segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

A terra amada.

Esta é uma crónica que há muito tinha vontade de escrever, e que há muito merecia ser escrita. 


Com mais de 16 mil membros, o grupo do facebook Paredes de Coura “terra amada” é um gigantesco baú das “coisas da terra”. Por lá se divulgam os eventos, as notícias, os avisos mais urgentes, desde um cão que fugiu da casa dos seus donos, até às chaves que foram encontradas num dia de feira e deixadas no café ou na pastelaria para serem entregues a quem provar ser o seu dono. Desde há uns anos, com a massificação da Internet e das redes sociais todos somos “divulgadores de informação”, todos nos achamos no direito de dar a conhecer o que se passa à nossa volta, todos nós somos aquilo que muitas vezes criticamos, nomeadamente ao “Correio da Manhã”, as coisas acontecem e nós publicamos e partilhamos para que rapidamente a notícia se espalhe. Por vezes isto pode ser mau, às vezes não corre muito bem, mas na verdade, é fantástico aceder à informação quase no momento em que a mesma nasce. 

Mas mais do que um diário vivo da terra, uma exposição das coisas do dia-a-dia, o grupo Paredes de Coura “terra amada” é um gigantesco álbum de memórias. Talvez só daqui a muitos anos os jovens de hoje lhe consigam dar valor, nos dias de hoje são os pais e os avós que muitas vezes se encantam com o que lá se publica. 

Gerir um grupo destes não é fácil, e dá imenso trabalho, acreditem, há quem pense que alguns dos administradores trabalham para o grupo… e trabalham é certo, mas não é por dinheiro, é por algo bem mais difícil de quantificar, é pelo amor à terra. De quem administra este grupo só me atrevo a falar de dois, a Cecília Pereira e o Flávio Rodrigues. Vou começar por falar da Cecília, e isto para ver se ela me perdoa um considerável número de “cachaços” que me prometeu dar! A preocupação da Cecília em publicar todas as festas e encontros, todos os eventos, espetáculos, acontecimentos e notícias é de louvar, algumas vezes até ficava triste quando havia “coisas” ao mesmo tempo e ela só conseguia registar uma delas. Fazia falta uma Cecília em cada freguesia, com o mesmo empenho e dedicação. Nalgumas das suas reportagens podia-se ler: “Cecília Pereira publicou 478 fotografias”, e pensava eu: “Mas eu não tenho paciência para as ver todas!” Pois não, eu não tenho agora, mas se no meu tempo houvesse facebook, e houvesse lá na terra uma Cecília que tivesse publicado 478 fotografias do desfile de carnaval de 1984, em que eu fui mascarado do cowboy, podem ter a certeza que eu ia ver fotografia a fotografia, e tentar recordar aquelas gentes, tantos e tantos já desaparecidos, aqueles que só podemos recordar na memória. Daqui a 30 ou 40 anos, se ainda existir facebook, acredito que muitas das crianças de hoje vão perder umas horas a vasculhar nas entranhas do grupo, procurar talvez as fotografias do baile de finalistas e mostrar aos vossos filhos e aos vossos netos. Vocês não têm bem noção da sensação, mas perguntem aos vossos pais e aos vossos avós o que sentem quando veem as fotografias de quando eram jovens! 

Do Flávio Rodrigues só posso dizer duas ou três coisas, vi-o e falei com ele, se não me falha a memória, apenas duas vezes. Não é preciso mais nem muito tempo para se perceber quando se está na presença de uma pessoa simples, genuína e sincera. Emigrante no Canadá, deve ser raro o dia em que o Flávio não publica uma fotografia da sua última vinda a Coura, uma fotografia de uma memória do seu passado, e até notícias da sua terra, que muitas vezes parecem chegar ao Canadá antes de quem cá está delas ter conhecimento. Mas mais do que as publicações diárias, reconhece-se nas publicações do Flávio, e nas de mais ninguém, o verdadeiro amor que tem a Paredes de Coura, um amor que só sente quem deixa a sua terra, um amor definido por uma palavra que dizem ser só portuguesa: saudade.


Crónica publicada na edição 399 do Notícias de Coura, 1 de dezembro de 2020.



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