terça-feira, 17 de março de 2020

O aeroporto

Escolher o tema para a presente crónica foi relativamente fácil. Ainda estive para falar no desalento de Vitalino Canas, que depois de afirmar estar a preparar-se há 40 anos para ir para o Tribunal Constitucional, viu o seu nome ser chumbado pela Assembleia da República, e pior, nem sequer teve os votos dos deputados do seu partido. Também me ocorreu falar da “tragédia” que se abateu sobre as equipas portuguesas de futebol na Liga  Europa, quatro equipas em competição, todas eliminadas. Assim se vê o “tamanho” do nosso futebol na europa, cá dentro é que todos lhe dão demasiada importância. Descartados estes dois temas, resta-me falar do Aeroporto.

Há anos que se fala na necessidade de Lisboa ver alargada a sua capacidade em receber voos de todo o mundo. O Aeroporto Humberto Delgado está há anos esgotado, embora esteja quase sempre em obras de alargamento não consegue responder às necessidades turísticas que o país enfrenta. (Digo o país mas, é Lisboa e pouco mais). Já se fizeram muitos estudos sobre a localização ideal de um novo aeroporto que possa servir de apoio à capital, os interesses envolvidos são imensos, e cada um, quer seja município, empresa, político, apresenta os argumentos que bem entende para defender a sua posição.
A opção do Montijo foi “obra” lançada pelo governo de Pedro Passos Coelho. Nessa altura, houve a preocupação de tentar chegar a um acordo com as câmaras municipais da margem sul. Tal não se concretizou pois as câmaras socialistas recusaram assumir um compromisso antes das eleições legislativas.
Já no governo de António Costa, o projecto é abraçado e visto como a única alternativa. A oito de janeiro de 2019 a ANA-Aeroportos de Portugal e o Estado assinam o acordo para a expansão da capacidade aeroportuária de Lisboa, num investimento de 1,15 mil milhões de euros, e onde se inclui a abertura do Aeroporto do Montijo à aviação civil. Houve quem estranhasse como podia o Estado assinar um compromisso desta magnitude sem saber o resultado do Estudo de Impacto Ambiental, obrigatório neste tipo de obras. Mas que assinou, assinou. O referido estudo só passados seis meses foi publicado e colocado para consulta pública. A 30 de Outubro, a APA-Agência Portuguesa do Ambiente deu parecer favorável condicionado ao novo aeroporto, mediante um conjunto de contrapartidas com valores que rondam os 50 milhões de euros. Enfim, tudo a correr bem ao governo, o palpite de que o estudo de impacto ambiental seria favorável foi certeiro!
Será que é desta? Pois, parece que entretanto há um outro pequeno problema. Parece que há uma lei que obriga a que todos os municípios estejam de acordo com a construção do aeroporto, e das 10 câmaras que deram o seu parecer, 4 são a favor (Montijo, Barreiro, Alcochete e Almada) e 6 são contra (Moita, Seixal, Sesimbra, Benavente, Palmela e Setúbal).* Que chatice. O Ministro Pedro Nuno Santos afirma que a lei é obsoleta e “estúpida”, e portanto, tem de se mudar. Segundo o Sr. Ministro, um município não pode condicionar a interesse do país. Mas agora pergunto eu, então se o que está em causa é o interesse do país, por que razão não se ouvem todos os municípios do país? Isto de se querer mudar a lei para satisfazer um projecto em particular parece-me uma coisa muito pouco democrática. E tudo isto, porque a geringonça se zangou, BE e PCP não estão dispostos a votar a favor da alteração da lei, e o PSD também não. Pois… é que o PS estava a contar com os votos a favor do PSD, afinal, o PSD até concorda com a solução do Montijo. Mas sob o voto do PSD, eu só acredito, quando vir. Na verdade, eu “aposto” que o PS vai conseguir arranjar forma de dar a volta à situação, afinal, António Costa já provou ser o político mais habilidoso de que há memória. Ainda assim, tem de ter cuidado com a “criatividade” dos Secretários de Estado que o rodeiam. Alberto Souto de Miranda, Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, escreveu num artigo de opinião afirmando que não há novos aeroportos sem impactos ambientais, que os pássaros do Montijo não são estúpidos e que se vão adaptar, e que os caranguejos não se vão “safar” por serem lentos mas também não há problema pois não estão em vias de extinção. A qualidade deste tipo de discurso está ao nível das melhores piadas do humorista Ricardo Araújo Pereira!

* Informação da SIC.

Crónica publicada na edição 382 do Notícias de Coura, 10 de março de 2020.

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