segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Irritações de outono.

Já por duas vezes tive oportunidade de partilhar com os leitores algumas das coisas que me irritam. Desta vez, e como estas são irritações do momento, resolvi juntá-las ao outono, esta fantástica estação cujas cores dão tanta beleza ao mundo e me fazem recordar com saudade as cores de Paredes de Coura. Aqui ficam então algumas das coisas com as quais me sinto irritado: 

1. Irritado com a Fórmula 1: gosto muito deste desporto e tenho saudades dos tempos em que os grandes-prémios eram transmitidos na televisão pública. A Fórmula 1 ter regressado ao nosso país foi uma notícia excelente, obviamente que tal só aconteceu por atravessarmos este período pandémico, em condições normais não sei se tal aconteceria. Aquilo que tivemos oportunidade de ver durante o fim-de-semana da sua realização foi simplesmente vergonhoso, e mostra bem os dois pesos e duas medidas que continuam a imperar nas decisões tomadas pelo governo e pela DGS. Trinta mil pessoas em Portimão, bancadas cheias de pessoas, sem distanciamento quase nenhum e muitas delas sem máscara. As autoridades que permitiram isto são as mesmas que impedem os estádios de futebol de ter público. O autódromo de Portimão tem capacidade para 100.000 espetadores e a DGS autorizou 30.000 (30%). O Estádio do Braga tem lotação para 30.000 espetadores, e a DGS resolveu autorizar apenas cerca de 2.200 para o jogo com o AEK a contar para a Liga Europa (7%). Falta saber porquê. Eu sei que o vírus está mais ativo no norte, mas será que ele é assim tão malandro que só ataca a malta que vai à bola? Eu sei que a malta que vai à Fórmula 1 é mais rica e tem mais estatuto mas… não diziam que este vírus atacava os pobres e os ricos?! 

2. Irritado com o fim-de-semana de circulação condicionada: desculpando-se com o aumento assustador dos números da pandemia nos últimos tempos, o Governo decidiu limitar a circulação entre concelhos no fim-de-semana de 30 de outubro a 3 de novembro. E decidiu com alguma antecedência, o que foi bom, pois deu a hipótese a muitas pessoas de em vez de ir à terra no dia de finados, irem até Portimão à Fórmula 1 no fim-de-semana anterior. Podia até ser uma decisão com algum sentido, caso não tivéssemos depois exemplos verdadeiramente contrários. Pela primeira vez na vida vou precisar de uma declaração da minha entidade patronal para poder ir trabalhar, e deslocar-me entre concelhos. Eu, que nasci já depois do 25 de abril, começo a ter experiências dos tempos da “outra senhora”. Mas compreendo. Todos temos de ter comportamentos responsáveis. Eu não posso ir à terra no dia dos finados, mas posso ir dar aulas a 28 alunos numa sala com pouco mais de 20 metros quadrados. O Covid-19 é respeitador, ele sabe que não pode entrar nas escolas, mas quando apanha o povo nos cemitérios, vinga-se. 

3. Irritado com as capas de jornais: escrevo esta crónica no dia seguinte ao final da volta à Itália em bicicleta, aquela em que João Almeida acabou em 4.º lugar depois de andar 15 dias com a camisola rosa de líder da prova, aquela em que Ruben Guerreiro venceu a camisola azul de líder da montanha, e apesar dos destaques nalguns jornais, apenas um dos desportivos apresenta uma capa que faz justiça a um feito desta magnitude. Mas já se sabe que o que importa é o futebol. Irritado fico com o título do jornal “A Bola”, que dá voz às palavras do Presidente do Benfica, “Ninguém apaga a minha passagem pelo Benfica”. Obviamente que não, e tem muito mérito por ter colocado o Benfica no caminho das vitórias. Gostava de sugerir a um jornal de cariz económico que pudesse dar voz ao Sr. Luís Filipe Vieira para um título parecido: “Alguém apagou as minhas dívidas ao Novo Banco”. O jornal “I” resolve dar destaque ao confinamento de Cristiana Ferreira e de Ricardo Araújo Pereira… quem é famoso, fica mais famoso só por ter de ficar em casa! 

Enfim… chega de me irritar com os jornais, não quero correr o risco de me irritar com as minhas próprias crónicas.

Crónica publicada na edição 397 do Notícias de Coura, 3 de novembro de 2020.



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