Escolher o tema para a presente crónica foi relativamente
fácil. Não podia fugir ao assunto que tem ocupado a imprensa nos últimos dias:
a eutanásia. Já em Junho de 2018 (edição 343 do NC) escrevi sobre esta matéria,
tendo terminado a crónica com a seguinte frase: No nosso país continua a
existir o “dever de viver”, não o “direito de viver”. Estamos a 157 minutos de
ver esta situação alterada. Sim, 157 minutos foi o tempo que a Assembleia da
República reservou para debater a matéria e, aprová-la. Não vou naturalmente
aborrecer os leitores com aquilo que penso, vou-me limitar a expor alguns
factos curiosos sobre esta matéria.
1. Estranho a
posição da igreja católica em vir agora defender a realização de um referendo.
A igreja sempre assumiu que as questões relacionadas com a vida não eram
referendáveis, mas percebe-se a mudança, é uma última tentativa de reverter um
assunto que está prestes a seguir outro caminho. Por outro lado, não me agrada
ouvir alguns representantes da igreja católica, bem como representantes de
partidos de direita, vir agora com o discurso da “aposta nos cuidados
paliativos”. O que têm feito nos últimos anos sobre esta matéria?
2. Estranho a
posição do PS em encabeçar uma das propostas que será votada, bem como a
posição do PSD em dar liberdade de voto aos seus deputados. Nenhum destes
partidos incluiu no seu programa eleitoral nenhuma frase sobre esta questão. Os
únicos partidos que o fizeram foram BE, PAN e Livre. Julgo que os partidos só
deviam ter direito a propor legislação sobre matérias para as quais os
eleitores lhe confiaram o voto. Mas em Portugal já ninguém estranha, os
programas eleitorais são uma coisa, a campanha eleitoral outra e a
governação/legislatura acabam sempre por ser diferentes.
3. Estranho a
posição de todos aqueles que atiram agora argumentos como, “vão matar os
velhinhos todos”, “a vida humana vai ser descartável”, “ vai haver um abuso
sobre a eutanásia e vai-se matar a torto e a direito”. Já na altura da
aprovação da legislação relativa ao aborto a conversa era mais ou menos a
mesma. Os dados mostram o contrário, o número de interrupções voluntárias da
gravidez não aumentou, e quem a ela recorreu não o teve de fazer nos perigos da
clandestinidade.
4. Estranho que se
acusem os países onde esta prática é legal, em todos eles o processo é longo,
exigente e complexo. Não se trata de uma mera viagem turística só de ida.
5. Não estranho o
silêncio do Presidente da República. Obviamente que a sua posição é contrária,
e obviamente que vai vetar o diploma. Obviamente também que depois a Assembleia
da República se limitará a alterar meia dúzia de vírgulas e o Presidente terá
de promulgar.
Termino com algumas palavras que li num artigo* de Alexandre
Quintanilha de dia 12 de fevereiro no jornal Expresso: “Foi por vontade de
outros que nascemos, não devemos exigir o mesmo da nossa morte. Como se poderá
suportar a dor com medicamentos que por vezes são mais intoleráveis do que a
dor que pretendem controlar?”
A vida de cada um só a si diz respeito. Quem somos nós para
questionar a decisão de cada pessoa em querer viver, ou deixar de viver? “A
forma como cada um quer morrer é provavelmente a decisão mais importante da sua
vida”.
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