euros. Talvez um dia se venha a saber que estes empresários recorreram ao layoff, se calhar alguns deles vão ter de despedir funcionários e fechar restaurantes, e às tantas quando os bens lhe forem penhorados para saldar as dívidas, os Ferraris, os Bugattis e os Lamborghinis vão estar no nome de algum amigo. 

Entretanto, Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa reuniu com o grupo de manifestantes conseguindo que o protesto chegasse ao fim, tendo sido agendada uma nova reunião para se continuarem a discutir as medidas e propostas que certamente não agradarão a todos mas que permitirão algo mais para um setor que como sabemos está no limite da sobrevivência. É de louvar a atitude do Sr. Presidente da Câmara. Quanto aos empresários do setor, se eventualmente tiverem de fazer um novo protesto, não permitam que estas “figuras” assumam o protagonismo de uma causa séria, que pode deixar de o ser pelos intervenientes que a lideram.


Crónica publicada na edição 400 do Notícias de Coura, 15 de dezembro de 2020.



Sem comentários:

Enviar um comentário