segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O perigo das crianças no futebol.

Quando há dias li a notícia daquela criança, adepta do Benfica, obrigada a assistir a um jogo de futebol em tronco nu, fiquei com uma imensa vontade de desabafar sobre o assunto (nos meus desabafos normalmente parece que destilo ódio, e é um bocadinho isso, é uma espécie de revolta de quem, se pudesse, era capaz de fazer alguma asneira).

Resumindo os acontecimentos, uma criança adepta do Benfica e vestida com uma camisola do clube, foi obrigada a despi-la e a assistir ao jogo em tronco nu. Segundo os regulamentos de segurança dados a conhecer pelo promotor do evento, o Famalicão, é proibido o uso de adereços do clube visitante no setor da bancada onde estão os adeptos do clube visitado. Podemos dizer que os seguranças foram insensíveis? Talvez… mas menos sensível e irresponsável foi o pai* da criança ao insistir em ficar naquela bancada nem que para isso tivesse de despir a camisola ao filho. Poucos dias depois, foi a vez de um adepto do Porto e da sua filha, ambos vestidos a rigor, terem de abandonar a bancada do Estoril por estarem a ser insultados pelos adeptos adversários (nem vou aqui debruçar-me sobre o facto de, pelos vistos, terem sido provocados). Obviamente que os adeptos do Estoril, mesmo sendo provocados, podiam ter sido menos agressivos tendo em conta a criança, mas muito maior condenação merece aquele pai* que se vai meter com a filha na bancada adversária… e pelos vistos com atitudes provocadoras. Ainda que sem culpa, o Estoril emitiu um pedido de desculpa à criança e ao pai, o que me fez ficar ainda mais irritado, (sou um homem do Norte, e custa-me imenso ver os clubes cá de baixo terem uma forma de estar mais educada.)

Não estou de maneira nenhuma com isto a dizer que os regulamentos estão certos, na minha opinião parece-me tal proibição absolutamente ilegal, trata-se de uma violação clara do direito à liberdade pessoal de cada um se vestir e se “enfeitar” com aquilo que quer. Mas percebo o regulamento… se calhar, se todos os adeptos de futebol fossem pessoas com comportamentos normais, nada disto fosse necessário.

Sempre que vejo este tipo de comportamentos nos estádios de futebol lembro-me, com revolta, daquilo que vivi no dia 30 de outubro de 1996. Eu e mais dois amigos resolvemos ir ao Porto ver um jogo da Taça dos Campeões com o Rosenborg. Durante alguns serões pintámos num lençol de 2 metros de altura por 8 ou 10 de comprimento a frase de apoio: “Vilarandelo apoia FC Porto”. (Vilarandelo era, e é, a nossa aldeia) Nesse dia, viajámos para o Porto ainda de manhã, fomos almoçar e comemos duas doses de tripas cada um! Mal as portas abriram, entrámos no estádio e fomos prender com algumas molas da roupa, a nossa tarja na rede da bancada, atrás de uma das balizas no antigo Estádio das Antas. Depois disso, felizes, fomos ao bar comprar uma bebida para nos ajudar a passar o tempo, e a digerir a imensa comida do almoço! Qual não é o nosso espanto, quando regressámos, estava a tarja toda dobrada no meio da bancada. Quem foi!? Tinham sido os adeptos de uma das claques do FC Porto, refilaram que aquela rede era deles. Os meus dois amigos ainda lhes deram conversa, eu só pensava: “- Que sorte a nossa sermos adeptos do mesmo clube, se fossemos adversários nem sei o que aconteceria.” Calei-me, fui buscar a tarja e afastei-me daquela gente. Quando os meus dois amigos voltaram mandei cada um deles para uma ponta da tarja ficando eu no meio, e ficámos assim no meio da bancada a segurar a nossa frase de apoio! Sempre que a bola vinha para aquela zona do relvado, ficávamos de pé com a mensagem bem visível! Vi mais tarde na cassete VHS que ficou a gravar, que a televisão nos apanhou várias vezes! Voltámos felizes para a terra, o Porto tinha ganho por 3-0. Foi a última vez que vi um jogo do Porto ao vivo. Nunca devemos dizer nunca, mas não creio que o volte a fazer, pelo menos junto de adeptos daquela espécie. No nosso país muitos dos jogos não são vistos como um desafio entre adversários, mas sim, como uma batalha entre inimigos. E a avaliar pelos últimos acontecimentos, alguns comportamentos continuam a passar de geração em geração, o que é uma pena.

* O autor optou por escrever a palavra pai em letras minúsculas, por se tratar destes pais em particular.

Crónica publicada na edição 440 do Notícias de Coura, 27 de setembro de 2022.



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