terça-feira, 18 de julho de 2023

França e Pedrógão a arder.

França volta a estar na ordem do dia pelos piores motivos. Um jovem de dezassete anos foi morto pela polícia depois de ter fugido a uma operação stop por não ter documentos, em Nanterre, nos arredores de Paris. O polícia já foi preso e mostrou-se arrependido, mas nada disso travou uma onda de indignação e revolta que se alastrou pelo país. Já foram presas mais de mil pessoas, a sua maioria jovens com menos de 18 anos, mais de mil veículos foram incendiados, centenas de edifícios danificados, lojas pilhadas e milhares de incêndios na via pública. A casa do presidente da Câmara Municipal de L’Haÿ-les-Roses, foi invadida e vandalizada, vários polícias já ficaram feridos nos confrontos e um bombeiro morreu no combate a um incêndio ateado num parque de estacionamento. É um país em estado de sítio. Nahel, o jovem morto pela polícia, vivia com a mãe na periferia de Paris, onde abunda a pobreza e a exclusão social. A morte de Nahel foi o detonador que fez explodir o vandalismo. Por mais que nos indigne a morte deste jovem, a motivação destes milhares de manifestantes é apenas destruir e roubar. Assiste-se em direto à impotência da polícia em deter estes bandos organizados de criminosos, enquanto uns se deslocam para um lado para atrair a atenção da polícia, outros grupos destroem e roubam em pontos opostos. Assaltam-se lojas de telemóveis e computadores, lojas de roupa e calçado de luxo, e partilha-se tudo nas redes sociais. Os bandidos registam as suas conquistas. E ao mesmo tempo que roubam o “grande capital”, destroem e vandalizam edifícios públicos, esquadras, escolas, mercados. A extrema-direita francesa denuncia uma guerra de civilizações, num país aberto ao mundo, mas que se tem mostrado incapaz de responder à crescente segregação social e discriminação que se instalou na periferia das grandes cidades. Estes sinais em França são mais do que preocupantes, são assustadores. França é um terreno fértil para este tipo de incêndios, incêndios que podem alastrar a outros países europeus. Ouvi há dias uma amiga dizer: “França já não é o país para onde os meus avós emigraram para trabalhar, naquele tempo os emigrantes fugiam de Portugal para trabalhar, e ajudaram a França a prosperar.” Os emigrantes portugueses das décadas de setenta e oitenta “comeram o pão que o diabo amassou”, mas serão sempre um exemplo daquilo que a emigração devia ser, a procura de melhores condições de vida, de mais dinheiro, em troca de trabalho honesto. Custa-me escrever isto, se calhar estou a ser influenciado pelo discurso radical da extrema-direita quando fala em controlar as fronteiras. Só espero que nada de parecido aconteça no meu país.

Em Portugal ainda não começaram os já habituais incêndios de verão. Pelo menos à data em que escrevo esta crónica e em que o país atravessa uma vaga de calor insuportável, num fim-de-semana em que tive a triste ideia de ir passear até ao Alentejo. Outro incêndio me indigna, o de Pedrógão. E não é o incêndio de 2017 que matou 66 pessoas. Foi aberto há dias, sem qualquer cerimónia pública, o memorial às vítimas dos incêndios florestais de 2017. E assim devia ter ficado. Não havia nenhuma necessidade de dias depois alguns membros do governo e o Presidente da República lá terem estado. Não conseguem desta forma esconder o sentimento de culpa que têm de ter, por terem esquecido rapidamente as terras e as gentes de Pedrógão. O que sobrou de Pedrógão foi a vergonha de dezenas de casos suspeitos de gente que se aproveitou para ver casas reconstruídas, casas onde nunca morou e onde os incêndios apenas queimaram paredes velhas. Pedrógão foi esquecido e segundo especialistas, está em ponto de combustão, tal como outras zonas do país. Ordenar o território e a floresta continuam a ser palavras de circunstância. Como dizia uma das personagens interpretadas pelo humorista Ricardo Araújo Pereira, “Eles falam, falam, falam, falam, falam, mas eu não os vejo a fazer nada.”


Crónica publicada na edição 459 do Notícias de Coura, 11 de julho de 2023.



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